quinta-feira, 31 de maio de 2018

O XADREZ DO GOLPE DO SÉCULO


Xadrez de como Pedro Parente prepara-se para o golpe do século

Por Luis Nassif

O presidente da Petrobras, Pedro Parente, virou o fio. E não propriamente pela política de preços com reajuste diário. Sua estratégia de esvaziamento da Petrobras se tornou muito óbvia, tornando-o vulnerável a qualquer investigação, assim que o país sair do torpor atual.
A lógica:
Passo 1 – Petrobras é uma empresa sem problemas de crédito, cujas colocações de títulos no exigente mercado norte-americano tiveram uma demanda várias vezes superior. Mesmo assim, Parente optou por vender ativos para antecipar pagamento de dívidas, comprometendo a receita futura da empresa.
Passo 2 -  Praticou uma política de preços para derivados visando viabilizar a competição dos importados, gerando uma capacidade ociosa de 25% nas refinarias próprias. Ou seja, entregou mercado de graça (ou não) para a concorrência, ao mesmo tempo que está colocando refinarias à venda.
Passo 3 – Fechou um acordo bilionário, de US$ 3 bilhões, com acionistas norte-americanos, muito superior ao que o próprio mercado esperava.
Passo 4 -  agora, entra-se na fase final, que consiste em inviabilizar o mercado de títulos para a Petrobras e, com isso, forçar a venda das reservas do pré-sal.
Como fica nosso quebra-cabeças:

Peça 1 – a jogada da Eletrobras

Pedro Parente segue o mesmo modelo de atuação da 3G – de Jorge Paulo Lemann – na Eletrobras. No artigo “A 3G e o negócio do século com a Eletrobras” detalhei essa estratégia.
Primeiro, fincou posição na empresa, tendo acesso ao conselho. Depois, divulgou estudos para justificar um valor contábil ridículo. Uma companhia com ativos avaliados em 400 a 600 bilhões de reais, com dividas de 39 bilhões e passivos ocultos de 64 bilhões, mas que podem ser liquidados por um terço disso, cujo controle poderia ser comprado por R$15 bilhões.
A 3G é um sócio minoritário da Eletrobras. A empresa está sendo preparada para ser vendida aos chineses. No plano de privatização está embutida a descontratação da energia. Ou seja, a possibilidade de toda a energia produzida pela empresa ser jogada no mercado livre – com a previsível explosão das tarifas.
Sem investir um tostão, os grandes acionistas, como a 3G e o grupo Jabbur, ganharão literalmente bilhões de dólares com a mera valorização de sua participação.

Peça 2 – a jogada da Petrobras

Parente fez pior ainda. Sua estratégia é inviabilizar o mercado de crédito internacional para a Petrobras. E, com isso, tornar inevitável a venda de ativos e a posterior privatização da empresa por preço vil.
A SEC norte-americana exige, anualmente, o preenchimento do relatório 20-F, uma espécie de prestação de contas ao mercado, com perspectivas e riscos das empresas listadas em Bolsa.
Esses relatórios listam alguns fatores de risco. E, depois, tentam demonstrar como a estratégia adotada visará criar um ambiente positivo para a empresa. Todo relatório busca apresentar uma visão positiva da empresa e expectativas favoráveis à implementação da estratégia adotada.
Parente montou um relatório tão alarmista, que ficaram nítidas, como as impressões digitais no guardanapo de um sujeito que se lambuza de ketchup, suas intenções em relação à empresa.
A colocação desses papéis depende fundamentalmente da previsibilidade do investimento. O que Parente faz é apresentar uma série infindável de fatores imprevisíveis, visando fechar o mercado para a empresa.

1.Dramatiza problemas trabalhistas

Na página 16, o relatório diz que os planos da Petrobras incluem a venda de aproximadamente US$ 21 bilhões em ativos, para melhorar a liquidez. Essa venda obrigará a transferir os funcionários para outras áreas da empresa, “o que pode gerar custos adicionais, inquéritos judiciais relativos a ações trabalhistas, greves e pode prejudicar nossa reputação”.

