domingo, 17 de maio de 2020

BRASIL, A TEMPESTADE PERFEITA


Por André Araújo 

Lideranças históricas do País, alguns cérebros pensantes com larga experiência na vida pública, intelectuais e comentaristas, jornalistas, muitos vaticinam a iminente queda de Bolsonaro por causa de uma sucessão de erros e atitudes cometidos e a cometer, todo dia eles acontecem, não há um dia calmo. Mas é preciso uma análise a frio da situação, dos elementos em jogo, do quadro geral de temperatura e pressão no País, é possível uma análise, mas não um prognóstico, porque o acaso é sempre rei.
Bolsonaro está tranquilo porque não há FATORES REAIS DE OPOSIÇÃO ao poder que ele representa no Palácio do Planalto, acolitado por uma chusma de apoiadores ruins, mas ativos, dispostos a defender o chefe, não importa em que situação, não importa que posturas e atitudes o chefe tome, é a linha do Duce, do condutor de almas.
O CONGRESSO
Como foi possível o Senado eleger como seu Presidente, e portanto também Presidente do Congresso, um político absolutamente desconhecido, sem biografia, sem relevância, em vez de eleger o óbvio postulante, Renan Calheiros, de larga experiência em crises, corajoso ao extremo, o homem certo para um período turbulento que já se previa com Bolsonaro? O Presidente eleito, já no primeiro minuto, está ávido por servir ao Planalto, seu sonho é provinciano, tudo o que precisa está no outro lado da praça dos Três Poderes, não tem visão nacional, projeto de Estado, o sonho é uma Prefeitura onde já tentou ser o titular e não conseguiu. Renan seria hoje o homem certo no momento certo.
Na Câmara, o Presidente tem maior estatura, mas ainda não chegou à altura da crise aguda onde estamos, o excesso de cautela é sua marca registrada mesmo porque não é uma liderança nacional, sua votação costuma ser exígua e sua área de atuação local, mais ainda, está cercado por um Centrão louco por oferecer seus préstimos ao Planalto.
Conheci Carlos Lacerda nos primeiros dias de Abril de 1964, ele vinha a São Paulo toda 6ª feira, estava em campanha para ser Presidente, foi logo nos primeiros dias de abril, recebia  lideranças paulistas no mezanino da agência do Banco do Estado da Guanabara, na Av. Ipiranga, quase esquina da São João, ele era então Governador do Estado da Guanabara e um dos comandantes civis do movimento militar de 31 de março. Lacerda impressionava pela vibração, era um líder nato onde estivesse, se fosse hoje teria derrubado Bolsonaro nos primeiros quinze dias de Governo, não tinha medo de nada, voz de rádio, vasta cultura, foi o tradutor no Brasil dos livros de Churchill. Onde está um Lacerda de hoje? Não há, nem sombra.
Lacerda tinha sido comunista na juventude, o pai, Mauricio de Lacerda, foi um dos fundadores do Partido Comunista do Brasil. Lacerda percorreu o caminho da esquerda para a direita porque era um espírito inquieto, como foi Oswaldo Aranha, revolucionário de 30, depois Ministro da Fazenda inovador e criativo e depois diplomata de nível mundial com papel relevante na criação das Nações Unidas, personalidade também inquieta, poliforme, como foi Vargas, um conservador de direita na década de 30 e depois nacional desenvolvimentista na década de 50,  enquanto criava a PETROBRAS jogava golfe com ingleses no Gávea Golf Club.
Espíritos mutantes, evolutivos, multifacetados, que diferença dos monotrilhos de hoje, sonsos, rasos, pequeninos, solenes em miudezas, incapazes de um gesto alto, pequenos espíritos com uma só nota na alma, sem amplidão de cenários, cozinheiros de um prato só, ou só fisiológicos, como os do Centrão, ou só cautelosos, como a alta burocracia, ou idiotas pomposos como certas figuras referenciais inúteis. Ninguém de brilho, de coragem, como havia em pletora nas décadas de 30, 40, 50 e até 60.
O JUDICIÁRIO
Um ou outro Ministro mais corajoso, mas até certo ponto, os mais antigos e mais experientes enfrentam mais, os mais novos da Era PT são peso leve, daí não sairá enfrentamento a quem tem muito mais força, as da rua e as do Exército. O STJ é mais frágil ainda, o Executivo não encontra problemas na área, apenas fogos de artificio.
