segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

DO PROCESSO PENAL DO ESPETÁCULO

(Tribunal do Santo Ofício, Lisboa, 1536 - gravura incidental)

Lula e o Processo Penal do Espetáculo no STF 

Por Fábio de Oliveira Ribeiro

"O jurista, o verdadeiro jurista, não interessa ao expectador.”

Essa frase poderosa e prenhe de significados de Rubens R.R. Casara pode ser utilizada para resumir o livro Processo Penal do Espetáculo (editora Tirant, 2ª edição, Rio de Janeiro, 2018). 

 jurista se ocupa com o criterioso estudo do Direito e com a aplicação rigorosa da Lei. O fenômeno jurídico se relaciona profundamente com a ética, ele não pertence ao domínio das artes cênicas. Como diz o autor da obra:

“O Poder Judiciário, para concretizar direitos fundamentais, deveria julgar contra a vontade das maiorias de ocasião, sempre que isso fosse necessário para assegurar direitos e garantias fundamentais.” (Processo Penal do Espetáculo, Rubens R.R. Casara, editora Tirant, 2ª edição, Rio de Janeiro, 2018, p. 31).

Ao Direito repugna produzir um espetáculo mediante o sacrifício do réu na pira em que os direitos dele são devorados pelo fogo a pedido do “respeitável público”. Os desejos sádicos dos expectadores (ou de um veículo de comunicação) não são e não podem ser considerados mais valiosos do que as garantias processuais que asseguram o devido processo legal.
Quando o processo é transformado num espetáculo, contudo, as coisas ocorrem de maneira diferente.
“Se a audiência do espetáculo cai, e com ela o apoio popular construído em torno do caso penal, sempre é possível recorrer a pequenas mudanças no roteiro (poder-se-ia dizer: improvisações) como, por exemplo, uma prisão espetacular, uma condução coercitiva ilegal e desnecessária ou, se for o caso, de criar comoção, um ‘vazamento’ ilegal de conversas telefônicas em nome do ‘interesse público’ ou melhor, em nome do interesse do respeitável público.” (Processo Penal do Espetáculo, Rubens R.R. Casara, editora Tirant, 2ª edição, Rio de Janeiro, 2018, p. 31)
O jurista verdadeiro, seja ele professor, advogado, procurador ou juiz, deveria ficar horrorizado ao conceber e legitimar, ainda que apenas mentalmente, experimentos processuais como aqueles que foram descritos no parágrafo acima transcrito. O réu é um ser humano titular de direitos inalienáveis, não é um objeto que pode ser utilizado para incrementar a popularidade de um protagonista do processo. Afinal, como diz Rubens R.R. Casara:
“Um Estado que, para punir ilegalidades, também pratica ilegalidades, perde qualquer legitimidade democrática que se pretenda para a função de punir ilícitos.” (Processo Penal do Espetáculo, Rubens R.R. Casara, editora Tirant, 2ª edição, Rio de Janeiro, 2018, p. 21)
Ao romper as barreiras que separam a ética jurídica /judiciária da representação cênica para transformar o processo num espetáculo e elevar-se à condição de herói popular ou galã de telenovela jornalística, o procurador e/ou o juiz desviam a finalidade civilizatória do processo penal. Além de transformá-lo num instrumento de intimidação pública, humilhação televisiva e vulgarização persecutória, os rábulas diplomados reforçam no público a crença de que ao Direito repugna o respeito às garantias atribuídas a todos os cidadãos e que a finalidade do processo não é buscar da verdade e sim possibilitar a tortura psicológica do réu para entreter os espectadores.
No contexto do espetáculo transformado em processo judiciário avidamente consumido por um público leigo:
“O processo penal deixa de ser percebido como algo em-si pelo cidadão (um instrumento civilizatório que requer atenção, esforço, concentração e compreensão), para ser tratado como um objeto que só deve ser apreciado se for favorável ao consumidor, se produzir os efeitos que dele se espera, as expectativas que o espectador foi levado a construir. Com isso, o processo penal distancia-se mais da facticidade. O espetáculo substitui o esforço para a compreensão e o encontro com o outro por um produto pronto e acabado. Tem-se, então, uma regressão civilizatória, na medida em que o processo penal passa a prescindir de conceitos, de estudo e de limites civilizatórios.” (Processo Penal do Espetáculo, Rubens R.R. Casara, editora Tirant, 2ª edição, Rio de Janeiro, 2018, p. 39)
Ao interrogar o réu, colher provas e proferir uma decisão juridicamente plausível que enseje tanto a aplicação rigorosa da Lei ao caso concreto quanto o respeito à verdade factual que emana dos autos, o juiz não pode (na verdade ele não deve) pensar no que a plateia está esperando. O espectador não é parte do processo. Além disso, não interessa à sociedade como um todo o rompimento daquela tessitura ético-processual urdida ao longo dos séculos que garante que o poder será exercido de maneira legítima e dentro dos limites fixados pela legislação.
“Nas democracias constitucionais, marcadas por limites rígidos ao exercício do poder, a ‘voz das ruas’, a ‘opinião pública’ e as ‘maiorias de ocasião’ não são suficientes para afastar os direitos e garantias fundamentais de qualquer pessoa concreta, culpado ou inocente, amado ou odiado. Em outras palavras, na democracia constitucional o princípio da maioria (ou a percepção do juiz acerca da ‘voz das ruas’ ou do ‘clamor popular’) não se sobrepõe à normatividade extraída da Constituição da República, dos tratados e das convenções internacionais que reconhecem os direitos humanos.” (Processo Penal do Espetáculo, Rubens R.R. Casara, editora Tirant, 2ª edição, Rio de Janeiro, 2018, p. 52/53).
Resolvi me debruçar hoje sobre esse livro de Rubens RR Casara por uma razão absolutamente simples. Em alguns dias o STF terá a oportunidade de julgar se é válida ou não a prisão injusta e o processo espetacular conduzido de maneira ilegal por Sérgio Moro para destruir eleitoralmente e humilhar publicamente Lula. O paciente do HC é um ser humano. No banco dos réus estarão tanto o Poder Judiciário quanto o juiz que atuava como se fosse um plenipotenciário com poderes políticos extralegais que se beneficiou de seus atos ao se transformar em Ministro da Justiça.
Os dados serão jogados uma vez mais. Se Sérgio Moro for severamente repreendido e Lula ganhar a liberdade começaremos a retornar à normalidade jurídica. Caso contrário o Estado de exceção será uma vez mais reforçado mediante a preservação dos efeitos políticos e pedagógicos deletérios de uma fraude processual penal evidente “com o Supremo com tudo”.
Quando os ministros do STF se debruçarem sobre o HC de Lula saberemos quais dentre eles são “juristas verdadeiros” e quais estão dispostos a se rebaixar à condição de “animadores da plateia sedenta de sangue” que foi e continua sendo instigada pelos barões da mídia que odeiam o PT (e lucram transformando Lula num objeto indigno de ser julgado de maneira imparcial num processo penal conduzido dentro dos limites da legislação brasileira).  -  (Aqui).

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