Cacinho.
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FRAGA.
Divido com vocês a reportagem de Silvio Essinger publicada no Extra sobre os bastidores da canção 'O Bêbado e a Equilibrista'.
Em 25 de dezembro de 1977, morria na Suíça o genial comediante e cineasta inglês Charles Chaplin. No Brasil, o cantor, violonista e compositor João Bosco sentiu a necessidade de homenagear o artista e, entre o Natal e o Ano Novo, começou a rascunhar um samba que remetia ao personagem mais famoso de Chaplin, o vagabundo Carlitos. E aí resolveu chamar o seu parceiro de fé, Aldir Blanc (...), para pôr letra na sua criação. Só que nas mãos de Aldir, o samba acabou tomando outros rumos, vindo a se tornar “O bêbado e a equilibrista”, um clássico da música popular brasileira e hino informal da Lei da Anistia – a que seria responsável por trazer de volta ao país, em 1979, alguns dos brasileiros exilados pela ditadura militar.
“O João me chamou na casa dele e disse que havia feito um samba, cuja harmonia tinha passagens melódicas parecidas com ‘Smile’ [tema do filme “Tempos modernos”], propositalmente construídas para que homenageássemos o cineasta”, contou Aldir anos mais tarde, em depoimento à Associação Brasileira de Imprensa (ABI). — Só que, casualmente, encontrei o [cartunista] Henfil e o [violonista e compositor] Chico Mário, que só falavam do mano que estava no exílio. Cheguei em casa, liguei para o João e sugeri que criássemos um personagem chapliniano, que, no fundo, deplorasse a condição dos exilados. Não era a ideia original, mas ele não criou caso e disse: ‘Manda bala, o problema é seu.’
“Caía a tarde feito um viaduto / e um bêbado trajando luto / me lembrou Carlitos” – assim começa “O bêbado e a equilibrista”, com sua letra que empilha referências a eventos e personalidades marcantes do período de exceção no Brasil. Nos versos “choram Marias e Clarisses”, por exemplo, Aldir Blanc cita as viúvas Maria, mulher do operário Manuel Fiel, e Clarisse Herzog, esposa do jornalista Vladimir Herzog, brasileiros assassinados nos porões do DOI-CODI (órgão de inteligência e repressão do governo militar, subordinado ao Exército) por fazerem parte da oposição política à ditadura. Já tarde que caía “feito um viaduto” fazia menção à queda, em 1971, do Elevado Paulo de Frontin, no Rio de Janeiro (a obra, concluída dois anos antes, ruiu subitamente, soterrando 48 pessoas e matando 29).
Mas o trecho mais lembrado de “O bêbado e a equilibrista” é justamente o do “Brasil que sonha com a volta do irmão do Henfil”, referência ao sociólogo Herbert José de Sousa, o Betinho, que esteve exilado desde 1971, tendo passado pelo Chile (onde foi assessor do presidente Salvador Allende, deposto e assassinado em 1973, no golpe militar do general Augusto Pinochet), Canadá e México.
Quando o samba ficou pronto, João Bosco e Aldir Blanc o enviaram para a cantora que melhores interpretações e mais visibilidade vinha dando a suas composições: Elis Regina, estrela suprema da MPB. A mesma artista que, em 1972, havia sido “enterrada” por Henfil, em uma charge para o jornal “Pasquim”, no chamado Cemitério dos Mortos-Vivos, devido à participação na Olimpíada do Exército (ela havia recebido ameaças do Exército por comentários depreciativos feitos em entrevistas dadas na Europa e, por temer pelo filho pequeno, achou melhor atender ao convite para a apresentação).
Já reconciliada com Henfil, Elis mostrou “O bêbado e a equilibrista” ao cartunista, que percebeu naquele samba um importante aliado na luta pela abertura política diante de uma ditadura então enfraquecida: “Agora temos um hino, e quem tem um hino faz uma revolução!”, disse Henfil a Betinho, por telefone, tentando convencê-lo a voltar ao Brasil. A música foi lançada pela cantora em “Essa mulher”, seu LP de 1979, e foi tocada, em diversos gravadores, pelas pessoas que foram receber os exilados (Betinho, entre eles) no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, no mês de setembro.
O detalhe curioso sobre “O bêbado e a equilibrista” é que, quando escreveu sobre “a volta do irmão do Henfil”, Aldir Blanc de fato não sabia o seu nome. E passou-se um bom tempo até que os ele viesse a conhecer pessoalmente o sociólogo, que se depois da volta ao Brasil se tornaria um importante ativista pelos direitos humanos, vindo a criar o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) e, mais tarde, a Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida.
“Nós tivemos um encontro que só pode ser chamado de cômico”, contou Aldir Blanc em depoimento ao Ibase, em 2017, nos 20 anos da morte do Betinho (ele sucumbiu a complicações da Aids, que antes dele levou os seus irmãos igualmente hemofílicos Henfil e Chico Mário). “Eu esperava encontrar um sociólogo, um sei lá o quê e tal, e vi um sujeito irônico, gozador, embora com os olhos marejados de lágrimas. Nosso primeiro encontro foi na porta do banheiro do Canecão. Nos abraçamos e a frase dele foi: ‘Eu não ia voltar, eu tinha me planejado todo para não voltar, mas ouvi a sua letra para a música do João e resolvi voltar, seu filho da puta!’”(Aqui).
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