segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

CORES DO OUTONO

O teto sempre teve uma cor incerta: é branco, ou de um azul esmaecido. Já as manchas formam figuras diversas; umas parecem mudar, outras são sempre as mesmas: você dorme, acorda, olha, elas estão lá: as mesmas. Algumas, sejam mutáveis ou fixas, fazem aflorar lembranças boas e sombrias.

Melhor aqui, enclausurado, que na área do fundo, onde aquele janelão sempre aberto permite ver pilhas e pilhas de fraldas descartáveis. Brancas, imaculadamente brancas. Coisa mais ridícula! Velhos são mijões, é notório, mas por que o janelão escancarado? As visitas, os parentes, especialmente os jovens, mais curiosos: "O que é aquilo?" Um respondedor qualquer, orgulhoso: "Fraldas descartáveis. Não tem perigo de faltar". Grande vantagem!

Melhor aqui, só, deliberadamente só, a ouvir demências, a tevê estridente mostrando idiotices, um velho a apontar para a tela, emitindo juízos frouxos, opiniões alienadas, outro a puxar assunto completamente besta, tipo coisa de filho, de mulher, de gente morta há tempos, de mimos que recebeu daquele afilhado, de drágeas milagrosas e chás mirabolantes.

Os meus há meses não aparecem, é verdade. Meus? Pretensioso, boboca! Quer dizer, não tão boboca, que não custa nada relembrar bons tempos e esperar que ao menos em parte as boas emoções retornem. Quem sabe estarão vindo em breve? Olha lá aquela mancha no teto, parece um rosto sorrindo.

- Quem é?

- Surpresa pro senhor, seu Antônio.

Levanta-se o mais rápido que consegue. O coração acompanha a rapidez. Quem será, meu Deus?

- Sim?

- Um pudim delicioso, seu Antônio. E suco!

Recebe a bandeja. Agradece. Põe a bandeja sobre a mesinha. Retorna. Fecha a porta. Empunha a colher, encara detidamente o pudim. Miolo marrom, bordas bem escuras.

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