O destino de Lula e a 'Síndrome de Brian' da esquerda
Por Wilson Ferreira
No momento que o destino de Lula era selado pelo TRF-4, sincronismos e coincidências cercavam o evento: o “Dia D” da vacinação contra a febre amarela, o “beijo incestuoso” do BBB da Globo e o estranho jornalismo paranormal da grande mídia, capaz de antecipar resultados de votação (assim como a Globo “previu” o sorteio do mando de campo da final da Copa do Brasil em 2016) e detalhes da prisão de Lula. Enquanto isso, embargos declaratórios, infringentes e recursos povoam as estratégias da executiva do PT, que vive uma crônica “Síndrome de Brian” – relativo ao filme “A Vida de Brian” (1979) da trupe inglesa de humor Monty Python: a estratégia paralisante da “Frente Popular da Judeia” contra o imperialismo romano, mais preocupada em fazer propaganda auto-indulgente do que em enfrentar o oponente em seu próprio território: a psicologia de massas. Por incrível que pareça, Kim Kataguiri e a cena em que o porta-voz da indústria de tabaco, Nick Naylor, convence seu filho de que o sorvete de baunilha é melhor que o de chocolate no filme “Obrigado Por Fumar”(2005) têm mais lições a ensinar do que o discurso sobre “resistência”, “indignação” e “esperança” da esquerda. E parece que a filósofa Marcia Tiburi foi a primeira a perceber a armadilha na qual a esquerda está metida. Pauta sugerida pelo nosso leitor José Carlos Lima.
Tudo começou no final de 2017: parques na Zona Norte de São Paulo sendo fechados, notícias de macacos mortos, alguns com febre amarela silvestre diagnosticada. E a grande mídia divulgando notícias fragmentadas de reforços dos estoques de vacina pelo Ministério da Saúde, induzindo a população a confundir febre amarela silvestre com urbana.
As primeiras filas, com três horas de duração, começam a ser registradas nas UBS. Preciso ou não me vacinar? Era a pergunta, respondida de forma reticente e contraditória nas entrevistas em telejornais.
O ano começa com a polêmica entre dose padrão e fracionada da vacina, enquanto filas aumentam exponencialmente. E os telejornais parecem morder e soprar ao mesmo tempo: divulgam de forma sensacionalista números (confundindo casos suspeitos e confirmações), enquanto por outro lado tentam “acalmar”, afirmando que dependendo do bairro ou Estado não seria necessária a vacinação.
Como em política não há coincidências, mas sincronismos, o início da campanha da vacinação com dose fracionada em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais começou exatamente no day after da unânime condenação de Lula em julgamento de segunda instância pelo TRF-4 em Porto Alegre. E com toda a pompa retórica: “Dia D da vacinação”, “Mega Campanha” etc.
E aumenta show de desinformação e boatos: é necessário agendar? Basta se dirigir ao posto de saúde? Tem que esperar em casa a agente de saúde trazer a senha? A dose fracionada adianta?
Sincronismo que acerta em cheio na psicologia das massas: notícias, sejam falsas ou verdadeiras que envolvam dinheiro ou saúde, provocam a corrida imediata da pessoas a pontos como bancos ou postos de saúde. Muito mais do que qualquer sentimento de indignação contra injustiças, sejam sociais ou políticas.
Aliás, se não for proposital, é no mínimo conveniente: quanto mais dura se torna a vida cotidiana, maior o alheamento e apatia dos cidadãos em relação à Política. Resta pouco tempo para pensar em outra coisa, a não ser na própria sobrevivência.
O beijo incestuoso
Porém, o dia da condenação e do aumento da pena de Lula guardaria outro sincronismo: enquanto os movimentos sociais queimavam pneus nas ruas de Porto Alegre e Lula discursava na Praça da República em São Paulo, a Família Lima era chamada pela produção do “Big Brother Brasil 18” para o segundo andar da casa cenográfica do reality show. Câmeras e som foram desligados.
Mais tarde, ao vivo, o apresentador Tiago Leifert conversou com o clã Lima sobre a polêmica dos “selinhos” longos do pai com a filha – reflexo da polêmicas nas redes sociais: demonstração incestuosa de carinho? Um pai pervertido em rede nacional? Ou não tem nada de mais e tudo nada é do que fruto da imaginação pervertida de telespectadores?