O Ministério Público Federal tem um problema de origem, o seu Chefe maior foi escolhido por Bolsonaro e pode ir até certo ponto, mas daí não vai passar.
Mas há de lembrar que desse ninho saiu o movimento que permitiu a Bolsonaro ser Presidente, foi com o MPF e o Judiciário que se limpou o terreno para o bolsonarismo.
AS FORÇAS ARMADAS
É hoje a maior incógnita do Governo Bolsonaro. Até que ponto são sócias do Poder?  Generais da ativa e na ativa estão no Palácio, mas representam eles o Alto Comando ou operam a título individual? Os Generais de hoje não têm a ousadia da geração de 64, personagens que vieram do tenentismo, do Estado Novo e da Segunda Guerra, como Cordeiro de Farias, Geisel, Figueiredo. Os Generais de hoje não tiveram anteriormente EXPERIÊNCIA POLÍTICA, como tiveram os de 64, poucos lembram que Geisel, ainda Tenente, foi Secretário da Fazenda da Paraíba em 31, nomeado por Getulio, Cordeiro criou a Escola Superior de Guerra e foi Interventor no Rio Grande do Sul e em Pernambuco, portanto com vivência e experiência na luta política antes de 64. Os de hoje não tiveram essa vivência e caíram de repente no poder do Palácio liderados por um ex-capitão populista.
OS MERCADOS
Apoiadores de primeira hora de Bolsonaro, por identificarem nele uma liderança conservadora, especialmente com a aderência de um operador de mercado como Ministro.
Guedes não tem qualquer experiência, visão ou interesse em políticas públicas que configuram em qualquer grande País a essência de uma POLÍTICA ECONÔMICA DE PAÍS, ele é apenas um homem de mercado e veste essa camisa desbotada das “reformas” e nada mais, sem uma função MACRO que exige toda uma ideia de Nação e não simplesmente do “mercado”, que é apenas parte da economia como um todo e com a pandemia ficou parte menor ainda, esse pequeno homem de pequenas ideias fez com que esse “mercado” de gente apenas egoísta e gananciosa, completamente desinteressada do País como um todo, mas poderosa por suas conexões com o exterior, apoiasse esse governo amalucado, formado por medíocres e lunáticos, apenas porque Guedes é o ”nosso” Ministro. O mercado tem que pagar um alto preço por essa adesão impensada.
A CLASSE MÉDIA
Aderiu e apoiou de forma avassaladora a eleição de Bolsonaro, porque ela, como o “mercado” no geral, está se lixando para o País. Cuida apenas de sua própria vidinha, sonha com a Disney e Miami, com o bom apartamento para o filho, o resto da pobrelândia que se lixe, NÃO TEM CONSCIÊNCIA DE PAÍS, como tem um francês ou um alemão.
A classe média burra e egoísta, NÃO SÃO TODOS, há uma classe média pequena, culta e solidária, mas a maioria é esse trem de insensatos que votou em um deputado do baixíssimo clero de sete mandatos, QUE NÃO ENGANOU NINGUÉM. Bolsonaro foi o mais transparente dos candidatos, nem tem capacidade para enganar, ele é o que é e sempre foi, um tosco e primário, não tem sequer cultura política para ser de direita no sentido ideológico, apenas segue uma onda que julga ter futuro. Esse candidato foi apoiado por uma vasta classe média afluente, especialmente no eixo Rio-São Paulo-BH, interior de São Paulo, norte do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
O Nordeste, com séculos de experiência política, não embarcou geralmente nessa canoa furada, MAS o fanatismo de raiz estava no eixo interior de SP + norte do Paraná + Santa Catarina, essa classe média está hoje meio perdida, está vendo, porque só um cego não vê, o desastre de uma  administração errática, incompetente, alucinada, podia ser autoritária, como o Governo de 64, mas minimamente eficiente, mas é só muito mais autoritária e de uma ineficiência caótica, misturada com religião de incultos, fanatismo primitivo, teorias conspiratórias, aliciamento de malucos para altos cargos, não falta nada nesse museu de horrores, MAS e aí classe média?
Vai continuar a apoiar até a beira do abismo quando seus empregos e poupanças forem para o ralo, o que será absolutamente certo.
