terça-feira, 30 de janeiro de 2018

CASTAS POR NATUREZA DE OCUPAÇÃO

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Uma avaliação da desigualdade social brasileira sob o ponto de vista da apropriação de renda e riqueza pelas castas.


Castas por natureza de ocupação

Por Fernando Nogueira da Costa

A abordagem sociológica conjunta marxista-weberiana se preocupa demais com as estruturas e as organizações sociais e tem pouco a dizer sobre a cultura e a experiência subjetiva. Se quisermos entender o Poder, precisamos compreender de que modo os membros das redes de Poder pensam e agem. Além disso, necessitamos saber por que seus valores podem ter uma atração mais ampla, para além do seu próprio grupo, obtendo o predomínio cultural que Antônio Gramsci chamou de hegemonia.

Não é apenas o poder político e econômico dos mercadores que explica a influência da Economia de Livre Mercado, desde os anos 1970, quando houve o fim do Acordo de Bretton Woods e o regime de câmbio tornou-se flexível ou flutuante. Nos anos 1980, Margareth Thatcher na Inglaterra e Ronald Reagan desregulamentaram e flexibilizaram o mercado de trabalho para elevação da exploração e o mercado financeiro para empresários produtivos se transformarem em acionistas e/ou investidores financeiros.

Pressionando as instituições financeiras multilaterais para elas trocarem renegociação das dívidas externas por adoção do credo neoliberal com privatização e desnacionalização do patrimônio público, a casta dos mercadores conseguiu mais do que esperava. Com a abertura financeira e comercial para o exterior as firmas familiares não aguentaram a competição e acabaram por “entregar os anéis para não perderem os dedos”. Daí os patriarcas fundadores das firmas familiares as venderam para estrangeiros, quando não abriram capital, transformando-as em sociedades anônimas sob gestão profissional. Deixaram para seus herdeiros uma riqueza líquida.

A opção por diversificação em outras áreas de negócios levaria a “espalhar dinheiro” e à consequente redução de rentabilidade. Melhor alternativa microeconômica foi a emissão de títulos de dívida direta junto a investidores para obter ganho de escala. Essa alavancagem financeira propiciou elevação da rentabilidade patrimonial. Os credores securitizaram os empréstimos sob forma de títulos lastreados em dívida privada, vendidos aos investidores. Estes impuseram nova gestão profissional às empresas antes “dirigidas de forma amadora” com corte de gastos dispersivos, embora oferecessem empregos, para posterior venda com ganhos de capital. Os gerentes viraram “sócios” dos acionistas em troca de bônus e “stock options”. Criou-se a sociedade de executivos e agravou-se a concentração de riqueza!

Só falta agora “combinar com os russos”... Falta a capacidade da casta dos mercadores rentistas convencer às elites intelectuais e aos eleitorados populares, em sociedades democráticas, de que essa visão de mundo neoliberal é correta e necessária ao longo do tempo futuro, tipo “tem que manter isso, viu?” É para captar esse aspecto cultural e subjetivo das redes de poder que uso o termo casta.

Essa categoria casta, relacionada à natureza ocupacional, é mais abrangente do que classe de renda ou riqueza, embora não seja excludente, mas complementar a esta. 
Incorpora vários tipos de grupos, desde burocratas, militares e sacerdotes até capitalistas e trabalhadores. Mais importante: além de considerar os interesses econômicos, inclui uma perspectiva cultural e um posicionamento político-ideológico.

As castas são compostas por membros de diversas redes e instituições de poder, cada qual apresentando sua própria cultura e adotando determinado estilo de vida. Elas tendem a dar a seus integrantes certas atitudes em relação à autoridade, à organização e à ação coletiva.
Adoto a visão de sistema complexo emergente das interações entre seus diversos componentes sociais, afastando-me do simplório modelo dicotômico do “nós” (pobres) contra “eles” (ricos). Reconheço que “classes” são também uma construção cultural, mas em geral não se destaca esse aspecto extra econômico.

Nossas ocupações se relacionam com nossos valores. A profissão e a experiência no ambiente de trabalho com colegas corporativos são fundamentais para a formação das atitudes políticas. Não há, entretanto, uma correlação direta entre os valores e a posição na estrutura do poder político ou econômico. Outros atributos da pessoa – ambiente familiar e educacional, nível de escolaridade, faixa etária, opção sexual, ateísmo ou religiosidade, etc. – também importam para o posicionamento ideológico.

Evitando o “economicismo” rasteiro, isto é, a hipótese de que a economia determina diretamente a política, analiso a desigualdade social brasileira sob o ponto de vista da apropriação de renda e riqueza pelas castas. Para isso, uso como fonte de dados os Grandes Números DIRPF 2017 Ano Calendário 2016, recentemente publicados pela Receita Federal. A tabela abaixo oferece um Resumo das Declarações por Natureza de Ocupação reclassificadas por mim sob forma de castas.


