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Sebastião Nunes, autor da série, é natural de Bocaiuva, MG, escritor, editor, artista gráfico e poeta. É também titular de um blog no Portal Luis Nassif OnLine.
O país dos canalhas - Capítulo VIII - Amnércio Neves, o grande traidor
Por Sebastião Nunes
Nas sombras, Ednardo Cunha continuava a encenação. Nas cadeiras da frente Miguel Temeroso, Joseph Serrote, Amnércio Naves, Sérgio Cobreiro e Gilmárcio Mendelson faziam feder o cenário. Havia canalhas de todos os gêneros: deputados, senadores, ministros, magistrados e empresários.
Ednardo Cunha descerrou uma cortina atrás dele e surgiu uma figura de preto, com capuz preto e vestimenta preta:
– Este é nosso carrasco principal. Chama-se Sérgio Moroso, que só é moroso quando quer. Especialista em tortura mental, formou-se nos porões da CIA, embora para todos os efeitos seja jurista doutorado em... em... em... Deixa pra lá, esqueci.
O carrasco curvou-se diante da plateia.
A plateia aplaudiu. Alguns sapatearam e outros urraram. Era um circo.
Ednardo Cunha pediu silêncio.
HABILIDADES MIL
– Este homem é uma sumidade – perorou Cunha. – Conhece todos os segredos da tortura, todos os instrumentos e todas as técnicas. Apesar de conhecer todas, elegeu uma entre todas: a tortura pelo encarceramento. Manda prender e não solta. Interroga e não solta. Condena e volta a interrogar. Sugere aos presos que se tornem Judas através da delação premiada. Os inquisidores medievais, caso voltassem, aprenderiam muito com ele, mestre supremo na arte da tortura mental.
Eu, Philip Marlowe, puta velha, acostumado à violenta criminalidade ianque, estava estarrecido, terrificado, embasbacado. Mal podia acreditar que, num país como o Brasil, a tortura, a delação e a farsa chegassem a tal ponto.
– E tem mais – continuou Ednardo. – Usando a mídia, fez tal publicidade de sua técnica e de suas habilidades que arregimentou uma multidão de seguidores, entre os mais radicais direitistas e entre os juristas mais direitistas. A direita está toda com ele, urrando, berrando, ululando, babando.
AMNÉRCIO METE O BICO
– Protesto veementemente! – ergueu o dedo Amnércio Naves, o rosto vermelho de ódio, espumando como cachorro doido. – Concordo que Moroso tem sua posição de brilho entre os grandes canalhas nacionais. Mas quem começou toda a baderna? Quem?
Fez uma pausa, olhou para a direita, olhou para a esquerda, espumou mais um pouco, os olhos se encheram de sangue – pareciam olhos do demônio.
Eu, Marlowe, o bravo detetive, só assuntando, sem coragem de meter o bico.
– Esqueceram-se de mim – e Amnércio esmurrou a mesa. – Esqueceram quem começou tudo, botou lenha e gasolina na fogueira, logo depois das eleições perdidas. Se não fosse eu, nada disso estaria acontecendo. Nada!
E esmurrou de novo a mesa, furioso.
DOIS RETRATOS NA PAREDE
Joseph Serrote ergueu-se devagar por causa do reumatismo, com aquele sorriso cínico que todos conhecemos. E disse:
– Ora, meu caro Amnércio, ninguém te esqueceu – disse voltado para a plateia. – Você é o maior de todos. Ou melhor: você é um dos dois melhores.
Fez uma pausa – como essa gente adora pausa – e virou-se para Gilmárcio:
– Meu caro ministro: quer fazer o favor de descerrar a placa?
Lentamente, por causa da barriga que o incomodava, e do risco de soltar flatos altos, que o incomodava ainda mais, lentamente, repito, ergueu-se Gilmárcio Mendes e se aproximou de uma parede lateral, coberta com uma ampla cortina preta.
Fez outra pausa, olhou para a plateia, emitiu com os beiços grossos aquele sorriso nojento que todos conhecemos, e, ainda lentamente, descerrou a cortina.
Foi então que – maravilha das maravilhas! – apareceram lado a lado dois retratos magníficos, ampliados, a cores, brilhantes, coruscantes:
O de Joaquim Silvério dos Reis e o de Amnércio Naves, eleitos por unanimidade pela direita unida, que dificilmente será vencida, os dois maiores traidores, os dois maiores canalhas que já viram a luz neste país infestado de canalhas.
Amnércio Naves riu amarelo, pela lembrança de velhos, amargos e duros tempos.
A plateia aplaudiu até fazer calo na palma das mãos.
Eu, Philip Marlowe, detetive porreta, fiquei de boca aberta, aterrorizado. - (Aqui).
(Continua)
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