Para marcar a abertura da Passagem de Rafah (Egito/Gaza) pelos novos dirigentes do Egito, reproduzo abaixo o relato de Jordan Ash, representante do movimento Jewish Voice for Peace, em Minnesota (EUA), colhido em http://www.cartamaior.com.br:
Desmond Tutu, Israel e Eu
Jordan Ash - Common Dreams
Quando eu era criança, minha mãe incutiu-me um forte sentido de certo e errado. A moral que ela transmitiu estava firmemente enraizada na história do povo judeu. Minha mãe falou-me dos pogroms na Rússia, das duras condições de trabalho que os judeus tiveram que suportar e da discriminação que enfrentaram nos Estados Unidos. Ela também me falou de Samuel Gompers, que fundou a Federação Americana do Trabalho, e de Michael Schwerner e Andrew Goodman, que deram suas vidas, ao lado de James Chaney, no movimento em defesa dos direitos civis.
As lições que aprendi foram claras. Devemos lutar pela Justiça. A discriminação e o preconceito são coisas erradas. Todas as pessoas são iguais e merecem ser tratadas com dignidade e respeito.
Nos feriados, comemorávamos momentos onde praticamos essas lições. Na Páscoa, nos lembrávamos que éramos escravos no Egito. A Chanukah é a história de como Judas Macabeu e um pequeno grupo de homens derrotaram o exército grego para que pudéssemos praticar a nossa religião. No Purim, nós vaiávamos quando ouvíamos o nome de Haman, que queria destruir os judeus, e brindávamos a Ester, que arriscou a vida para salvar seu povo.
E, é claro, ela me falou do Holocausto, das formas heroicas como os judeus lutaram e dos modos horríveis pelos quais morreram. Esta foi a história que deu tanta importância à fundação de Israel. Era como se, após uma sucessão de tragédias, a história do nosso povo tivesse um final feliz.
Como fui ensinado, os árabes queriam negar-nos esse final feliz e jogar todos os judeus no mar, simplesmente porque eram judeus. Eu, como tantos outros judeus, não fui ensinado que a fundação de Israel exigiu a remoção forçada de 700 mil palestinos.
Quando cheguei à faculdade, em 1985, rapidamente me envolvi em uma tentativa de envolver a escola em um boicote contra empresas que faziam negócios com a África do Sul. Fui preso em um ato de desobediência civil, juntamente com outros dez estudantes, incluindo Amy Carter, filha do ex-presidente e ganhador do Prêmio Nobel da Paz, Jimmy Carter.
Por volta dessa época, vi um panfleto que falava sobre a aliança profana entre os Estados Unidos, África do Sul e Israel. Eu quis acreditar que se tratava de uma falsa acusação promovida por anti-semitas contra Israel, mas não era. Israel forneceu armas para o regime do apartheid.
Alguns anos mais tarde, quando Nelson Mandela foi libertado da prisão e visitou os Estados Unidos, alguns judeus ameaçaram protestar por causa de declarações de Mandela, comparando a luta dos palestinos com a dos negros sul-africanos.
O fato de essa verdade sobre Israel ser algo muito doloroso, eu ignorei-o. Mesmo eu que procurava viver com os valores transmitidos por minha mãe, que trabalhava com os sindicatos e organizações da comunidade, ignorei o que as pessoas estavam dizendo sobre a opressão contra os palestinos. Eu coloquei Israel fora da minha mente e, por um longo tempo, também coloquei os judeus fora de minha mente.
Então, vinte anos depois, ouvi um grupo de jovens judeus se manifestarem contra o que Israel estava fazendo nos territórios ocupados e como eles – como judeus – se sentiram obrigados a fazer tudo o que podiam para impedir isso.
Eu fui para Israel então, para ver com meus próprios olhos. Eu vi que Israel estava construindo um muro de 425 milhas, separando comunidades e famílias umas das outras, agricultores de suas terras e impedindo os palestinos de chegarem ao trabalho ou à escola. Vi que o governo israelense estava demolindo casas palestinas, enquanto continuava permitindo a construção de novos assentamentos judaicos.