2.Lança dúvidas sobre o Compliance

A Petrobras está pagando centenas de milhões de dólares a escritórios de advocacia norte-americanos, para montar seu programa de compliance.
Na página 18, mesmo após a Lava Jato, Parente diz que “para nós é difícil garantir que todos os nossos funcionários e contratados, aproximadamente 185.000, seguirão nossos princípios éticos”.  E aí, a dramatização inacreditável. “Qualquer um que não siga – de fato ou que aparentemente não siga – tais princípios ou que não cumpra as obrigações de governança ou regulatórias aplicáveis pode prejudicar nossa reputação, limitar nossa capacidade de obter financiamento ou afetar de maneira negativa os resultados de nossas operações e condição financeira”.

3.Coloca em dúvida seus próprios relatórios financeiros

Na página 19, o relatório lança dúvida sobre todos os relatórios financeiros dos últimos anos, inclusive o último, de 2017: “Qualquer falha em manter nosso controle interno sobre relatórios financeiros pode afetar negativamente nossa capacidade de reportar nossos resultados financeiros em períodos futuros com precisão e em tempo hábil”.

4.Lança incertezas sobre as ações do Departamento de Justiça

O relatório revela a informação reservada, de que a empresa já está sob a lupa do Departamento de Justiça norte-americano (DoJ), nos mesmos moldes da Embraer. Ou seja, todos as informações estratégicas da empresa ao alcance do DoJ.
Diz o relatório: “O DoJ [Departamento de Justiça dos EUA] está realizando uma investigação semelhante e, tanto a sindicância interna quanto as demais conduzidas pelo governo a respeito de tais questões, estão em curso. Apesar de nossa total cooperação com tais investigações, há o risco de que seu alcance seja expandido ou de que as autoridades decidam realizar uma denúncia formal na esfera civil ou criminal”.
E trata de jogar mais imprevisibilidade no caldeirão:
“Pode ser exigido de nós o pagamento de multas ou outras assistências financeiras, além do cumprimento de medidas liminares, determinações ligadas a condutas futuras ou, ainda, a imposição de outras multas, que podem surtir efeito material adverso. Também é possível que informações que prejudiciais à nossa imagem e aos interesses venham à tona durante as investigações de corrupção deflagradas pelas autoridades brasileiras”.

5.Lança incertezas sobre as multas pagas

Diz, à página 20:
“Se, no futuro, surgirem informações adicionais substanciais demonstrando que, em retrospectiva, nossos ativos pareçam ter sido consideravelmente subestimados ou superestimados em nossas demonstrações financeiras, é possível que sua reformulação seja exigida, o que pode ter um efeito material adverso nos resultados de nossas operações e condição financeira, além de afetar o valor de mercado de nossos valores mobiliários”.

6.Incertezas sobre as concessões públicas

“Caso alegações que envolvam um valor significativo e para os quais não tenhamos provisões sejam decididas em nosso desfavor, ou caso as perdas estimadas se revelem significativamente superiores às provisões disponíveis, o custo agregado de decisões desfavoráveis pode ter efeito adverso significativo sobre os resultados das nossas operações e condição financeira. Também podemos estar sujeitos a disputas judiciais e processos administrativos ligados a nossas concessões e demais autorizações governamentais, que podem resultar na revogação de tais concessões e autorizações governamentais. (…)”

7.Incertezas sobre os passivos fiscais

“No futuro, pode ser que tenhamos de lidar com situações semelhantes nas quais nossa interpretação das leis fiscais possa ser diferente da interpretação das autoridades fiscais ou, ainda, em que as autoridades fiscais contestem nossa interpretação e possamos ter de assumir provisões e custos não previstos”.

8.Incertezas sobre desinvestimento e o fluxo futuro

Explicita a estratégia óbvia de reduzir o fluxo de resultados com a venda de ativos:
“A impossibilidade de implantar com sucesso nosso programa de desinvestimento pode ter um impacto negativo em nossa empresa, nos resultados de nossas operações e condição financeira, inclusive nos deixar com liquidez limitada em curto e médio prazo. Além disso, a venda de ativos estratégicos sob nosso programa de desinvestimento resultará na diminuição de nossos fluxos de caixa advindos de operações, o que pode ter impacto negativo em nossa perspectiva de crescimento operacional de longo e médio prazo”.

9.Incertezas sobre as eleições

“As eleições no Brasil ocorrem a cada quatro anos, e as mudanças nos representantes eleitos podem levar a uma mudança dos membros de nosso conselho de administração nomeados pelo acionista controlador, o que pode impactar ainda mais a gestão de nossa estratégia e diretrizes de negócios.
Além disso, o governo federal brasileiro pode tentar alcançar alguns de seus objetivos macroeconômicos e sociais através de nós”.