Classifico como “casta dos inativos” 20% dos 28 milhões declarantes, ou seja, considero “pária” a pessoa física residente no Brasil que, em 2016, recebeu rendimentos tributáveis cuja soma foi inferior a R$ 28.559,70 – equivalente a R$ 2.380,00 mensais. A população ocupada no Brasil, formal ou informal, atinge cerca de 91 milhões de pessoas, ou seja, essas castas compõem cerca de 30% dela. Este percentual inclui a “casta dos inativos” -- aposentados, reformados, bolsistas, etc. – que não é parte nem da PIA – População em Idade Ativa, nem da PEA – População Economicamente Ativa.

Desconsiderando o fenômeno da “pejotização”, isto é, CPFs que têm de virar CNPJs para serem contratados por empresas que não desejam pagar todos os encargos trabalhistas, arbitro que a “casta dos mercadores” representa outro 1/5 dos declarantes. A “casta dos trabalhadores” quase atinge 1/3, somando 32%. Nessa primeira aproximação mais ligeira – em outro post apresentarei uma classificação das 131 ocupações principais discriminadas nas DIRPF nas castas básicas –, a “casta dos governantes”, onde misturam todos os “servidores públicos”, inclusive mandatários de cargos políticos não concursados, alcança 17%. Completam os declarantes por Natureza de Ocupação 2,4% da “casta dos guerreiros militares” e 7,8% da “casta dos sábios profissionais liberais ou autônomos” sem vínculo de emprego.

Nessa primeira “mistura” já dá para perceber que os 20,7% declarantes “mercadores” recebem 27,2% dos rendimentos totais e os 31,7% trabalhadores, 26,4% desses rendimentos. Governantes recebem um ponto percentual a mais de uma distribuição igualitária (17,2% contra 18,2%), guerreiros-militares 0,2% a menos. “Ninguém é besta de os expropriar”. Os profissionais liberais e autônomos recebem quase um ponto percentual a menos do que sua participação em quantidade de declarantes (7,8% contra 6,7%). Em outros termos, a velha luta de classes entre capital e trabalho fica nítida.

Nessa agregação, desconsiderando a tradicional exploração da força do trabalho, a distribuição não parece ser tão injusta. Mas quando se desce ao nível de cada ocupação, comparando o rendimento per capita anual de cada casta em percentual do rendimento total do capitalista que auferiu rendimentos de capital, inclusive aluguéis, o quadro da estratificação social fica mais transparente. A “casta dos inativos” recebe o equivalente a 40% do que os capitalistas ganham, a casta dos trabalhadores, 35%, dos governantes, 44%, dos guerreiros-militares, 38%, dos sábios profissionais liberais, 37%. Os microempreendedores individuais (MEI), simulacros de capitalistas, apenas 12,4%!
Na última coluna da tabela acima apresento o rendimento per capita mensal. Somente se aproximam da média de R$ 19.500 mensais dos 150 mil capitalistas os 1,4 milhão de membros ou servidores públicos da administração direta federal – devem estar aí desde os sábios-tecnocratas, inclusive os do Poder Judiciário, até os oligarcas das dinastias regionais ocupantes de cargos políticos – com uma média mensal de R$ 15.500. Tirando os empregados de empresas públicas (R$ 12.800), todos as demais ocupações recebem pouco mais da metade daquele valor para baixo.

Na tabela em seguida calculei os percentuais dos rendimentos tributáveis (59% do total), os isentos e não-tributáveis (31%) e os tributáveis exclusivamente ou definitiva na fonte (10%). Nestes últimos, o 13o. salário representa 31%, os rendimentos de aplicações financeiras 28%, ganho de capital na alienação de bens ou direitos 14% e participação nos lucros ou resultados 10%, ou seja, todo o restante 17%. Desconsiderando a isenção fiscal dos rendimentos da “casta dos inativos”, observa-se que os capitalistas e os proprietários só têm, respectivamente, 30% e 35%, de rendimentos tributáveis e são privilegiados com 51% e 64% de rendimentos isentos. Apenas pela “pejotização”, os profissionais liberais ou autônomos têm 40% de rendimentos isentos. As ocupações das demais castas estão em patamar bastante inferior.

Observe também que classifiquei empregado de instituições financeiras públicas e privadas na “casta dos mercadores” devido a receberem, quase por “dever de ofício”, 17% de seus rendimentos de tributação exclusiva, provavelmente, rendimentos de aplicações financeiras. Por causa desse “rentismo” e a contumaz defesa dos interesses dos mercadores-rentistas, realizadas por eles, eu os coloquei nessa companhia de “gente de bem”, isto é, de bens...

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