É claro que nesse momento um interlocutor de esquerda bem pensante vai disparar: “eu não assisto essa porcaria!... quem ainda assiste o BBB da Globo?”.
Certamente mais gente do que a esquerda imagina, mas isso é o ponto menos relevante. O mais importante, e eficiente em termos de estratégia midiática, é o efeito residual decisivo no mesmo dia de um evento político que estarreceu jornalistas e observadores jurídicos internacionais. É o chamado efeito de “agendamento” – como o tema repercute, tornando-se pauta em redes sociais e conversas interpessoais, mesmo entre aqueles que não acompanham o reality show.
Por exemplo, hashtag #ForaFamiliaLima despontou entre os primeiro strend topics enquanto nas conversas presenciais o tema foi tratado entre o moralismo e a galhofa.
O Jornalismo Paranormal
Depois dos sincronismos vêm as coincidências. O telejornalismo da grande mídia parece cada vez mais propenso a “gafes” e “atos falhos”. Ou a alguma espécie de “Jornalismo Paranornal” – “Para-jornalismo”.
Em 2016, com 24 horas de antecedência, o telejornal Hora 1, apresentado por Monalisa Perroni, antecipou o resultado do sorteio da ordem dos mandos das partidas da final da Copa do Brasil entre Atlético e Grêmio. O sorteio seria realizado na sexta-feira na sede da CBF. Mas na quinta, às 5h55 no Hora 1, Perrone já anunciava: “Estão definidas aí as datas das finais. A primeira partida vai ser em Belo Horizonte, dia 23, e no dia 30 o jogo decisivo em Porto Alegre...”.
Na sexta, o resultado do sorteio na sede da CBF confirmaria a “previsão” do Hora 1.
Ato falho de uma emissora que é a dona do próprio evento que transmite? Sorteio de cartas marcadas de acordo com as necessidades logísticas e mercadológicas da Globo?
Pois não é que, mais uma vez, a grande mídia comprova o seu talento ao Para-jornalismo? Dessa vez foi com o canal fechado Band News, pertencente a um grupo cada vez mais dependente das verbas publicitárias do governo do desinterino Temer.
O julgamento do TRF-4 ainda estava nas fases preliminares e ainda nem havia iniciado a leitura do primeiro voto. De repente, a imagem da transmissão ao vivo do julgamento estampou por alguns segundos a legenda: “ex-presidente Lula é condenado por unanimidade pelos desembargadores do TRF-4 de Porto Alegre”.
A emissora alegou “falha técnica”. Mas lembrou aquele “erro” conveniente na conta do restaurante: sempre se “erra” para cima. Uma coincidência bem significativa num contexto no qual, assim como a Globo dona da Copa do Brasil, as relações da grande mídia com o Judiciário na atual estratégia Lawfare são bem, digamos, promíscuas.
E o jornalismo da Band continuou com seu Para-Jornalismo: no dia seguinte, dessa vez na TV aberta, o Jornal da Band já discutia os detalhes da prisão de Lula, afirmando que seria “melhor para todas as partes” se Lula espontaneamente se entregasse à PF...
A Síndrome de Brian e o psiquismo da esquerda
Como poderia uma emissora antecipar o resultado? Diante disso, estoicamente a executiva nacional do PT pensa em utilizar as imagens numa representação na justiça alegando que tudo foi uma fraude. Assim como, de forma republicana, os advogados já entregaram o passaporte de Lula à justiça.
Diante de todos esses eventos que, mais uma vez, comprovam a inacreditável fragilidade diante das implacáveis bombas semióticas (a faceta mais visível da Guerra Híbrida) fica evidente a “Síndrome de Brian” que parece estruturar o psiquismo da esquerda.
Principalmente os fãs da trupe inglesa de humor Monty Python devem lembrar do filme A Vida de Brian (1979) onde o pobre protagonista (confundido com Jesus) vive às voltas com a “Frente Popular da Judéia” que pretende livrar o povo do imperialismo romano, mas tudo o que faz é tentar elevar a moral da própria tropa com incansáveis e burocráticas auto-avaliações e planos que jamais saem do papel – ironicamente parecem não querer o poder porque não saberiam o que fazer se chegassem lá...
Ao mesmo tempo em que a grande mídia atinge em cheio o coração das massas levando pânico e furor moralista com informações desencontradas da febre amarela e a “D.R.” de Leifert com a família Lima no mesmo dia em que Lula ficou mais perto da prisão (enquanto o telejornalismo pratica a sua insólita paranormalidade), a esquerda continua exercendo o discurso voltado para si mesma, para elevar a moral da própria tropa com “trancaços” e discursos sobre “resistência”, “indignação” e “esperança”.
