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Filme turco conta a história de um homem usurário que não abre mão dos próprios interesses, mesmo na hora de pedir perdão
Entre a usura e o Alcorão
Quem já conviveu com muçulmanos não ortodoxos conhece a forma com que eles negociam suas virtudes e interdições para atenderem simultaneamente ao Alcorão e a seus desejos e necessidades. Como fumar, beber álcool, enganar o próximo e trair o cônjuge, por exemplo, sem perder as indulgências do bom islamita. O personagem-título de O Compromisso de Hasan (Baglilik Hasan) precisa negociar com sua consciência a fim de atingir a purificação necessária para fazer a peregrinação a Meca.
Sua propriedade no interior da Turquia foi herdada mediante um artifício contra o irmão, com quem não fala há 20 anos. Diante da ameaça de instalarem uma torre de energia em sua plantação de tomates, Hasan manobra novamente em desfavor do irmão. Aproveita-se de um vizinho em dificuldades para arrematar suas terras a preço aviltante. Agora, ao ser sorteado para fazer a viagem a Meca, ele precisa pedir a bênção a todos a quem prejudicou no passado.
Assim, o filme de Semih Kaplanoglu – o segundo de sua trilogia dedicada à questão do compromisso – evolui compassadamente (duas horas e meia) através de uma série de encontros de Hasan com pessoas a quem ele deve favores, providências ou de quem espera alguma vantagem ou o perdão. O ajuste ético se estende a sua própria relação conjugal, mantida num estranho patamar de formalidade. A esposa (Filiz Bozok) não fica atrás em matéria de exploração dos necessitados.
O ator Umut Karadag, um quase-sósia de Leonardo Vilar, defende com sobriedade o papel desse homem usurário que não abre mão dos próprios interesses, mesmo na hora de pedir perdão. A culpa de Hasan se expressa por meio de cenas oníricas, como uma chuva de maçãs ou o destino de uma árvore solitária que pode simbolizar seus pecados.
Tive a sensação de que, apesar da longa duração, Kaplanoglu não logrou arrematar devidamente seu conto moral. Algumas linhas dramáticas ficam perdidas no caminho, como a relação com o vizinho explorado, a querela financeira com a mulher e a figura promissora da empregada-testemunha, que é simplesmente abandonada. - (Fonte: Carta Maior - Aqui).
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