sábado, 27 de novembro de 2021

DES-ESPERANDO GODOT (OU: QUANDO O TEATRO VAI AO TEATRO VIRTUAL)

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Zé Celso Martinez Correa e Monique Gardenberg se juntam para varrer as ilusões de 'Esperando Godot' em versão audiovisual online


Por
Carlos Alberto Mattos

Esperando Godot é a representação teatral absoluta da falta de sentido da vida quando esta se apoia na esperança eterna de uma recompensa ou uma salvação. Bem ao seu feitio, Samuel Beckett não usou, porém, de nenhuma retórica para afirmar essa, digamos, mensagem. Tudo se dá pela alegoria branca, ou seja, pela ausência de objetivo ou mesmo de drama naquilo que se vê no palco.

Vinte anos depois de uma primeira montagem, no CCBB-RJ, Zé Celso Martinez Correa e Monique Gardenberg voltam ao texto de Beckett. Monique não mais apenas como produtora, mas também como diretora cinematográfica numa versão audiovisual da peça.

Afora essa concepção mais voltada para as câmeras do que para um público presencial, Zé Celso subverte também o desfecho. Para não dar spoiler, limito-me a dizer que ele recorre a Exu e aponta para o fim das ilusões e para a resignação dos homens a sua pobre condição.

Marcelo Drummond faz Estragon ou "Gogo", e Guilherme Calzavara vive Vladimir ou "Didi", os dois palhaços-mendigos que se encontram num parque e esperam pela chegada de um certo Godot, que eles não sabem quem é. Em cada um dos dias consecutivos (e dois atos) em que se passa a ação, aparecem os personagens de Pozzo (Pascoal da Conceição) e seu escravo Lucky (Danilo Grangheia), representantes do poder despótico e do pensamento submetido, respectivamente.



Zé Celso tira partido das brechas alegóricas abertas pelo texto de Beckett para fazer referências à Covid 19, à perda de direitos na era da iFoodização do trabalho e a dados prosaicos como Paulo Gustavo, Carmen Miranda, Nelson Rodrigues, o Edifício Martinelli, a Ilha do Bananal e piada de português. Faz sobretudo uma conexão entre Pozzo e Bozo, vestido num arremedo de farda militar e portando um fuzil.

Essas alusões são, contudo, passageiras e não distraem do eixo principal, que é o absurdo da eterna espera, que gera inércia. Até a amizade que une Gogo e Didi – eles estão juntos há tanto tempo que já é tarde demais para se separarem – gera uma cumplicidade paralisante.

Os quatro atores estão simplesmente exuberantes, tendo suas performances detectadas em minúcias pelas seis câmeras comandadas por Monique e o diretor de fotografia Gustavo Hadba. A encenação é quase toda concentrada na fronteira entre o interior do Teatro Oficina e o parque contíguo, o que dialoga, de certa forma, com o caráter fronteiriço entre a linguagem teatral e a dinâmica cinematográfica. A montagem de Ana Paula Carvalho acompanha com grande perícia os diálogos entrecortados de Beckett e pontua reações não verbais.

Vale reparar o destaque dado aos pés e sapatos de Gogo e Didi, símbolos fortes de suas fragilidades. Algumas brincadeiras com masturbação e objetos fálicos deixam a marca da erótica zécelsiana em grau bem mais discreto que o habitual.

O dionisíaco guru do Oficina, que também é homem de cinema (O Rei da Vela, 25), entrou um pouco tarde na fase do teatro virtual. Mas entrou com o pé direito e braço dado com Monique.  -  (FonteBoletim Carta Maior - Aqui).

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