10. Incertezas sobre corrupção política

“Nossa condição financeira e resultado das operações podem ser prejudicados pelos seguintes fatores e pela reação do governo federal brasileiro a tais fatores: (...) -alegações de corrupção contra partidos políticos, agentes eleitos ou outros agentes públicos, incluindo alegações feitas relativas à investigação da Lava Jato;

11.Incertezas sobre a economia

“Historicamente o cenário politico tem influenciado o desempenho da economia brasileira e crises políticas tem afetado a confiança de investidores e do público em geral, o que resultou num declínio econômico e aumentou a volatilidade dos títulos emitidos no exterior por empresas brasileiras. (...) qualquer desdobramento na investigação da Lava Jato (previsível e imprevisível) poderia prejudicar relevantemente a economia brasileira assim como nossos resultados operacionais e condição financeira”.

12.Incertezas sobre novas denúncias

Assim que assumiu a Petrobras, Parente contratou a Pinheiro Neto para um pente fino nos e-mails da empresa – remontando ao começo da década de 2.000. Já foram identificados e-mails de políticos com solicitações para a empresa. Agora, o escritório tenta estabelecer relações de causalidade entre os e-mails e obras. Tudo indica que haverá uma leva de novas denúncias, levantadas agora pela própria gestão Parente, visando tornar a Petrobras mais vulnerável ainda.
No relatório à SEC, há indícios:
“Atualmente, funcionários eleitos e outros funcionários públicos no Brasil estão sendo investigados por alegações de condutas antiéticas e ilegais identificadas durante a investigação Lava Jato realizada pela Procuradoria Federal do Brasil. O resultado potencial dessas investigações é desconhecido (...) Tais alegações podem levar a mais instabilidade, ou novas alegações contra funcionários do governo brasileiro e outros podem surgir no futuro, o que poderia ser relevantemente prejudicial para nós. Não podemos prever o resultado de tais alegações nem seu impacto na economia brasileira”.

Peça 3 – o desfecho do fechamento do mercado

Velho parceiro do PSDB na área de energia, no governo Fernando Henrique Cardoso,  o deputado baiano José Carlos Aleluia (DEM) apresentou projeto de lei autorizando a Petrobras a vender até 70% das áreas não concedidas da camada pré-sal.
“Entre os ativos passíveis de serem desinvestidos, os campos de petróleo são uma opção especialmente interessante, porque, além de angariarem recursos para abater a dívida, agregam parceiros para dividir os investimentos necessários para colocar esses campos em produção. No caso dos campos contratados no regime de cessão onerosa, a sua transferência viria para o bem da Petrobras e do Brasil, pois permitiria a antecipação da extração do petróleo que jaz enterrando nas profundezas do pré-sal”, justificou.

Peça 4 – o desafio das instituições

STF (Supremo Tribunal Federal), Procuradoria Geral da República (PGR), TCU (Tribunal de Contas da União), AGU (Advocacia Geral da União) foram personagens centrais do impeachment, em nome de uma suposta moralidade.
Agora, estão em andamento jogadas capazes de transformar a corrupção apurada pela Lava Jato em troco. Não se trata se contrapor estatismo e liberalismo. O que se tem são negociatas em andamento, com reflexos perpétuos sobre o país, na forma de aumento dos custos de energia, vulnerabilidades na oferta de combustíveis.
Vai ser o grande teste para se saber se essas autoridades foram apenas conduzidas pelos ventos das manifestações populares, ou compactuam com esse jogo.  -  (Aqui).

THE CARTOON


Oguz Gurel. (Turquia).

BRASIL 2018


J. Bosco.

TACLA DURÁN FALARÁ À CÂMARA DOS DEPUTADOS


.O advogado Rodrigo Tacla Durán será ouvido em videoconferência à Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados no dia 5 de junho.

.Tacla Durán, ex-advogado da Odebrecht e da UTC, é acusado da prática de crimes e acusa prepostos da Lava Jato de haverem tentado induzi-lo a, em troca de premiação, fazer delação em que confessasse os crimes e implicasse terceiros, 'proposta' que ele recusou e explicaria sua fuga para a Espanha (ele detém dupla nacionalidade), de onde, aliás, vem cooperando com a justiça de países como Estados Unidos e Argentina em processos envolvendo empreiteiras brasileiras.

