segunda-feira, 18 de maio de 2020

DEZ ARGUMENTOS FALSOS CONTRA O ISOLAMENTO, POR LUIS NASSIF

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"A argumentação única de Osmar Terra é sobre a lógica da curva das pandemias conhecidas: 15 semanas de contaminação, depois começa a cair. Logo, não haveria necessidade de isolamento pois, com ou sem isolamento, as 15 semanas resolveriam o caso."


O foco da discussão sobre a curva do Covid-19 é claro:

Ponto central da análise

O ponto central de análise é a capacidade de atendimento da rede hospitalar. Doentes com acesso a UTIs e respiradores têm possibilidade de sobreviver; a maioria dos doentes sem acesso morre. Daí que toda a lógica consiste em atrasar a contaminação, para dar tempo da montagem da estrutura hospitalar.

Argumento 1 – A comparação com outras pandemias

A argumentação única de Osmar Terra é sobre a lógica da curva das pandemias conhecidas: 15 semanas de contaminação, depois começa a cair. Logo, não haveria necessidade de isolamento pois, com ou sem isolamento, as 15 semanas resolveriam o caso. Menciona várias pandemias anteriores.
É comparação totalmente indevida porque nenhuma das pandemias anteriores lotou a capacidade de atendimento da rede hospitalar. E o índice de mortes pela pandemia está diretamente relacionado com o índice de ocupação dos hospitais.
Aliás, essas comparações levaram Terra a prever uma quantidade de mortes do Covid-19 inferior ao do próprio H1V1, um erro de projeção clamoroso. Nem isso calou-o.

Argumento 2 – A comparação com outras causas de morte

Do mesmo modo, o Ministro-Chefe da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, compara as mortes por Covid-19 com outros tipos de morte – por acidente de trânsito, por acidente vascular.
Trata-se de outro argumento primário. Primeiro, por não se conhecer nenhuma espécie de contágio em acidentes de trânsito ou vasculares. Depois, porque nenhuma dessas causas lotou os leitos de UTI e os respiradores.

Argumento 3 – A falsa causalidade na contaminação nas casas

Um dos argumentos mais esdrúxulos de Terra é de que, na maioria das casas de periferia, há muitas pessoas convivendo nos mesmos cômodos. Logo o risco de contágio é maior do que na rua.
É argumento absolutamente non-sense. O vírus chega nas casas trazido por alguém que foi à rua, justamente por não obedecer às regras de isolamento.

Argumento 4 – tem que abrir a economia porque há o risco do pobre morrer de fome

Caso clássico de transferência de responsabilidade. É evidente a necessidade de manter a subsistência mínima das pessoas sem renda. E a responsabilidade objetiva é do governo federal, através dos recursos do Tesouro para financiamento da renda básica. Se existem pessoas correndo o risco de morrer de fome, é porque a distribuição falhou.

Argumento 5 – nos estados que adotaram o isolamento houve aumento das mortes. Logo, o isolamento não funciona.

Típico argumento negacionista, muito empregado em discussões econômicas, porque não se pode fazer a contraprova: quantas mortes a mais haveria sem o isolamento? Quanto o isolamento foi prejudicado pelo discurso negacionista do Presidente da República? A contraprova são as relações de causalidade em outros países, entre isolamento e achatamento da curva. 

Argumento 6 – queda da curva ocorreu devido à maior contaminação, não ao isolamento

Joga-se aqui com o fator temporal. Em geral o isolamento é adotado quando há um aumento da contaminação. Os resultados aparecem algum tempo depois. O argumento dos negacionistas é de que a redução se deve à queda da curva, devido à maior contaminação, que, no segundo tempo, funciona como vacina para os sobreviventes e os assintomáticos. Usa-se esse argumento em favor do fim do isolamento.

Argumento 7 – quanto mais rápida a curva da contaminação, mais rápida será a recuperação da economia

Esse argumento foi levantado por técnicos do Banco Central. Partiram do pressuposto de que, quanto mais intenso o pico da curva, enterram-se os mortos e a economia volta ao normal. Em outros países, esse pico provocou congestionamento dos hospitais, aumento das mortes e pânico de tal ordem que a própria população passou a exigir normas de isolamento muito mais rígidas pelo poder central. Ou seja, a ausência inicial de isolamento estendeu o prazo de volta à normalidade.
Nas planilhas do BC não existem fatores psicossociais.

Argumento 8 – o fim do isolamento é inevitável. Logo, a verdade está com os que defendem a abertura.

A discussão não é sobre a inevitabilidade ou não do isolamento, mas sobre quando e como sair do isolamento.

Argumento 9 – alguns países que não adotaram o isolamento horizontal foram bem-sucedidos

Escondem-se as razões básicas do sucesso, nenhuma disponível no Brasil:
  • Mapeamento das contaminações com testes em massa.
  • Oferta abundante de leitos de UTI.
  • Controle estrito da movimentação.
  • Disciplina da população.
  • Planejamento centralizado e comunicação clara do governo.
Argumento 10 – a hidrocloroquina tem efeitos positivos. Logo deve-se acabar com o isolamento. Ou, a hidrocloqouina não resolve o problema. Logo não deve ser usada
Trata-se da chamada discussão bizantina. Vários hospitais adotaram protocolos para uso da hidrocloquina nos dias iniciais da doença. Vale para hospitais e sob prescrição médica, porque a dosagem tem que ser bem calculada, e depende da situação de cada paciente, devido aos impactos em doenças coronarianas e outras.
Como se dá a discussão?
Bolsonaro se vale dessas conclusões para defender o uso maciço e aberto da hidrocloroquina.
Os adversários do uso maciço passam a condenar até o uso controlado do medicamento.  -  (Jornal GGN - Aqui).

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Notas deste Blolg:

1. Permitimo-nos sugerir que, no texto acima, onde se lê hidrocloroquina, leia-se hidroxicloroquina ou cloroquina;

2.  A Suécia, tão incensada pelo governo por não haver adotado quarentena, chega a 311 mortes por milhão de habitantes, situação pior do que a de seus vizinhos, como a Noruega.

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