Para quem o PT e a esquerda falam: para eles ou para as massas? |
Enquanto os detalhes técnico-judiciais foram mandados às favas pelos desembargadores do TRF-4 (“se está respondendo por crime, alguma coisa errada ele fez”, foi a surreal justificativa do desembargador Victor Laus) e o Estado de Direito é explicitamente posto de lado, os advogados continuam a luta quixotesca com embargos declaratórios, embargos infringentes, recursos no TSE...
Lembrando mais uma cena da A Vida de Brian onde vemos um dos bravos militantes da Frente Popular da Judeia deixando-se ser preso por um soldado romano para gritar: “VEJAM! VEJAM! Mais um ato violento do imperialismo romano...”, numa espécie de propaganda auto-indulgente.
O PT parece não querer falar mais para as massas, mas para suas tropas, a imprensa e observadores internacionais.
A esquerda tem que aprender com Kim Kataguiri
Com isso perde de goleada o jogo da comunicação com a grande mídia. Por que esquece de uma simples lição de engenharia de opinião pública exemplificada por outro filme que deveria compor a filmografia básica de todo militante político: Obrigado Por Fumar (2005). Nele vemos uma sequência em que o porta-voz da indústria do tabaco, Nick Naylor, dá uma pequena aula de relações públicas para o seu filho Joey.
Sentados no quiosque em um movimentado calçadão conversam: “Convença-me de que o melhor sorvete é o de chocolate”, desafia Nick. “Eu acho que é o de baunilha!”, completa. “Mas você não me convenceu!”, reage Joey. “É por que eu não estou falando com você, estou falando com eles...”, diz Nick apontando para as pessoas ao redor.
Filme "Obrigado Por Fumar": "eu não estão falando com você, estou falando com eles..." |
O PT e as esquerdas comportam-se como Joey: tentam convencer o seu interlocutor dentro de um jogo político cujas regras já foram suspensas há muito tempo. Enquanto seu oponente não se dirige mais para eles, mas para as massas sempre situadas entre o pânico e a indiferença.
Talvez a filósofa Marcia Tiburi tenha sido, finalmente, a primeira a compreender essa armadilha na qual a esquerda está prisioneira. Em uma entrevista à Rádio Guaíba, ao saber que o outro convidado era um dos líderes do MBL, Kim Kataguiri, abandonou o estúdio. “Não falo com pessoas indecentes e perigosas”, protestou.
Claro: assim como Nick Naylor, Kim Kataguiri jamais dialoga com o oponente. Apenas provoca para criar situações. Seu verdadeiro público alvo são aqueles anônimos que passam no calçadão, tal como no filme.
Se o PT e as esquerdas saíssem do tautismo (tautologia + autismo) auto-indulgente deixariam o reboque da pauta da grande mídia (o mesmo reboque que fez o PT, PCdoB, PSOL apoiarem a Lei Ficha Limpa, seguindo o moralismo midiático, a mesma lei que vai defenestrar Lula) e lutariam no mesmo campo da Guerra Híbrida: o pânico e indiferença das massas – aquela multidão do calçadão, alheia ao debate sobre qual o melhor sabor de sorvete.
Desobediência civil, mobilização permanente, estratégia de empate (não deixar o vitorioso governar) e guerrilha semiótica contra a grande mídia (trolagens, pegadinhas etc.) seriam a virada de jogo. Assim como faz de forma natural o indefectível Kim Kataguiri (ele parece que nasceu para isso...), não mais tentar convencer o interlocutor, mas agora voltar-se diretamente para o coração das massas.
A esquerda precisa urgentemente de algumas noções de psicologia de massas, engenharia de opinião pública e despender algumas horas assistindo a uma filmografia básica composta por alguns clássicos e a atual safra dos cínicos filmes indie norte-americanos. - (Fonte: Cinegnose - AQUI).
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I -"tautologia" = redundância. No campo da lógica: proposição analítica que permanece sempre verdadeira, uma vez que o atributo é uma repetição do sujeito [p.ex. o sal é salgado]); II - "filmes indie" = filmes do cinema independente, produzidos por pequenas empresas, com baixo orçamento e que não conseguem entrar nos circuitos comerciais de divulgação).
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