Ficou claro para mim que o principal interesse de Israel não era alcançar a paz, mas tomar as melhores terras para si, enquanto forçava os palestinos a uma vida de pobreza cheia de lembranças diárias de seu “status inferior”. A minha experiência confirmou o que Jimmy Carter tinha dito: que Israel criou um sistema de apartheid.
Pouco tempo depois de ter voltado, a Universidade de St. Thomas, em St.Paul, desconvidou o arcebispo Desmond Tutu para uma atividade, após o Conselho de Relações da Comunidade Judaica ter dito que Tutu teria feito comentários ofensivos à comunidade.
O que Tutu havia dito? “Eu fiquei profundamente angustiado na minha visita à Terra Santa, que me lembrou muito do que aconteceu com nós, negros, na África do Sul. Eu vi a humilhação dos palestinos nos postos de controle e de bloqueio nas estradas, sofrendo como nós, quando os jovens policiais brancos nos impediam de nos locomover”. Às vezes a verdade dói.
O site JCRC Minnesota apresenta uma citação do líder zulu sul-africano Chefe Buthelezi dizendo que “o regime israelense não é o apartheid”. Quem é o chefe Buthelezi? Ele foi um dos únicos negros sul-africanos a se opor ao boicote e a incentivar o investimento estrangeiro na África do Sul, alegando que era uma coisa boa para o povo negro. A comunidade empresarial internacional abraçou-o e ignorou o fato de que todos os líderes negros do movimento anti-apartheid eram a favor de sanções e do boicote.
Inspirado pelo sucesso do movimento de boicote e de desinvestimento contra o apartheid sul-africano, uma ampla fama de organizações da sociedade civil palestina fez um apelo em 2005 em favor da campanha Boicote, Desinvestimento e Sanções como parte de uma campanha não violenta para acabar com a ocupação israelense.
As pessoas que se opunham ao boicote à África do Sul 25 anos atrás argumentavam que a melhor maneira de mudar o apartheid era por meio do “engajamento construtivo” das corporações com o regime do apartheid. Elas estavam erradas.
Para mim, é tão imoral empresas lucrarem com a ocupação israelense da Cisjordânia, Gaza e Jerusalém Leste quanto era no caso das empresas que lucravam com o apartheid sul-africano. Como o mundo e eu aprendemos há 25 anos, a pressão externa é muitas vezes necessária para provocar mudanças políticas e deter um governo opressor. A geração de hoje está preparada para desempenhar um papel histórico, ajudando a trazer a paz, a justiça e a igualdade para o Oriente Médio.
Tradução: Katarina Peixoto.
As lições que aprendi foram claras. Devemos lutar pela Justiça. A discriminação e o preconceito são coisas erradas. Todas as pessoas são iguais e merecem ser tratadas com dignidade e respeito.
Nos feriados, comemorávamos momentos onde praticamos essas lições. Na Páscoa, nos lembrávamos que éramos escravos no Egito. A Chanukah é a história de como Judas Macabeu e um pequeno grupo de homens derrotaram o exército grego para que pudéssemos praticar a nossa religião. No Purim, nós vaiávamos quando ouvíamos o nome de Haman, que queria destruir os judeus, e brindávamos a Ester, que arriscou a vida para salvar seu povo.
E, é claro, ela me falou do Holocausto, das formas heroicas como os judeus lutaram e dos modos horríveis pelos quais morreram. Esta foi a história que deu tanta importância à fundação de Israel. Era como se, após uma sucessão de tragédias, a história do nosso povo tivesse um final feliz.
Como fui ensinado, os árabes queriam negar-nos esse final feliz e jogar todos os judeus no mar, simplesmente porque eram judeus. Eu, como tantos outros judeus, não fui ensinado que a fundação de Israel exigiu a remoção forçada de 700 mil palestinos.
Quando cheguei à faculdade, em 1985, rapidamente me envolvi em uma tentativa de envolver a escola em um boicote contra empresas que faziam negócios com a África do Sul. Fui preso em um ato de desobediência civil, juntamente com outros dez estudantes, incluindo Amy Carter, filha do ex-presidente e ganhador do Prêmio Nobel da Paz, Jimmy Carter.
