segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

UM POUCO DE HISTÓRIA: ANTONIO SEIXAS, O SCHINDLER PORTUGUÊS


O Schindler português

Por Jota A. Botelho

A história do militar português que salvou mais de mil refugiados espanhóis do franquismo. Ficou reconhecido como o 'Schindler de Raia' perante a ferocidade do regime espanhol contra todos os que o confrontassem; muitos (pelo menos oito mil) tentaram a saída pelas fronteiras com Portugal. A maioria fugiu para a morte. Mas alguns se salvaram graças à desobediência do Tenente Antonio Augusto Seixas, da Guarda Fiscal portuguesa.

Em 1936, o guarda fiscal, especialista em conflitos aduaneiros, não permitiu que vários grupos de espanhóis, num total de 1020, fossem devolvidos à Espanha, onde seriam fuzilados pelos responsáveis do golpe que viria a instaurar uma ditadura na Espanha. O governo português ordena que não se deixem passar mais refugiados, mas a nove de outubro de 1936, Antonio Augusto Seixas, comandante da Guarda Fiscal de Safara, decide não cumprir as ordens. Com a ajuda da população mais próxima, improvisa campos de refugiados na localidade de Barrancos, sem dar conhecimento às autoridades. O caso, considerado durante alguns anos inédito desde a Guerra Civil Espanhola, foi recordado quando passaram, atualmente, mais de 80 anos do ato heroico do português. Antonio Augusto Seixas também ficou conhecido como o 'Anjo Português', construindo assim uma das mais belas páginas da história portuguesa.
Antonio Augusto de Seixas Araújo nasceu em Montalegre (1891) e faleceu em Sines (1958). Fez carreira na Guarda Fiscal, em vários locais do País, do Minho ao Alentejo, com especial destaque para Barrancos onde a sua ação humanista se encontra sobejamente documentada. Em 1936, enquanto oficial da Guarda Fiscal, agindo de acordo com a sua consciência (“eu não sou fascista e nem sou de esquerda, mas vejo o que Franco vem fazendo; é uma injustiça” – declarou o Tenente Seixas em sua defesa) contra as instruções das autoridades civis e militares portuguesas, protegeu e salvou da perseguição e do massacre das tropas franquistas, mais de mil cidadãos espanhóis que se refugiaram no território português, mais concretamente nas localidades de Russianas e Coitadinha, hoje conhecidas por "Campos de Refugiados de Barrancos".

Nos anos conturbados de 1936 a 1939 da história de Espanha, quando o regime eleito democraticamente é derrubado por militares golpistas, com apoio dos partidos de direita, durante a sangrenta guerra civil, e à medida que as tropas espanholas revoltosas da chamada Coluna da Morte de Yagüe progrediam do sul para o norte ao longo da fronteira portuguesa, as populações das localidades ocupadas procuravam refúgio em Portugal, pondo-se a salvo de sevícias e execuções.

Os primeiros refugiados que afluíram a Barrancos foram os vizinhos de Encinasola, estimados em número de quatrocentos, sendo a primeira vaga constituída principalmente por mulheres e crianças. Segundo a memória local, foram acolhidos por várias famílias barranquenhas, com as quais mantinham relações de amizade e de parentesco. Mas também interveio neste processo de hospitalidade o administrador do conselho de Barrancos, que se comprometeu junto do Governador Civil de Beja a alojar temporariamente os vizinhos de Encinasola.
A fronteira de Barrancos era vigiada desde agosto de 1936 por militares do Regimento da 17ª Infantaria de Beja, por forças da Guarda Nacional Republicana, por uma Brigada Móvel da (P.V.D.E) e por militares da Guarda Fiscal. O responsável pelo comando técnico das operações no terreno era o tenente Antonio Augusto de Seixas, comandante do Destacamento Fiscal de Safara. Esta responsabilidade comprova o poder da Guarda Fiscal na fronteira, apesar de contestado por outras organizações militares destacadas para esta "missão".

Perseguições de toda ordem desenrolavam-se na zona fronteiriça. Muitos eram mortos antes de passar a fronteira, outros eram detidos pelas autoridades portugueses e deportados para os seus adversários, devido à colaboração do governo de Salazar com os insurretos fascistas.

Neste contexto, a ação do Tenente Seixas evitou, em 1936, o massacre de mais de 1000 refugiados espanhóis pelas mãos dos seus perseguidores, ou destes em conluio com alguns militares portugueses, tendo organizado, mantido e ocultado um campo de refugiados com centenas de pessoas no lugar da Choça do Sardinheiro nas Russianas e mais de 600 pessoas no Resvaloso, na localidade da Coitadinha, ambas no município de Barrancos, evitando também que várias pessoas constantes de "listas negras", políticos e intelectuais republicanos espanhóis, fossem encaminhados para Badajoz, onde seriam fuzilados.

O Tenente Seixas da Guarda Fiscal era comandante dessa região de fronteira e as suas decisões de tolerância e humanidade para com os refugiados desagradavam aos comandos militares destacados para a zona e à polícia política PVDE/PIDE.

Em Outubro de 1936, depois de negociações com o governo republicano de Madrid, Salazar autorizou a repatriamento dos refugiados de Barrancos para a zona republicana da Espanha, em Tarragona, Catalunha. Durante o embarque no navio Nyassa, em Lisboa, descobriu-se que o número de refugiados de Barrancos, transportados em caminhões até Moura e dali em comboio até à capital portuguesa, era superior a 1020 pessoas ao inicialmente declarado de 616 refugiados. A atitude de rebeldia do Tenente Seixas, de proteger e acolher mais refugiados em Russianas e Coitadinha levou o governo português a acusa-lo de traição, tendo-o punido com prisão de 60 dias no Forte da Graça, em Elvas, e à posterior suspensão das suas funções, com transferência compulsiva para Sines, onde terminou a sua carreira.
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