segunda-feira, 23 de março de 2015

SOBRE POLÍTICA E PODER


Dormindo com o inimigo, ou a lição de Napoleão

Por Motta Araújo

A fama histórica de Napoleão Bonaparte vem de sua carreira militar, a imagem de estadista vem de sua visão modernizadora, mas sua qualificação menos conhecida é de operador político. O Imperador era um político frio e astuto, nada emocional, que sabia fazer acordos e recrutar auxiliares.

Napoleão sabia o valor da competência e não trabalhava com medíocres só porque eram simpáticos e aduladores.

Seus dois maiores auxiliares políticos eram, para ele, pessoas detestáveis, desagradáveis, maus caracteres.

Charles Meurice de Talleyrand Perigord, ministro de Relações Exteriores, e Joseph Fouché, ministro da Polícia eram os dois grandes instrumentos do general corso, o primeiro na diplomacia e o segundo na segurança interna.

Talleyrand serviu a oito regimes, desde a Revolução  até à Restauração Bourbon, foi Ministro de Exteriores do Comité de Salvação Publica, o governo da Revolução em 1789, passou pelo Consulado, Diretório, Império, chegando a ser o Ministro de Luis XVIII, irmão do guilhotinado Rei Luis XVI, cujo decreto de execução ele subscreveu, o que não impediu do irmão nomeá-lo Ministro.

O Príncipe de Talleyrand serviu profissionalmente a Napoleão até sua primeira derrocada, mas não aderiu à aventura dos 100 dias porque já não via chance de uma relançamento do Império que acabou em Waterloo, além do que quando Napoleão desembarcou da ilha de Elba, Talleyrand estava representando a França do Ancien Regime no Congresso de Viena, convocado para enterrar o período napoleônico para sempre.

Napoleão tinha horror a ele, só superado pelo horror que tinha a seu chefe de polícia, Fouché, criador da primeira polícia política moderna. Fouché tinha fichados 100 mil nomes de potenciais riscos ao governo napoleônico. Napoleão soube recompensá-lo com o título de Duque de Otranto.

Ambos, Talleyrand e Fouché, eram altamente corruptos, Talleyrand tinha gostos caros, jogava muito, ostentava uma coleção de amantes, palácios em Paris e no campo, tinha fome insaciável de dinheiro. Certa feita recebeu 4 milhões de francos de ouro dos nobres poloneses para recriar um Reino da Polônia, não conseguiu e devolveu o dinheiro, era um corrupto honesto.

Ao entrarem na Sala do Trono, Talleyrand, manco por um defeito na perna, apoiado em Fouché, Napoleão proferiu a célebre frase em alto e bom som: "Eis que entra o vício apoiado no crime".

Pois Napoleão tolerava esses dois canalhas porque precisava da extraordinária competência deles.
Para Winston Churchill não havia nenhum ser mais desprezível do que o líder do Partido Trabalhista Clement Attlee.

Em 1940, Churchill, Primeiro Ministro de uma Inglaterra lutando sozinha contra o Terceiro Reich ainda sem o apoio americano, convidou Attlee para Vice Primeiro Ministro porque precisava do apoio do Labour Party na união de esforços para a luta. Não só Attlee mas o Gabinete era multipartidário, tinha a situação e a oposição. Finda a guerra, Attlee derrota Churchill nas eleições gerais e o substitui em junho de 1945.

Roosevelt fez mais, deu um cargo de Embaixador Extraordinário a seu oponente nas eleições de 1940, Wendell Wilkie, e lhe confiou tarefas da mais alta importância nos esforços diplomáticos da Segunda Guerra.

Getúlio também usou adversários em Ministérios, não tinha qualquer problema com isso. Após derrotar a elite paulista na Revolução de 1932, coloca um de seus maiores líderes, a quem tinha exilado, Armando de Salles Oliveira, como interventor em São Paulo, quando Salles Oliveira funda a USP.  Getúlio teve vários Ministros que se alternavam como colaboradores e adversários, Oswaldo Aranha, José Américo, Eurico Dutra, Neves da Fontoura, Flores da Cunha, Baptista Luzardo, Danton Coelho.

A Presidente Dilma deveria seguir essa receita, trazendo adversários de ontem para o Ministério, sei que isso é difícil para mulheres na política, elas têm uma personalização muito maior do que os homens; mulheres são mais emocionais por natureza e não sepultam facilmente antipatias, mas lançar pontes é um dos segredos da alta politica.

Seria também uma forma de embaralhar o jogo político da frente anti-governo que vai se formando no horizonte. (Fonte: aqui).

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A presidente tem mais é que continuar a estimular a apuração da corrupção e a punição exemplar dos corruptos e corruptores (admitindo acordos de leniência com empresas, conforme prevê a legislação e tendo em vista a continuidade - com seriedade! - dos empreendimentos do conglomerado Petrobras, vital para o Brasil), além de recuperar a economia, procurando atenuar os ônus que, por ora, atingem com mais intensidade as faixas remediadas e pobres.
 
(O 'por ora' é uma 'pretensiosa expectativa': Permito-me dizer que a presidente deveria, independentemente de apoio prévio, mandar para o Congresso um pacote que imponha o imposto sobre grandes fortunas e reduza os impactos já incidentes sobre as classes médias e pobres).

Nota: Dias atrás, quando a agência de classificação de risco Moody's rebaixou a nota da Petrobras, consagrou-se a expectativa de que o Brasil viria a ser o próximo alvo, passando à condição de  investimento especulativo, desprezado, em decorrência, por fundos hoje presentes mas que estariam impedidos de aqui permanecer face à proibição regulamentar de operarem em países com elevada possibilidade de calote. Para decepção de muitos, isso não aconteceu: a nota de crédito do Brasil foi mantida pela agência Standard & Poor's, justamente a que despertava maior preocupação. O país segue, assim, com grau de investimento, selo de bom pagador.
Bola pra frente.

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