A CLASSE POBRE
A mais sacrificada, vai conhecer as catacumbas do inferno, sem renda, sem serviço de saúde, sem transporte, sem moradia, sem escola, numa escala PIOR QUE QUALQUER OUTRO GOVERNO. Vai sofrer muito, mas carece de forças e representação para reagir, vai sofrer uma devastação na pandemia, no desemprego, na falta de tudo, especialmente de esperança, tosquiados no pouco que resta por “pastores” e sem lideranças que não sejam milicianos apoiadores do caos. A classe pobre vai passar pelo período mais difícil do País desde 1930, pelo menos que aprendam a votar com mais discernimento, que a experiência sirva de lição para várias gerações.
A TEMPESTADE PERFEITA
A maior pandemia dos últimos cem anos, combinada com uma crise econômica que já a precedia, mais um governo monumentalmente incompetente, errático, prisioneiro de ideologias sem nenhum sentido prático ou antenadas com a realidade geopolítica mundial, um completo desmonte da máquina pública que mal ou bem já estava estruturada no meio ambiente, educação, cultura, saúde, diplomacia, tudo isso somado a uma equipe econômica saudosista dos anos 70 do século passado, com ideias que já eram defasadas em 2000 e foram completamente sepultadas na crise financeira de 2008 e agora mais do que antes, ideias fósseis baseadas em miragens como concessões e privatizações que se pretende como viáveis em um cenário onde investidores retiraram US$55 bilhões do País, pela absoluta descrença na sua pandemia econômica e caos político, mesmo assim essa equipe jurássica mantém seu catecismo medieval e nem cogita em ação pelo Estado para resgatar a economia. A  tempestade perfeita se consolida só faltando seu capítulo final que será inevitável, a CRISE SOCIAL, porque cem milhões, no mínimo, de pobres tiveram queda relativa ou absoluta de renda de sobrevivência, o auxilio emergencial é meramente simbólico, quando aparece e será, segundo a equipe Copa 70, apenas por três meses, “para não afetar as contas públicas”.
A tempestade social será a maior do Brasil República, pobres levados à fome absoluta não tem nada a perder e são o barril de pólvora da revolta social, como os pobres de Paris de 1789. Por essas ironias da História, a pandemia encontrou no seu momento terrível o pior dos governos dos últimos 200 anos, incapaz de qualquer mitigação de seus efeitos, indiferente a mortes e sofrimento, com um Congresso amorfo e em grande parte fisiológico, com lideranças políticas como anestesiadas e cada uma com seu projeto pessoal alheio ao quadro macro do País. Lideranças empresariais apalermadas, quando em 1964 foram decisivas para tirar um Presidente do poder, é a TEMPESTADE PERFEITA em um dos maiores países do mundo.
O FUTURO
O que a História nos diz? O futuro pode ser construído pelo acaso ou pelo método, a situação atual de um País caminhando para o abismo terá quem resgate?
As Forças Armadas estão hoje dentro do Poder, mas também estão fora, podem ser um fator decisivo, um Congresso pronto a servir a quem tenha a caneta do Orçamento não tem, a não ser em condições excepcionais, poder de reação frente a um governo audacioso como é esse, com tropa de baderneiros na rua.
Mas o acaso pode agir, como o General Olímpio Mourão Filho agiu em 64, sem combinar com ninguém, desceu a tropa de Juiz de Fora a frente do 4º Regimento de Infantaria e desencadeou o movimento de 31 de março. Um racha nas F.A. é o que sempre ocorreu na História desde 1889, escrevi um artigo sobre isso, o capital político das F.A. está em risco, elas são uma instituição de Estado e não estão a serviço de um grupo que quer permanecer no poder a qualquer custo, resta ver se esse lampejo ocorre.
Há outra variável importante, a eleição americana de Novembro, uma vitória Democrata muda as peças do jogo geopolítico mundial e enfraquece o regime aqui.
Outra variável é a economia, os “mercados” que apoiam qualquer um que satisfaça seu curto prazo, podem ver o curto prazo também afundar e retirar seu apoio que até hoje é total ao “neoliberal anos 70” Guedes, que não entregou até hoje nada do que dizia que iria entregar, mas o mercado ainda o apoia até o velório, afinal ele está torrando reservas duramente acumuladas nos governos do PT para permitir a FUGA DE CAPITAL dos mercados para o exterior, um serviço bem prestado até agora.
Resta o grande ator da História, o ACASO, uma roleta do destino, pode acontecer em qualquer contexto e esse ninguém pode prever, quem em Novembro de 2019 iria prever a Pandemia Corona-19? Esse acaso costuma aprontar peças e ser o fósforo aceso em paiol de pólvora, o palco está pronto para a peça começar.  -  (Aqui).

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