.Em 30 de novembro de 2017, Tacla Durán, mediante videoconferência à CPMI da JBS, no Senado, elencou acusações gravíssimas contra a Lava Jato (AQUI). Para surpresa geral, as denúncias não tiveram qualquer consequência e, pior, o depoimento nem sequer foi mencionado no relatório final da CPMI (presidida pelo deputado Carlos Marun).

.Tacla Durán se dispôs a atuar no incidente de falsidade instaurado paralelamente aos processos que tramitam em Curitiba contra o ex-presidente Lula, mas os pedidos dirigidos pela defesa de Lula ao juiz Sérgio Moro vêm sendo sistematicamente recusados, convindo dizer que os recursos à segunda instância também foram rejeitados.

.Decorreriam as sucessivas recusas à oitiva de Tacla Durán da denúncia sobre um suposto esquema de pagamento de propina em troca de melhorias em delações premiadas negociadas em Curitiba, além de ter o citado advogado posto em xeque a veracidade de provas apresentadas pela Odebrecht a partir dos sistemas Drousys e MyWebDay,  largamente utilizados pela Lava Jato?

.Aliás, no que respeita ao juiz Moro, a questão é ainda de ordem pessoal, visto que Durán afirmou que um amigo do juiz (Carlos Zucolotto) teria cobrado mais de 5 milhões de dólares "por fora" para "melhorar" o suposto acordo de delação de Durán.

.Uma indagação final: Caso o advogado Durán ratifique à Comissão as acusações de que se cuida, como admitir que se esteja a fazer justiça em meio a tantas omissões e lacunas, com ênfase no cerceamento de defesa?

................

Em tempo:
Aguarda manifestação do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, pedido de instauração de CPI para apuração de esquemas de venda de proteção em delações premiadas por parte de advogados e delatores da Operação Lava Jato, conforme denúncias feitas por Tacla Durán e a partir de suspeitas de que o advogado Antonio Figueiredo Basto recebeu propina para proteger doleiros. Clique AQUI para conferir informações adicionais. 

quarta-feira, 30 de maio de 2018

AUDÁLIO DANTAS, UM CIDADÃO CONTRA A BARBÁRIE


Audálio Dantas, jornalista (Tanque d'Arca, Alagoas, 8 de julho de 1929 - São Paulo, 30 de maio de 2018), tinha 46 anos quando se tornou presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo.

Vladmir Herzog, jornalista (Ojisek, Iugoslávia, 27 de julho de 1937 - São Paulo, 25 de outubro de 1975), era diretor da TV Cultura quando foi preso e assassinado nas dependências do Doi-Codi, em São Paulo.

Sobre Audálio, no site do Instituto Vladimir Herzog (Aqui) figura o texto "Um cidadão contra a barbárie". Trechos:

"Em defesa do Estado de Direito, da verdade, da justiça e da memória do amigo que acabara de ter a vida interrompida, Audálio enfrentou os poderosos do momento e exigiu que a morte de Herzog fosse esclarecida.
Costumava dizer que seu melhor trabalho foi justamente o papel que desempenhou no Caso Herzog. De fato, porque sem Clarice Herzog, sem o cardeal Dom Paulo Evaristo Arns, sem o rabino Henry Sobel, sem o reverendo James Wright e sem Audálio Dantas, não teríamos o Ato na Sé – episódio absolutamente decisivo na história do país.
(...)
Sob a direção dele, o Sindicato dos Jornalistas se tornou uma das principais trincheiras, uma referência para a sociedade na luta contra a repressão. Foi um brasileiro raro, com uma coragem e uma competência únicas para dirigir a entidade e se levantar contra os militares naquele momento tão delicado."
Audálio Dantas dignificou o jornalismo e a cidadania. Um grande brasileiro.

................

Um cartum de alerta:


César.

VAI TER COPA, SABIA?


J Bosco.

INTERNET, PERIGO PORTÁTIL


Michael Kountouris. (Grécia).

O FAKENEWS SOBRE A GREVE DOS CAMINHONEIROS

.
A Agência Xeque é uma iniciativa do site Jornal GGN, sob a coordenação do jornalista Luis Nassif, com o propósito de analisar a pertinência e assertividade de opiniões/avaliações veiculadas pela mídia sobre temas de interesse da coletividade. 


Agência Xeque: o fakenews sobre a greve dos caminhoneiros

Por Luis Nassif

Há um motivo óbvio para a crise dos caminhoneiros: uma política de fixação quase diária dos preços de combustíveis, e de dolarização – expondo o consumidor brasileiro a qualquer movimento especulativo global.
Em um país racional, não haveria maiores discussões sobre o tema. Mas, nesse país da Maracangalha, criou-se um impasse entre os chamados neoliberais (para diferenciá-los dos liberais racionais). A tal dolarização dos preços de combustíveis seguiu o receituário neoliberal de dolarizar a economia e impedir qualquer ação corretiva da parte do governo. Como admitir que o resultado foi desastroso?
Aí se convocam os templários, os guerreiros que saem de peito aberto, sem nenhum receio de expor sua reputação ao ridículo, para que levantem alguns slogans de contra-ataque.
O voluntário inicial foi Samuel Pessoa, em artigo para a Folha.
Segundo Pessoa, a culpa foi de Lula e Dilma por terem financiado muitos caminhões nos anos anteriores. Muito caminhão aumentou a competição impedindo os caminhoneiros de repassaram a alta dos preços para os fretes – uma verdadeira ode à cartelização.
Recorre, então, a uma manipulação estatística primária. Diz ele que, de 2009 até hoje a frota de caminhões aumentou 40%, enquanto no mesmo período a economia cresceu 11%. Nem lhe passou pela cabeça – porque poderia comprometer o proselitismo – que existe uma variável não anualizada chamada de renovação da frota, que não guarda nenhuma relação com o aumento da demanda.
Finalmente, informa que o aumento das tarifas de caminhão no centro-oeste decorreu do aumento da frota – o oposto do que dizia alguns parágrafos antes.
No seu programa matinal, o jornalista Alexandre Garcia repetiu o non-senseNo seu blog da UOL, o advogado Carlos Melo, outro templário, repetiu os mesmos argumentos de Pessoa. E toca o coro dos liberais condenar o excesso de competição.
“O BNDES dos governos do PT deu enorme incentivo à ampliação da frota, sem se importar com os riscos do excesso. O mercado foi inundado por um acréscimo de 83% no número de caminhões. Ao mesmo tempo, o crescimento econômico secou e os fretes escassearam. O desastre foi inevitável”.
Inevitáveis são as tolices que são ditas, quando o analista se deixa emprenhar pelo ouvido.

O cenário real

Vamos aos fatos.
Em 12 de dezembro de 2013, em editorial, o Estadão – bíblia maior do liberalismo – dizia o seguinte:
“Dos caminhões que circulam pelas ruas e estradas do País, nada menos do que 212 mil têm mais de 30 anos de uso. E mais de 400 mil caminhões com capacidade para transportar de 8 a 29 toneladas têm, em média, idade superior a 20 anos. (...)  Tudo isso justifica a instituição de políticas públicas que estimulem a renovação da frota de caminhões, de modo a reduzir gradualmente sua idade média até níveis comparáveis com os de países mais desenvolvidos e aumentar a eficiência e a segurança do sistema de transporte rodoviário de carga. Uma sugestão nesse sentido, que resultou de uma inédita ação conjunta de dez entidades vinculadas à questão, foi apresentada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior há algumas semanas”.
Mais ainda.
No ano passado, a Power Systems Research, consultoria especializada no setor, providenciou uma pesquisa no Brasil, similar à que faz periodicamente nos Estados Unidos. A pesquisa foi junto a concessionárias e frotistas que têm, em conjunto, de 20 a 29 mil veículos.
Conclusões da pesquisa:
  • Dos entrevistados, 42% declararam que a ociosidade de seus caminhões é de até 5%.
  • Parcela de 21% respondeu que este índice gira entre 10% e 15%
  • Apenas 8% dos participantes registram mais de 20% de ociosidade em sua frota de veículos.
A constatação da pesquisa é que a intenção de compra estava em expansão, comparada com o ano anterior. Os motivos: renovar a frota, melhorar a eficiência operacional e atender ao aumento da demanda.  -  (Aqui).

CARTUM À DERIVA


Leonardo.

PODER IMPERIAL NÃO COMBINA COM DEMOCRACIA

.
No próximo 5 de outubro, nossa Constituição estará completando 30 anos de vigência. A Constituição Cidadã, conforme a qualificou Ulysses Guimarães, foi e vem sendo tratada como Carta Magna? A Carta Magna vem sendo adequadamente zelada pelo STF, à vista do que ela mesma impôs em seu artigo 102? Até que ponto as chamadas interpretações extensivas impactaram, ou não, o escopo da Constituição Federal? 


