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"...como encarar hoje em dia um autor tão genial e ao mesmo tempo tão incorreto como Nelson? Como lidar com seus personagens misóginos, homofóbicos, incestuosos e mórbidos? Trazê-los mais uma vez à cena ou cancelar seu criador, que inclusive apoiou a ditadura?"
Eis que a pandemia Covid-19 acabou gerando não só um novo modo de produção audiovisual, mas também um modelo de dramaturgia baseado na mobilização de recursos diversos à distância. Em 2020, enquanto o isolamento social ainda era levado a sério, o jovem diretor, ator e teatrólogo Daniel Belmonte “reuniu” virtualmente um grupo de atores para uma brincadeira em torno da peça Álbum de Família, talvez a mais escandalosa de Nelson Rodrigues.
Álbum em Família é, portanto, uma comédia-processo que mira Nelson como um instigador em vez de um original a ser adaptado. A começar pela questão fundamental: como encarar hoje em dia um autor tão genial e ao mesmo tempo tão incorreto como Nelson? Como lidar com seus personagens misóginos, homofóbicos, incestuosos e mórbidos? Trazê-los mais uma vez à cena ou cancelar seu criador, que inclusive apoiou a ditadura?
Mas tampouco se trata de colocar Nelson em julgamento. Daniel quer investigar como é possível encenar uma família reunida numa casa com atores espalhados em várias. E se/nos divertir com o processo. Otávio Müller, por exemplo, se sente incômodo no papel central do pai Jonas e questiona as liberdades tomadas pelo diretor em relação ao texto. Se Renata Sorrah não consegue tempo para fazer uma certa personagem, que tal cortá-la e contorná-la? Os atores cobram “referências” e fazem “pedidos especiais”; alguns ficam insatisfeitos com o tamanho de seus papéis; dois deles dividem um mesmo personagem.
Cada um faz sua atuação com a ajuda de sua própria família, o que abre espaço para um contraponto entre suas vidas pessoais e a família da peça. Assim, o filme resulta numa espécie de versão cômica da empreitada de Eduardo Coutinho em Moscou.
Daniel Belmonte é também uma figura engraçada em cena, levando com jovial inteligência a tarefa de desconstruir a peça e, ao mesmo tempo, o seu filme. O uso de bonecos, desenhos, fotos e trechos do texto na tela cria uma dinâmica espirituosa para tirar das perversões rodrigueanas um divertimento quase inocente. - (Fonte: Blog Carmattos - Aqui).
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