terça-feira, 27 de novembro de 2012

O DRAMÁTICO DESABAFO DE DANUZA


Afinal, qual a graça de ter muito dinheiro? Quanto mais coisas se tem, mais se quer ter e os desejos e anseios vão mudando --e aumentando-- a cada dia, só que a coisa não é assim tão simples. Bom mesmo é possuir coisas exclusivas, a que só nós temos acesso; se todo mundo fosse rico, a vida seria um tédio.
 
Um homem que começa do nada, por exemplo: no início de sua vida, ter um apartamento era uma ambição quase impossível de alcançar; mas, agora, cheio de sucesso, se você falar que está pensando em comprar um com menos de 800 metros quadrados, piscina, sauna e churrasqueira, ele vai olhar para você com o maior desprezo --isso se olhar.
 
Vai longe o tempo do primeiro fusquinha comprado com o maior sacrifício; agora, se não for um importado, com televisão, bar e computador, não interessa --e só tem graça se for o único a ter o brinquedinho. Somos todos verdadeiras crianças, e só queremos ser únicos, especiais e raros; simples, não?
 
Queremos todas as brincadeirinhas eletrônicas, que acabaram de ser lançadas, mas qual a graça, se até o vizinho tiver as mesmas? O problema é: como se diferenciar do resto da humanidade, se todos têm acesso a absolutamente tudo, pagando módicas prestações mensais?
 
As viagens, por exemplo: já se foi o tempo em que ir a Paris era só para alguns; hoje, ninguém quer ouvir o relato da subida do Nilo, do passeio de balão pelo deserto ou ver as fotos da viagem --e se for o vídeo, pior ainda-- de quem foi às muralhas da China. Ir a Nova York ver os musicais da Broadway já teve sua graça, mas, por R$ 50 mensais, o porteiro do prédio também pode ir, então qual a graça?
Enfrentar 12 horas de avião para chegar a Paris, entrar nas perfumarias que dão 40% de desconto, com vendedoras falando português e onde você só encontra brasileiros --não é melhor ficar por aqui mesmo?
 
Viajar ficou banal e a pergunta é: o que se pode fazer de diferente, original, para deslumbrar os amigos e mostrar que se é um ser raro, com imaginação e criatividade, diferente do resto da humanidade?
 
Até outro dia causava um certo frisson ter um jatinho para viagens mais longas e um helicóptero para chegar a Petrópolis ou Angra sem passar pelo desconforto dos congestionamentos.
 
Mas hoje esses pequenos objetos de desejo ficaram tão banais que só podem deslumbrar uma menina modesta que ainda não passou dos 18. A não ser, talvez, que o interior do jatinho seja feito de couro de cobra --talvez.
 
É claro que ficar rico deve ser muito bom, mas algumas coisas os ricos perdem quando chegam lá. Maracanã nunca mais, Carnaval também não, e ver os fogos do dia 31 na praia de Copacabana, nem pensar. Se todos têm acesso a esses prazeres, eles passam a não ter mais graça.
 
Seguindo esse raciocínio, subir o Champs Elysées numa linda tarde de primavera, junto a milhares de turistas tendo as mesmas visões de beleza, é de uma banalidade insuportável. Não importa estar no lugar mais bonito do mundo; o que interessa é saber que só poucos, como você, podem desfrutar do mesmo encantamento.
 
Quando se chega a esse ponto, a vida fica difícil. Ir para o Caribe não dá, porque as praias estão infestadas de turistas --assim como Nova York, Londres e Paris; e como no Nordeste só tem alemães e japoneses, chega-se à conclusão de que o mundo está ficando pequeno.
 
Para os muito exigentes, passa a existir uma única solução: trancar-se em casa com um livro, uma enorme caixa de chocolates --sem medo de engordar--, o ar-condicionado ligado, a televisão desligada, e sozinha.
 
E quer saber? Se o livro for mesmo bom, não tem nada melhor na vida.

Quase nada, digamos. (Fonte: aqui).
 
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Crônica Ser especial, de Danuza Leão, recentemente publicada na Folha de S. Paulo.
 
Após a leitura desse pungente desabafo, fiquei a matutar: seria de bom tom se Natanael Jebão estivesse vivo. Explico: Natanael Jebão era um personagem do falecido jornalista e escritor Fausto Wolff. Jebão, refinadíssimo, era escancaradamente inspirado em colunistas sociais tipo Ibrahim Sued e Tavares de Miranda, que reinaram, com singular sofistificação, em priscas eras como lídimos animadores das elites quatrocentonas tupiniquins.
 
Natanael Jebão com certeza endossaria as palavras amarguradas de Danuza, e aproveitaria a oportunidade para aduzir: "É insuportável, Danuza, deparar com aeroportos superlotados, ocupados pela plebe rude e ignara, as universidades tomadas pela escória, tudo o que é de pobretão tendo acesso a bens de consumo, essas aberrações chamadas Luz para todos, Minha casa minha vida... E a tal Bolsa Família?!! Disgusting! E esse absurdo de cada vez mais a ralé ter acesso à internet, vendo o mundo em tempo real? E nós, que detínhamos o justo monopólio do conhecimento, como ficamos? Quem diria que chegaríamos a tal nível de degradação?!! Infelizmente, Danuza, já não se faz sofistificação como antigamente...".

2 comentários:

Sílvio Macêdo disse...

Grande Dodó é como disse Gore Vidal:"não basta o sucesso,é preciso que os outros fracassem".Abração!

Dodó Macedo disse...

É isso, Silvinho, Gore Vidal resumiu tudo.

Abração.