Poder imperial não combina com democracia

Por Roberto Amaral

Precisamos de uma presidência forte, legitimada pelo mandato vindo da soberania popular, e de um Congresso no qual os eleitores identifiquem sua vontade
"(...) juízes não podem, os juízes devem, em cada caso, fazer o que devem fazer – não o que os outros esperam que eles façam". Roberto Eros Grau, jurista e ministro aposentado do STF.
De disparate em disparate, o Supremo Tribunal Federal vem firmando seu inconstitucional papel legiferante, semeando com sucesso no terreno sulcado pela anomia de um Congresso covardemente omisso.
O jornal O Estado de S.Paulo do último dia 10 diz, em manchete, que o ministro "Toffoli quer restringir [o] foro [privilegiado] ainda mais" (p. A8). Insatisfeito com a rodada constituinte do dia três de maio, quando o pleno do STF decidiu alterar o texto constitucional que disciplinava o chamado "foro privilegiado" para dele excluir parlamentares, o ministro propõe à presidente Cármem Lúcia a edição de súmula vinculante (mecanismo que impede juízes de instâncias inferiores decidir de maneira distinta do STF naquelas questões em que a Corte já tenha firmado entendimento) "para ampliar a restrição do foro privilegiado a todas as autoridades do Executivo, Legislativo e Judiciário nas esferas federal, estadual e municipal".
É de se admitir, no mérito, o acerto da propositura, mas nem o ministro é legislador nem o STF tem poderes para reformar a Constituição. Em outros termos: a violência contra a ordem constitucional segue sem reparo, naturalizando-se o arbítrio.
Cesteiro que faz um cesto faz cem, e assim, sem um só voto, os juízes e os ministros seguem inatingíveis e inalcançáveis, supremos, olímpicos, sem limites, ou seja, legislando. Violam  a separação e independência dos poderes (art. 2º da CF), violam a Constituição que deveriam guardar como dever de ofício, e instauram a insegurança jurídica.
Não sem razão, pois, a Justiça brasileira é pessimamente avaliada pela população. Pesquisa recente patrocinada pela Confederação Nacional dos Transportes/MDA (9 de maio) revela o descontentamento, a insegurança e o desamparo da cidadania: para 90,3% dos entrevistados a Justiça brasileira não age de forma igual para todos; para 55,7% é ruim ou péssima. Finalmente, 52,8,% consideram o Poder Judiciário pouco confiável. E todos sabem que é lerdo.
Questionada pelo presidente do Chile, Sebastian Piñera,  que lhe fazia visita protocolar, sobre a quem o pobre cidadão pode  recorrer quando a Corte falha, a presidente Cármem Lúcia admitiu que nesta República macunaímica o STF é o único Poder que paira acima da vida, das leis e dos homens, pois, acima dele, só Deus, que chamou de 'instância suprema'. Poderia ter dito: "Après moi, le déluge".
Diz o jornalão paulista que a presidente de um partido chamado Podemos não gosta do dispositivo legal (art. 47.VII.§ 3ºda lei n. 9.504 de 1997) que, para o cálculo do tempo de rádio e de televisão cedido aos partidos para suas campanhas no período eleitoral, determina como critério o tamanho das bancadas resultante da eleição.
Referida presidente prefere que o cálculo incida sobre o tamanho das bancadas hoje, caso em que, beneficiado pela imoralíssima troca de partidos entre parlamentares, o seu Podemossaltando de cinco para 12 deputadosteria sensivelmente engordado seu magro tempo de rádio e televisão. Que faz então o partido? Ingressa com projeto de lei alterando em seu benefício e de outros partidos trânsfugas o disposto na lei eleitoral?
Não. Simplesmente, e como  moda, apela para a intervenção do Poder Judiciário, primeiro mediante a interposição, junto ao STF, de ação direta de inconstitucionalidade (ADIN) visando derrogar o dispositivo original e, na sequência, ainda no plano do Judiciário, ingressa com consulta ao Tribunal Superior Eleitoral, com o fito de levar a Corte, sequiosa ela também por legislar, a manifestar-se sobre o tema.
Essa chicana é possível porque as diversas esferas do Poder Judiciário já não mais se limitam ao seu dever e competência – cuidar da constitucionalidade das leis – pois agora julgam as leis, valendo-se de sua aplicação como meio de modifica-las segundo o interesse  do momento. Acórdãos do STF transformam-se em verdadeiras emendas ao texto legal.
