segunda-feira, 2 de abril de 2012

CONTESTAÇÃO AO COMERCIAL-DE-CAPA DA VEJA


Em meio à ebulição do escândalo Cachoeira, a revista Veja desta semana partiu para o diversionismo, elegendo como assunto de capa um tema para lá de distante do furacão. Para tanto, segundo Carlos Orsi, teve de 'forçar a barra' para justificar a atitude, amaciando o quanto possível os senões que a matéria comporta. Eis a abordagem de Orsi:

Sudário de Jesus, mortalha de Veja

Deve ser efeito da Semana Santa: Veja apareceu com uma capa dizendo que há novas provas científicas apontando para a autenticidade do Sudário de Turim. A matéria em si é uma espécie de informercial de um novo livro que está saindo por aí, pela Cia das Letras, chamado O Sinal. Em meu Livro dos Milagres, dediquei um capítulo inteiro à questão do sudário, então o tema obviamente me interessou. Existem, em resumo, quatro linhas de evidência, independentes entre si, que apontam para o fato de que o sudário é uma falsificação criada na França medieval:

1. Datação por carbono 14: três fragmentos do sudário foram submetidos a datação por radiocarbono em três diferentes laboratórios, e os resultados, publicados na revista científica Nature, convergem para uma data entre os séculos 13 e 14.

2. Exame microscópico: Walter McCrone, um dos maiores especialistas em microscopia do mundo e perito em autenticação de obras de arte, descobriu no sudário pigmentos do século 14 aplicados com uma técnica usada no século 14.

3. Evidência documental: a despeito de teses fantasiosas em contrário, os primeiros documentos a citar o sudário são, adivinhe só, do século 14. Entre eles, há o depoimento de um bispo francês que afirma ter conhecido o artista responsável pela criação do sudário.

4. Evidência estética: a imagem do sudário não representa um corpo humano real, e sim um corpo humano distorcido de acordo com as convenções da arte gótica, que floresceu (adivinhe só) no século 14. As linhas são alongadas demais, e há assimetria no comprimento dos membros. Além disso, o sudário traz a impressão da panturrilha e da sola do pé de uma das pernas de Jesus. Tente fazer isso na cama, tocar o lençol, ao mesmo tempo, com a panturrilha e a sola da pé, os dois da mesma perna. Cuidado com a cãibra. E, agora, imagine-se fazendo isso depois de morto.

Para ressuscitar (trocadilho intencional) a respeitabilidade científica -- em oposição à respeitabilidade tal como vista pelos olhos dos sindólogos, entusiastas que estão para o sudário como os ufólogos estão para óvnis -- da tese de que o sudário é verdadeiro, seria preciso, portanto, refutar, se não todos os pontos acima, ao menos a maioria deles.

Se Veja (ou suas fontes) tivesse encontrado provas capazes de eliminar pelo menos duas dessas dificuldades, o feito seria fenomenal. Assim, pela segunda vez nesta década, comprei a revista. As afirmações do texto são peremptórias: ele diz, por exemplo, que os argumentos do novo livro da Cia das Letras "põem para escanteio todos os desmentidos científicos" (já disse que a matéria toda parece um infomercial?) acerca do sudário. Audaciosa proclamação! Pena que não há nada, ali, para sustentá-la.

É irônico, entre outras coisas, que a matéria comece citando o trecho do Evangelho de João onde se descreve que Jesus foi sepultado com lençóis (note o plural) de linho, incluindo uma faixa em separado para a cabeça. Claro que, se essa descrição é correta, o sudário, uma imagem ininterrupta do corpo inteiro (cabeça inclusa) num pano só, não pode ser verdadeiro.

Para ser justo, há um infográfico na matéria que tenta conciliar o sudário de peça-única à menção dos "panos" e da faixa da cabeça, mas com sucesso um tanto quanto discutível.

Das quatro linhas de evidência que apontam para o sudário como uma falsa relíquia, Veja se dirige a apenas uma: a datação de carbono 14. Um dos argumentos levantados é o do pólen -- de que teriam sido encontradas, no tecido do sudário, amostras de pólen de plantas típicas da Palestina. Veja cita pólen identificado em 2001, aparentemente se referindo a uma nova análise das amostras obtidas por Max Frei, vários anos antes.

O que é engraçado, porque Frei morreu em 1983 com a reputação em frangalhos, depois de ter autenticado os infames (e decididamente falsos) "Diários de Hitler". Análises posteriores mostraram que Frei provavelmente contaminara suas amostras com pólen palestino deliberadamente, a fim de criar uma "prova" a favor do sudário. Então, o fato de estudos posteriores de seu material confirmarem o pólen não prova nada, já que foi Frei quem, provavelmente, colocou-o lá, para começo de conversa.

(Para continuar, clique aqui).

Nenhum comentário: