"Cabeça de Nêgo" tem uma alma insurgente num 'corpo' frágil que sofre para sustentar um discurso marcado pelo didatismo
Por Carlos Alberto Mattos
Saulo Chuvisco, personagem central de Cabeça de Nêgo, é um garoto preto fascinado por Angela Davis e especialmente por Fred Hampton, líder dos Panteras Negras. Ele ainda não conhece bem suas histórias, mas parece imbuído do seu espírito quando a direção da escola ameaça expulsá-lo. Acusam-no de ser agressivo ao reagir aos ataques racistas que costuma sofrer. Saulo, então, decide não sair mais do recinto escolar. Mais que isso, começa a denunciar nas redes sociais o mau estado das instalações, os livros didáticos não distribuídos e as péssimas condições sanitárias. Parte dos alunos se mobiliza e organiza uma ocupação da escola.
Essa produção cearense de 2019, primeiro longa de ficção do diretor Déo Cardoso, se filia a uma tradição de revolta estudantil que vem de Jean Vigo com seu pioneiro Zero de Conduta (1933) e chega a títulos brasileiros recentes como Espero Tua (Re)Volta e Escolas em Luta, sobre o movimento das ocupações. Com a diferença de que temos aqui um protagonista individual que imanta a reação coletiva. Saulo (Lucas Limeira) tem tratamento de herói, baseado em determinação, resistência e serenidade. Além disso, carrega o luto de um irmão morto em circunstâncias não muito claras.
Num dado momento, o filme projeta sobre ele imagens de grandes líderes negros mundiais, forçando uma identificação bastante arbitrária. Na verdade, todas as referências míticas das lutas negras são colocadas de maneira expositiva e ingênua. Mas o que mais prejudica o potencial de força do filme é o tratamento muito estereotipado dos personagens e de suas posições no tabuleiro.
O diretor da escola, os secretários de estado e os professores brancos não reconhecem o racismo e veem em Saulo um delinquente, ficando do seu lado somente duas professoras negras. O porteiro negro é logo identificado como uma espécie de capataz a serviço da autoridade. A televisão deturpa o movimento dos estudantes e narra os fatos com viés caricato. Enfim, tudo converge para um quadro de arquétipos sem nuances.
O baixo rendimento do elenco não contribui para amenizar essas deficiências, mesmo se considerarmos que as performances buscam espelhar um certo tom adolescente. A direção de Deo Cardoso lida bem com a câmera, sobretudo em dois momentos: uma cena de indisciplina na sala de aula, quando o plano descreve sucessivos movimentos laterais bem sucedidos; e na contagiante sequência final, com o enfrentamento dos policiais e o transbordamento do ficcional para o documental.
Essa produção cearense de 2019, primeiro longa de ficção do diretor Déo Cardoso, se filia a uma tradição de revolta estudantil que vem de Jean Vigo com seu pioneiro Zero de Conduta (1933) e chega a títulos brasileiros recentes como Espero Tua (Re)Volta e Escolas em Luta, sobre o movimento das ocupações. Com a diferença de que temos aqui um protagonista individual que imanta a reação coletiva. Saulo (Lucas Limeira) tem tratamento de herói, baseado em determinação, resistência e serenidade. Além disso, carrega o luto de um irmão morto em circunstâncias não muito claras.
Num dado momento, o filme projeta sobre ele imagens de grandes líderes negros mundiais, forçando uma identificação bastante arbitrária. Na verdade, todas as referências míticas das lutas negras são colocadas de maneira expositiva e ingênua. Mas o que mais prejudica o potencial de força do filme é o tratamento muito estereotipado dos personagens e de suas posições no tabuleiro.
O diretor da escola, os secretários de estado e os professores brancos não reconhecem o racismo e veem em Saulo um delinquente, ficando do seu lado somente duas professoras negras. O porteiro negro é logo identificado como uma espécie de capataz a serviço da autoridade. A televisão deturpa o movimento dos estudantes e narra os fatos com viés caricato. Enfim, tudo converge para um quadro de arquétipos sem nuances.
O baixo rendimento do elenco não contribui para amenizar essas deficiências, mesmo se considerarmos que as performances buscam espelhar um certo tom adolescente. A direção de Deo Cardoso lida bem com a câmera, sobretudo em dois momentos: uma cena de indisciplina na sala de aula, quando o plano descreve sucessivos movimentos laterais bem sucedidos; e na contagiante sequência final, com o enfrentamento dos policiais e o transbordamento do ficcional para o documental.
Esse filme tem uma alma insurgente num "corpo" frágil que sofre para sustentar um discurso marcado pelo didatismo. - (Fonte: Boletim Carta Maior - Aqui).
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