sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

QUANDO LIBERATI VIU O FIM DO MUNDO


O dia (muito antigo) em que o fim do mundo quase acabou comigo

Por Liberati (Cartunista, cronista, pesquisador musical)

No final dos anos 50 os únicos cometas que sacudiam a terra eram os de Bill Halley com um roquenrol de salão, que na época provocava furor, era coisa de “jovens transviados” que quebravam cadeiras de cinema e entravam na rua Augusta a 120 por hora, se não me engano. Mas, no meu bairro, muito longe das boutiques da moda, correu um boato de que o mundo iria acabar naquele dia, justamente ao cair da tarde. Não me perguntem que dia era esse, que não vou lembrar. Acho que alguém se equivocou ao ouvir uma notícia no rádio de que algum asteróide iria provavelmente passar perto da terra e, como quem conta um conto aumenta um ponto, tratou de espalhar o pânico: o mundo definitivamente iria acabar. Passei o dia preocupado com a nossa extinção: então nunca mais bola de gude, pipa no ar, estilingue, filme de caubói, nunca mais raspadinha gelada, quebra-queixo???

Lembro que naquele dia que prometia ser fatítico não teve aula. Depois de um almoço em que quase não comi nada, fiquei vagando pelas matas do bairro à procura de passarinhos e munição que brotava em grandes cachos de mamona. A tarde avançava e, como sempre fazia nos dias de folga, rumei para o nosso campinho onde praticávamos um futebol que prometia ser campeão do mundo, um mundo que naquele dia iria acabar. Lá estavam as feras: Quinho, Durva, Portuguesinho, Tonho, Dirso, Nardo, Bacalhau, Macarrão e outros que, me perdoem, esqueci na poeira do tempo.

O campo, na verdade era um descampado, sem grama, numa espécie de vale de um bairro em construção. O gol não tinha travessão, só dois tocos plantados de cada lado. A bola era de "capotão". Usava-se, nessa época heróica, sebo para ajudar a conservar as costuras e esticar o seu couro: era uma pedra inflada. Jogava-se democraticamente, todos descalços. Os times eram escolhidos no par ou ímpar disputado por dois craques que eram líderes naturais, tinham adquirido uma autoridade no pé, driblando e fazendo muitos gols. Tratavam de escolher primeiro os mais hábeis; os “grossos” (que eram ruins de bola) e os menores ficavam para o final. Aí distribuiam aqueles que sobravam de forma a nenhum dos times ficar mais forte. Eu estava entre os menores, era magrinho mas enjoado, capaz de grandes jogadas e imensos vacilos.

O jogo começou, ou, melhor dizendo, uma renhida batalha do tipo “arranca toco” X "quebra dedão” teve início. Foi nesse dia que, numa dividida, Tonho quase quebrou meu pé, foi desleal. Ele era pelo menos uns 10 anos mais velho do que eu. Mas, pulando feito um Saci, fiquei até o final da partida, que aconteceu na hora do crepúsculo, quando tudo fica meio que violeta e já não se divisa mais os limites das coisas - uma quase noite quando não foi mais possível ver a bola. Nesse momento me toquei que o mundo àquela hora já devia ter acabado. Uma felicidade oceânica, daquelas que só se sente na infãncia, tomou conta de mim, que fiquei rindo à-toa apesar da dor que tomava conta do tornozelo, já que o sangue começava a esfriar.

Mais tarde percebi que o mundo na verdade chega ao seu fim todo dia, é o tal de movimento que fundiu a cuca dos gregos desde o começo da nossa vã filosofia. Da mesma forma um outro mundo nasce a todo tempo e cada segundo deve ser encarado como um milagre nessa bola azul que Gagárin teve o privilégio de ver pela primeira vez lá de cima. Lágrimas , por favor!  (Fonte: aqui).

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Dia de amargura em razão da ameaça do fim do mundo eu não tive, mas, a exemplo do Liberati, realizei "caçadas de baladeira" aos montes (e a munição eram pedrinhas, mesmo), li carradas de gibis e joguei bola em "campos" os mais inóspitos. Pertenci ao grupo dos medianos, meio lá, meio cá, e de quando em vez marcava um golzinho. Meus parceiros inesquecíveis: Luizinho, Manoel e Francisquinho (parentes entre si, conhecidos como "os magotes", craques de bola), Nazareno,   Chiquinho (meu irmão, bom pacas), Zé Maria, Zé da Nena...

A cidade: Piracuruca, Piauí.

Mas nunca nem sequer a mais remota ameaça de fim do mundo!

E até hoje trago na mente aquela notícia que ouvi no rádio: Gagárin disse "A Terra é azul".

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