Com o concurso de partidos irresponsáveis (a regra foi sempre, à esquerda e à direita, a de recorrer à instância judiciária sempre que a atividade parlamentar fracassava) e de um Parlamento que sequer defende sua competência, o Poder Judiciário – dos juízes de piso a ministros dos tribunais superiores – transforma-se em um Moloch insaciável, consumindo as competências privativas dos demais poderes, de que resulta a insegurança jurídica, mãe do arbítrio, que vem a galope.
Ministros e juízes que só prestam contas a Deus invadem a competência exclusiva do Congresso, este sim – e isso precisa ser destacado na República e na democracia representativa – o locus da soberania popular que se expressa mediante o voto, de que carecem os membros do Poder Judiciário.
Nesta República sereníssima nem o STF ocupa o topo de inexistente hierarquia de poderes – embora sonhe com o monárquico papel de Poder Moderador – nem seus ministros são árbitros da Constituição. Muito menos procuradores da vontade popular, papel que na democracia representativa é exercido pelos congressistas e só por eles.
Erra pois a presidente Cármen Lúcia quando afirma que o STF, em sua faina legiferante, está ecoando 'o clamor das ruas'. Ora o que juízes e ministros têm de ouvir, e só ela, é a vontade da Constituição, porque na democracia vale a lei, cimento da ordem jurídica. O outro lado é a anarquia, a violência do  caos.
Seguindo o mau exemplo que desce da Suprema Corte, também setores da alta burocracia estatal se arvoram em 'Poderes', e, como Olimpos, poderes sem controle de qualquer natureza. A que ordem jurisdicional ou política ou administrativa respondem o Ministério Público, a Polícia Federal ou o Tribunal de Contas da União?
Na plenitude republicana não há nem  pode haver Poder sem controle, nem Poder acima dos demais ou acima da Constituição, a cujo texto todos estão submetidos. A violação dessa ordem sujeita o infrator à reação, que, na hipótese, caberia ao Congresso nacional.
Mas o que se pode esperar de um Congresso acuado por um sem-número de acusações atingindo seus membros, inclusive os presidentes das duas Casas? Nada menos de 238 parlamentares estão às voltas com investigações no âmbito do STF. Dos 81 senadores 42 respondem a inquéritos. Outros estão sendo investigados pela Polícia Federal.
O Poder Executivo, nominalmente chefiado por um presidente sem voto, rejeitado pela população do país, não fica longe, com sua corte de ministros presos ou respondendo a processos. A propósito, acicatado pela Procuradora Raquel Doddge, o STF se apresta para apresentar a terceira denúncia-crime contra o locatário do Palácio Jaburu, acusado de corrupção ativa e passiva.
Que se pode esperar de um pato manco?
O Poder Judiciário, hoje, trabalha contra a República, cuja base de legitimidade é a soberania popular. Maquina contra a democracia, pois um de seus produtos é a desmoralização da política.
Nesse intento caminham de mãos dadas o Judiciário e o monopólio da mídia, criando junto à opinião pública o clima de descrédito e desesperanças que leva à anomia popular, assim tecendo o tapete vermelho que abre alas aos 'salvadores da pátria'. Todos sabemos como tudo isso termina. Engane-se quem tiver vocação para reviver o dr. Pangloss.
Se deste Congresso nada mais se pode esperar, a não ser o aprofundamento de sua ilegitimidade, de seu distanciamento da vontade nacional, tudo se deve esperar da futura Legislatura a ser eleita no prometido pleito deste ano.
Precisamos de uma presidência da República forte, legitimada pelo mandato oriundo da soberania popular, e de um Congresso no qual os eleitores identifiquem a expressão de sua vontade.
Amparados na sociedade mobilizada, os novos Poderes poderão realizar as reformas pelas quais o país tanto anseia, como a reforma política, a reforma tributária, a reforma agrária, a reforma educacional, e, para encerrar a listagem, a regulamentação dos meios eletrônicos de comunicação de massa.
Mas nenhuma iniciativa será tão vital quanto aquela que deverá ser a primeira de todas, a reforma do Poder Judiciário, retirando-lhe os poderes monárquicos e impondo-lhe os valores republicanos, como o mandato de dez anos para os membros do STF e demais tribunais, a reforma de seu Regimento Interno pelo Congresso, a revisão dos critérios de ingresso na Magistratura e da metodologia de escolha de membros dos tribunais em todos os níveis, e a fiscalização externa.
Não há democracia possível num Estado sem Poder Judiciário republicano e democrático.  -  (Aqui).
[Roberto Amaral é escritor e ex-ministro de Ciência e Tecnologia].

