terça-feira, 25 de dezembro de 2012

MEU PRESENTE DE NATAL INESQUECÍVEL


Nos últimos vinte anos - ou mais -, meu presente de Natal é sempre inesquecível: é a ceia com minha família, meu pai na liderança. Não dou chance a apelos: nada de viajar, nada de optar por outro encontro. A ceia grupal - com a louvação ao Menino, obviamente - é insubstituível. Baita presente anual.

Mas, para muitos, é como se o presente acima fosse hors concours, sendo que a lembrança de um Natal inesquecível poderia repousar em um bem material: um livro, uma bicicleta, uma novidade tecnológica. Perfeitamente lícito o entendimento, uma vez que pautado na boa fé.

Feita a observação, vejamos o artigo a seguir, de autoria de Kátia Mello, publicado no jornal Valor e que vi no blog de Ailton Medeiros:

Meu presente de Natal inesquecível

Era uma Monark roxa, sem rodinhas. Linda, a bicicleta chegou reluzente como um realizado desejo de Natal de Raul Cutait, quando tinha 8 anos. Tão querida era a magrela que se tornaria sua grande companheira durante anos. Primeiro foi preciso treinar dias seguidos, dando voltas no fundo do quintal, para depois conseguir usá-la da maneira sonhada: explorar a vizinhança, percorrer as ruas da Bela Vista, enfim ganhar o mundo num tempo em que as crianças andavam soltas e só regressavam para casa no fim da noite, sujas e cansadas. “Essa bicicleta foi a minha alforria. Ela criou em mim a sensação de ser um desbravador em busca de caminhos, estimulado pela curiosidade do desconhecido, algo que se incorporou à minha vida”, diz Cutait, cirurgião do Hospital Sírio-Libanês que já operou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, entre outros pacientes ilustres. O mais curioso, nas palavras do médico, é que seus pais não tinham a menor ideia de que esse seria o presente mais importante de sua vida.

Os estudiosos do comportamento, psicólogos, antropólogos, economistas e marqueteiros têm se debruçado no assunto para tentar explicar como esse objeto tangível está diretamente ligado às relações humanas. Os presentes servem para conquistar as pessoas, retribuir algo, pedir desculpas, demonstrar amor, amizade, estabelecer novos amigos, novas relações diplomáticas, econômicas e até vínculos religiosos. Embora não seja exatamente reveladora, a primeira conclusão unânime é que dar presentes faz bem, principalmente a quem oferece. A segunda conclusão é que uma efusão de sentimentos se manifesta na relação entre o doador e o receptor: alegria, surpresa, ansiedade, curiosidade, medo e até frustração e repulsa, quando não se é correspondido.

Os especialistas em consumo Russell W. Belk e Gregory Coon, autores de várias publicações referentes a esse tema, entre elas “Can’t Buy Me Love: Dating, Money, and Gifts” (Amor não se compra: namoro, dinheiro e presentes, em tradução livre), afirmam que sempre o receptor acaba ganhando a “essência espiritual” do doador, ou seja, um pedacinho de quem dá. Belk e Coon classificam o presente como um “objeto de amor” e não apenas um objeto material.

A psicóloga e pesquisadora Ellen J. Langer, da Universidade de Harvard, que estuda há quatro décadas o tema, vai além. Afirma que há beleza no presentear e quem o faz “se torna mais forte, mais generoso e mais atencioso em relação aos outros”. Ellen é uma das maiores conhecedoras de um fenômeno psicológico denominado “mindfulness”, espécie de estado de “plena consciência”. Ela defende o presentear como uma forma prática de apreensão da realidade. Segundo a psicóloga, quanto mais somos generosos, quanto mais nos importamos com as pessoas, mais procuramos saber sobre elas e, consequentemente, mais consciência adquirimos sobre quem são nossos amigos, nossos parentes e as pessoas com quem convivemos. “É uma oportunidade de conhecimento que não devemos desprezar.”

Apenas o fato de pensar em quem será presenteado já aciona um mecanismo cerebral de atenção, segundo a pesquisadora de Harvard. “Você começa a reparar mais na pessoa, nas roupas que ela usa, se gosta de azul ou de vermelho.” No processo de escolha, surge uma sensação de alegria interna em poder satisfazer o outro. Esse estado de alegria em agradar as pessoas proporciona melhorias na saúde, física e mental, produzindo menos ansiedade, menos depressão e melhor regulação das funções hormonais. Ao realizar uma enquete com idosos, Ellen Langer também chegou à conclusão que os que atingem maior grau de consciência sobre a importância do outro têm mais chances de uma vida longeva.

Observar o outro, notar do que ele gosta, o que o tornaria feliz, é uma ação de extrema generosidade. E, na maior parte das vezes, demonstra quanto conhecemos o presenteado, como nos relacionamos com ele, que importância ele tem em nossa vida. No gesto de doação, é possível também ampliar os horizontes de quem recebe.

O escritor Milton Hatoum se lembra com carinho do que ganhou de sua mãe no aniversário de 13 anos: a coleção de contos “Histórias da Meia-Noite”, de Machado de Assis. “Esses contos me fizeram mergulhar na literatura machadiana e foram muito importantes, porque eram diferentes de tudo o que eu já tinha lido até ali, como os livros de Euclides da Cunha.” Hatoum recorda que o conto “A Parasita Azul”, sobre um jovem chamado Camilo, muito o impressionou. Além do entretenimento de uma boa leitura, a mãe lhe proporcionou uma nova maneira de enxergar a literatura. “A linguagem de Machado exerceu um fascínio sobre mim e virei um leitor de crônicas e de contos. Talvez se tivesse começado pelos romances, não teria gostado tanto assim.” Os pais de Hatoum já morreram, mas os livros de capa azul, edição de 1958, estão guardados na casa deles em Manaus, cidade onde o escritor nasceu e foi criado. (Para continuar, clique aqui).

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