terça-feira, 6 de novembro de 2012

OLD PHOTO


O menino do Sarriá

05 de julho de 1982. José Carlos Vilella Jr., 10 anos, em foto de Reginaldo Manente, do Jornal da Tarde, de São Paulo. A foto foi batida no estádio Sarriá, em Barcelona, no dia em que a seleção brasileira de futebol foi eliminada pela da Itália do carrasco Paolo Rossi. A edição do dia 06 foi a campeã de vendas do jornal, que acaba de fechar as portas após 46 anos de circulação.

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No fim do Jornal da Tarde, menino da tragédia do Sarriá conta como foto histórica marcou sua vida

Aos 10 anos, José Carlos Vilella Jr. foi protagonista de um dos melhores momentos do jornalismo brasileiro. Aos 22, porém, já estava deixando seu pai sexagenário profundamente irritado.

Na tarde de 5 de julho de 1982, no estádio do Sarriá, em Barcelona, o garoto foi clicado pelo fotógrafo Reginaldo Manente enquanto chorava a eliminação brasileira na Copa da Espanha.

No dia seguinte, seu rosto triste estampava a capa do “Jornal da Tarde”, na edição de maior tiragem da história de um dos mais importantes jornais de São Paulo. Somente a foto, ampliada, sem texto nenhum além da data da tragédia do Sarriá. A imagem ganhou o Prêmio Esso, láurea maior entre os jornalistas do país.

A capa histórica protagonizada pelo choro de José Carlos foi o grande momento do jornalismo brasileiro, nas palavras de Ruy Mesquita, diretor do Grupo Estado, empresa que criou o “Jornal da Tarde”.

O periódico viu sua última edição circular nesta quarta-feira, depois de 46 anos. “É como se fosse a morte de um parente querido ou de um amigo”, compara Reginaldo Manente, o autor da foto.

“Era uma morte anunciada. É como se você estivesse vendo seu amigo morrendo aos poucos sem poder fazer nada”, continua Mário Marinho, ex-editor de esporte da publicação.

Doze anos depois, embarcado no sucesso involuntário do filho, José Carlos Vilella pai fez um coquetel em seu apartamento no Rio de Janeiro para recepcionar quase 30 jornalistas interessados em assistir à final da Copa de 1994 com a família. Outro jogo entre Brasil e Itália.

A pauta do dia era ver como o garoto reagiria em caso de mais uma derrota para o mesmo adversário depois de tanto tempo.

José Carlos primeiro aceitou. Na hora agá, sumiu. “Fiquei com medo de virar, de novo, a cara da derrota, o símbolo da tristeza”, afirmou o hoje advogado de 40 anos. “Pedi abrigo na casa de um amigo que meus pais não conheciam e vi a final lá”, completou.

Impacientes e frustrados, os jornalistas iniciaram uma caçada pelo bairro de São Conrado atrás de José Carlos e bateram na porta de todos os amigos lembrados pela mãe. Mas o rapaz não foi encontrado antes de Roberto Baggio isolar sua cobrança de pênalti no Rose Bowl.

“Quando ganhamos, voltei para casa e meu pai, que era muito vaidoso e tinha preparado tudo para aquele dia, ficou quase três meses sem falar comigo”, lembra o advogado, que hoje tem uma reprodução ampliada da capa histórica do JT pendurada na parede de seu escritório em Florianópolis.

A Copa do Mundo de 1982 foi a única in loco do garoto. Ele e a família foram convidados à Espanha pelo então presidente da Fifa, João Havelange. O elo entre eles era José Carlos Vilella pai, então advogado do Fluminense, conhecido no Rio de Janeiro como “Rei do Tapetão” pela capacidade de consertar os erros do tricolor nos tribunais.

“Ali do meu lado no estádio tinha um monte de gente importante do futebol. Vi uns fotógrafos, mas não conseguia parar de chorar. Minha mãe tentava me consolar, me enganar que o Brasil não tinha saído da Copa, que ainda tinha repescagem, mas eu já entendia tudo.”

A primeira pessoa que chamou a atenção do fotógrafo Reginaldo Manente segundos depois da consumação da tragédia do Sarriá foi mesmo a mãe de José Carlos. “Era uma mulher muito, muito bonita. Descobri que tinha sido miss Fluminense. Ela chorava, borrava a maquiagem e tentava retocar.”

Após 13 anos como fotógrafo do Grupo Estado e já com três Prêmios Esso na estante, Manente pulou alambrados, ultrapassou barreiras de proteção (“esbarrei no Havelange, mas nem reconheci”) e ficou a um metro e meio de mãe e filho. “Como eles estavam na parte coberta, a luz era perfeita, bem espalhada e não estourava a foto.”

Mas ele não gostou da primeira foto que fez de José Carlos. “Estava chorando demais”, lembra. Passou a clicar a mãe, se esforçando para não parecer intrometido. José Carlos não se recorda de ter visto um fotógrafo tão perto. Quando o garoto se distraiu, o fotógrafo deu o bote.

“A foto foi tirada no momento exato em que ele puxava ar para recomeçar a chorar”, diz Manente.
A um oceano de distância dali, em São Paulo, Mário Marinho, o editor do caderno de esportes do “Jornal da Tarde”, estava preocupado com a forma como noticiaria, um dia depois, a derrota da seleção que o Brasil todo já conhecia.

“Não dava para simplesmente dizer ‘a seleção perdeu para a Itália com três gols de Paolo Rossi’. A gente precisava de um diferencial”, afirma o jornalista, 30 anos depois.

O diferencial apareceu quando um aparelho ligado à linha telefônica (arqueologicamente chamado de transmissor de fotografias) apitou.

Era Manente enviando as “15 ou 20 fotos” daquela cobertura, incluindo a única de José Carlos. Depois de mandá-la à redação, o fotógrafo fez uma cópia e mostrou a Roberto Avallone e Vital Bataglia, outros jornalistas que cobriam aquela Copa do Mundo.

Ao olhar pra ela, Bataglia chorou copiosamente, incapaz de conter as lágrimas diante da contenção do garoto de dez anos. O repórter acabou ganhando de presente aquela foto, com uma dedicatória do autor.

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