Por volta dessa época, vi um panfleto que falava sobre a aliança profana entre os Estados Unidos, África do Sul e Israel. Eu quis acreditar que se tratava de uma falsa acusação promovida por anti-semitas contra Israel, mas não era. Israel forneceu armas para o regime do apartheid.
Alguns anos mais tarde, quando Nelson Mandela foi libertado da prisão e visitou os Estados Unidos, alguns judeus ameaçaram protestar por causa de declarações de Mandela, comparando a luta dos palestinos com a dos negros sul-africanos.
O fato de essa verdade sobre Israel ser algo muito doloroso, eu ignorei-o. Mesmo eu que procurava viver com os valores transmitidos por minha mãe, que trabalhava com os sindicatos e organizações da comunidade, ignorei o que as pessoas estavam dizendo sobre a opressão contra os palestinos. Eu coloquei Israel fora da minha mente e, por um longo tempo, também coloquei os judeus fora de minha mente.
Então, vinte anos depois, ouvi um grupo de jovens judeus se manifestarem contra o que Israel estava fazendo nos territórios ocupados e como eles – como judeus – se sentiram obrigados a fazer tudo o que podiam para impedir isso.
Eu fui para Israel então, para ver com meus próprios olhos. Eu vi que Israel estava construindo um muro de 425 milhas, separando comunidades e famílias umas das outras, agricultores de suas terras e impedindo os palestinos de chegarem ao trabalho ou à escola. Vi que o governo israelense estava demolindo casas palestinas, enquanto continuava permitindo a construção de novos assentamentos judaicos.
Ficou claro para mim que o principal interesse de Israel não era alcançar a paz, mas tomar as melhores terras para si, enquanto forçava os palestinos a uma vida de pobreza cheia de lembranças diárias de seu “status inferior”. A minha experiência confirmou o que Jimmy Carter tinha dito: que Israel criou um sistema de apartheid.
Pouco tempo depois de ter voltado, a Universidade de St. Thomas, em St.Paul, desconvidou o arcebispo Desmond Tutu para uma atividade, após o Conselho de Relações da Comunidade Judaica ter dito que Tutu teria feito comentários ofensivos à comunidade.
O que Tutu havia dito? “Eu fiquei profundamente angustiado na minha visita à Terra Santa, que me lembrou muito do que aconteceu com nós, negros, na África do Sul. Eu vi a humilhação dos palestinos nos postos de controle e de bloqueio nas estradas, sofrendo como nós, quando os jovens policiais brancos nos impediam de nos locomover”. Às vezes a verdade dói.
O site JCRC Minnesota apresenta uma citação do líder zulu sul-africano Chefe Buthelezi dizendo que “o regime israelense não é o apartheid”. Quem é o chefe Buthelezi? Ele foi um dos únicos negros sul-africanos a se opor ao boicote e a incentivar o investimento estrangeiro na África do Sul, alegando que era uma coisa boa para o povo negro. A comunidade empresarial internacional abraçou-o e ignorou o fato de que todos os líderes negros do movimento anti-apartheid eram a favor de sanções e do boicote.
Inspirado pelo sucesso do movimento de boicote e de desinvestimento contra o apartheid sul-africano, uma ampla fama de organizações da sociedade civil palestina fez um apelo em 2005 em favor da campanha Boicote, Desinvestimento e Sanções como parte de uma campanha não violenta para acabar com a ocupação israelense.
As pessoas que se opunham ao boicote à África do Sul 25 anos atrás argumentavam que a melhor maneira de mudar o apartheid era por meio do “engajamento construtivo” das corporações com o regime do apartheid. Elas estavam erradas.
Para mim, é tão imoral empresas lucrarem com a ocupação israelense da Cisjordânia, Gaza e Jerusalém Leste quanto era no caso das empresas que lucravam com o apartheid sul-africano. Como o mundo e eu aprendemos há 25 anos, a pressão externa é muitas vezes necessária para provocar mudanças políticas e deter um governo opressor. A geração de hoje está preparada para desempenhar um papel histórico, ajudando a trazer a paz, a justiça e a igualdade para o Oriente Médio.
Tradução: Katarina Peixoto.
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