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Alguns achados na volta do público às salas de cinema (de São Paulo)
(Bob Cuspe e Angeli)
Por Eduardo Escorel
Bob Cuspe, Nós Não Gostamos De Gente (2021), de Cesar Cabral, exibido na recente 45ª Mostra Internacional de Cinema, em São Paulo, estreou em 11.11 nos cinemas, após ter recebido o Prêmio Contracampo, em junho, no Festival Internacional do Filme de Animação de Annecy, no Norte dos Alpes franceses.
A legenda seguinte esclarece que Bob Cuspe, Nós Não Gostamos De Gente é baseado “em fatos reais da obra fictícia do cartunista Angeli”. Essa ambiguidade aguça o interesse pelo que virá – inspirada em eventos “reais” de sua criação ficcional, a história de um artista em crise, chamado de “velho cartunista”.
Outra estreia em 11.11 foi a de Curral (2020), em que Marcelo Brennand retoma, agora em versão ficcional, o tema de seu documentário Porta a Porta – as eleições municipais em Gravatá, Pernambuco –, gravado em 2008 e lançado em 2010. As gravações de Curral começaram, por sua vez, no dia seguinte ao segundo turno da fatídica eleição de 2018 sob o impacto do seu desfecho, e o filme estreou ano passado, na 44ª Mostra Internacional de Cinema, em São Paulo. Seguiram-se premiações em outros festivais: Melhor Contribuição Técnico-Artística e Melhor Ator (Thomás Aquino), em 2020, no 46º Festival de Cinema Ibero-Americano de Huelva, na Espanha; Melhor Longa-Metragem de Ficção no Festival de Cinema do Brooklyn, em Nova York, este ano. Vítima da pandemia, como tantos filmes brasileiros, Curral chega só agora, com enorme atraso, às telas dos cinemas, trazendo um flagrante da prática política baseada na compra de votos e troca de favores, predominante não apenas no interior do Nordeste, mas também em Brasília e, de modo geral, país afora. Com forte viés documental, contando inclusive com atuação de moradoras e moradores de Gravatá, capazes de atuar e improvisar diálogos iluminadores, Curral completa e aprofunda Porta a Porta. A íntegra da conversa que tivemos domingo passado (7/11) sobre Curral, com Marcelo Brennand (diretor), Tomás Aquino (ator) e Carla Salle (atriz), no programa #DomingoAoVivo do canal de YouTube 3 Em Cena está disponível aqui.
Marcante, de fato, entre os poucos filmes a que assisti na 45ª Mostra, é Pequena Palestina, Diário de um Cerco (2021), documentário escrito, filmado e dirigido por Abdallah Al-Khatib. Para Roberto Gervitz foi o “mais contundente” que viu e recebeu Menção Honrosa do Júri Internacional da Competição Novos Diretores, formado por Beatriz Seigner, Carla Caffé e Joel Zito Araújo (infelizmente não assisti a Clara Sola, de Nathalie Álvarez Mesén, premiado como melhor filme).
Pequena Palestina vem acumulando merecida consagração crítica desde que foi exibido, em abril, no Visions du Réel, mostra do Festival Internacional de Cinema de Nyon, e dois meses depois na Association for the Diffusion of Independent Cinema – ACID, em Cannes.
Entre 2011 e 2015, Al-Khatib gravou um diário com alguns amigos e reuniu cerca de 500 horas de material, mostrando o cotidiano dos habitantes de Yarmouk, campo de refugiados palestinos em Damasco, na Síria, onde nasceu e vivia com sua mãe, enfermeira dedicada a cuidar de idosos. Nesse período, sua prioridade diária era “encontrar comida para sua família, achar uma maneira que meus entes queridos e eu pudéssemos ter o suficiente para comer”. Com a guerra civil iniciada em 2011, o regime de Bashar Al-Assad passou a considerar Yarmouk, formado em 1957, um refúgio de rebeldes e resistentes e, a partir de 2013, sitiou o campo, que foi sendo privado de alimentos, remédios e eletricidade.
Para Al-Khatib “era muito importante”, conforme disse em entrevista gravada no Visions du Réel, “retratar as pessoas com toda sua dignidade e revelar os vários meios que usam para mostrar que estão resistindo à situação em que estão vivendo durante o cerco”.
Próximo do final, meninos correm em direção à câmera e dizem quais são seus sonhos (“Sonho com um sanduíche de frango, mas também que o meu irmão possa voltar à vida”, diz um deles). Destaque unânime vem sendo dado a essa presença sorridente de crianças e, em especial, à sequência seguinte, a penúltima do filme, em que a câmera se aproxima de Tasnim, menina concentrada na tarefa de colher rente ao chão de terra folhas delicadas de verbena. Cercada de prédios em ruínas, ela comenta, sem olhar para a câmera: “Isto é tudo que temos para comer. Eu sonho com pão.” A cena está fadada a ser incluída entre as sequências antológicas do cinema documentário.
Registrada de improviso, a conversa se estende. Serena, sem se perturbar com os mísseis que atingem prédios próximos, Tasnim comenta que as crianças “trabalham até a exaustão… Agora envelhecem e estão exaustas”. Conforme o crítico do site heyuguys escreveu, de todas as imagens do filme, a de Tasnim “talvez seja a que ficará por mais tempo comigo”.
Os créditos finais de Pequena Palestina, Diário de um Cerco informam que “181 moradores de Yarmouk morreram de fome durante o cerco”. Em 2015, o grupo Estado Islâmico assumiu o controle do campo de refugiados e expulsou Al-Khatib. Três anos depois, quando aviões russos e o exército sírio expulsaram, por sua vez, o Estado Islâmico, destruíram cerca de 80% da área total. Al-Khatib e sua mãe moram atualmente na Alemanha, mas ela sonha em voltar ao campo de Yarmouk, “assim seu antigo desejo de voltar à Palestina se tornaria realidade”. - (Fonte: Revista Piauí - Aqui).
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