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"Não são poucos os analistas que veem o risco real de os EUA se transformarem na variante de uma tirania."
Por Reinaldo Azevedo
O presidente "de facto" dos EUA, Elon Musk, e o "clown" alaranjado que anima a cena, Donald Trump, estão dispostos a enfrentar o Poder Judiciário. Passaram a pregar abertamente o impeachment de juízes e se mostram dispostos a descumprir decisões judiciais. E agora? O Império do Norte, saibam, não está preparado para isso. A forma que o federalismo radical tomou por lá, no que concerne à Justiça, expõe o país às tentações de um tirano. Seria preciso reformar o Poder e a Constituição, mas, como lembram Steven Levitsky e Daniel Ziblatt em "Como Salvar a Democracia", os americanos acham que a sua carta constitucional, isto falo eu, é um verdadeiro "Moisés" de Michelangelo. E não é.
Cumpre não fingir costume diante do inédito. Musk a "explicar" as demissões em massa no governo federal, numa entrevista em que Trump, o presidente da República, exibia um ar meio abobado, indicando certo alheamento da realidade imediata, não é cena que se vê a toda hora. Nota: o empresário não é nem mesmo um funcionário do governo. Ele pertence ao tal "DOGE" — na prática, um ente privado que vigia a coisa pública.
Um dos filhos do multibilionário, um garotinho cujo nome é um enigma, a fazer peripécias infantis enquanto o pai usava a Casa Branca como parquinho privado, era só uma metáfora ou metonímia a nos dizer o que está em curso. Para lembrar: a demissão em massa de servidores federais para a contratação posterior de pessoas leais ao presidente é um dos itens mais importantes do "Projeto 25", o delírio de extrema-direita da "Heritage Foundation", que vai emplacando teses no governo, em efeito dominó. Aonde vai dar? Há dois possíveis limitadores na ação de Trump, eventualmente três.
O MUNDO
Como se comportará o resto do mundo diante das teses alucinadas da extrema-direita? "A América em Primeiro Lugar", como entende Trump, não distingue aliados de inimigos -- e, com alguma frequência, os parceiros tradicionais apanham primeiro. Vejam o caso das tarifas. Levado adiante o propósito de desmontar a globalização econômica, enquanto fustiga o "globalismo" com uma "revolução" cultural reacionária, o que se prenuncia, num primeiro momento, é desordem interna e externa. Até que os demais países se rearranjem. Ainda não li um miserável texto, fora do proselitismo de fanáticos, que demonstre que as teses de Trump produzirão efeitos positivos, ainda que só nos EUA.
Para que a reação externa a suas maluquices funcione como um freio, no entanto, será preciso que estas comecem a produzir efeitos na vida dos americanos, que eles o percebam e que isso repercuta no Congresso. Não contem com esse efeito tão cedo. Os dias são um tanto estranhos. Trump conseguiu convencer a maioria dos eleitores de que um dos momentos mais pujantes da economia americana transformou o país num vale de lágrimas. É falso, mas colou.
O JUDICIÁRIO
Não são poucos os analistas que veem o risco real de os EUA se transformarem na variante de uma tirania. Creiam: o sistema americano, um federalismo radical, não dispõe de mecanismos eficientes de defesa da ordem constitucional porque não foi pensado para a hipótese de um presidente desrespeitá-la de maneira sistemática. Será que um Nixon não teria sobrevivido no cargo na era das redes?
Observem como pouco se ouve falar que foi a Suprema Corte daquele país a declarar a inconstitucionalidade de uma lei. Raramente uma questão chega ao topo, o que leva alguns dos nossos idiotas a exaltar aquele modelo, em que juízes federais, estaduais e distritais fazem uma interpretação "ad hoc", para um caso específico, do texto constitucional, sem que a decisão condicione sentenças futuras de outros juízes ou sirva de exemplo para eventos semelhantes. Se e quando um conflito consegue atravessar o cipoal legal e chegar à Corte Constitucional, isso se dá na forma de um confronto: "Fulano versus Beltrano". E só então se tem um norte vinculante. Mas é evento raro.
O Brasil desenvolveu, ao longo do tempo, pesquisem a respeito, o chamado controle concentrado de constitucionalidade, tarefa atribuída ao Supremo. Alguns entes e agentes estão habilitados a apelar ao tribunal para que este avalie a constitucionalidade de decisões tomadas em instâncias inferiores, o que, não raro, fixa jurisprudência para eventos semelhantes e condiciona a decisão dos demais juízes. Mais e fundamental: o STF também exerce o controle abstrato de constitucionalidade: dispõe de diversos instrumentos, previstos na Constituição, para avaliar a higidez da norma e a decisão dos Três Poderes — incluindo o próprio Judiciário. Por isso, e felizmente, o tribunal aparece tanto.
O terceiro freio, imponderável nestes dias, pode ser o descontentamento popular, eventualmente decorrente de medidas malsucedidas na economia e da reação dos países atingidos por decisões deletérias. A máquina de propaganda do trumpismo, no entanto, é poderosa, como se sabe. Por enquanto, o presidente sufoca o país e o mundo com uma cornucópia de ordens executivas. E notem que nem toquei aqui no seu particularíssimo modo de "resolver" guerras...
CONCLUO
O populismo de extrema-direita -- de que Trump é a expressão mais virulenta porque, afinal, ele dispõe de muito mais poder do que seus congêneres -- tem o Judiciário independente como seu principal inimigo. É assim nos EUA, no Brasil e em qualquer lugar.
Musk, o presidente "de facto", partiu para a ofensiva: lançou na X, de que é dono, uma enquete levantando a hipótese do impeachment dos juízes.
Vocês já ouviram isso antes, não? - (Fonte: Folha/UOL - Aqui).
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Sem contar que no Brasil os juízes são submetidos a concurso público e, como 'servidores públicos especiais', contam com 'garantias constitucionais erga omnes'...
Mas não se duvide que os atuais detentores do poder nos EUA (no Brasil, a chamada oposição) cheguem ao desplante de defender uma nova constituição, partindo do zero, e assim fazer o carnaval que lhes aprouver, invocando o PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO.
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