O BANQUETE DOS DÉSPOTAS


Iotti.

terça-feira, 29 de maio de 2018

DE COMO PHILIP MARLOWE VOLTOU À AÇÃO - CAPÍTULO 24

.
Para ler os capítulos anteriores, clique AQUI.
Sebastião Nunes, autor da série, é natural de Bocaiuva, MG, escritor, editor, artista gráfico e poeta. É também titular de um blog no Portal Luis Nassif OnLine.


O País dos canalhas - Capítulo 24 - Aécio Neves e os subterrâneos do poder

Por Sebastião Nunes

Conforme narrei no capítulo 23, num belo fim de semana o deputado participou de uma dessas festanças que tornam tão deliciosa a vida dos poderosos em Brasília: muita bebida, muito sexo e muita droga.

Foi quando aconteceu o desastre: o deputado apagou.

Não era para menos: tinha bebido 10 doses de uísque, 12 taças de vinho, cheirado 11 carreirinhas de cocaína e transado com três mulheres: uma modelo, uma artista de televisão e, como sobremesa, a filha de um deputado do seu partido.
Acordou numa luxuosa suíte que não conseguiu localizar.
Levantou com a cabeça explodindo e abriu uma janela. Respirou o ar fresco do crepúsculo, pois era tarde e o dia acabava.
Uma fileira de carrinhos de mão passava entre as aleias do jardim. No da frente, pequenos sacos brancos, decerto cocaína recém-chegada (via-se no jardim um helicóptero parado). No carrinho seguinte, restos ensanguentados de um cidadão careca e gordo, que foram desovados, com blocos de cimento na cintura, no grande lago. Num terceiro, duas mulheres jovens, bonitas e desgrenhadas, que foram largadas peladas no gramado. Pareciam drogadas. Num quarto carrinho, outro cidadão ainda novo, vestido apenas de cueca, tinha um punhal enterrado no peito, um bloco de cimento amarrado na cintura, sendo igualmente desovado no lago. Era com certeza pelas desovas frequentes que o lago fedia tanto.
Muito lentamente chegou ao banheiro e vomitou até sentir que a cabeça deixara de rodar. Dentro da banheira vazia uma mulher nua e desconhecida dormia. Voltou para a cama e apagou de novo.

PESADELO FAMILIAR
Sonhou com a avó materna, que adorava quando criança. Ela estava no mesmo jardim, velhinha e enrugada, sorrindo para ele. Enquanto ela sorria, e ele a olhava pela janela, começou a desfilar entre eles enorme quantidade de carrinhos de mão recheados de crianças mortas. Não uma criança por carrinho, mas várias, amontoadas em pilhas, jogadas ao acaso como se não passassem de lixo.
Ela sorria, ele olhava, e os carrinhos de mão cheios de crianças mortas passavam sem parar. A maioria, ele reparou, era de crianças negras e mestiças bem pequenas, mas havia também crianças brancas, em menor quantidade.
A interminável procissão de carrinhos continuava até o lago, no qual as crianças eram despejadas como o lixo que eram, mas agora sem blocos de cimento. Nuas, caíam no lago e, de tão magras, só pele e osso, permaneciam flutuando, umas empurrando as outras, cobrindo aos poucos toda a superfície do lago. Urubus rondavam.
– Está vendo, meu neto? – perguntou a avó. São as crianças que você matou com sua indiferença, com sua ganância, com as propinas arrecadadas, com sua falta de olhos para ver o que se passava à sua volta, enquanto subia os degraus do poder.
– Não, minha avó – respondeu o deputado. – Eu não matei ninguém. Nunca matei ninguém.
A avó, sempre sorrindo, balançou a cabeça discordando.
O deputado soluçou. A avó desapareceu. O pesadelo acabou.

REVIRAVOLTA ÉTICA
O deputado entrou no banheiro e tomou uma ducha fria. Tremendo, deixou que a água o limpasse até que se sentiu livre da ressaca.
Voltou à janela. Os caminhos estavam vazios, apenas jardineiros trabalhavam entre as plantas. Nenhuma carcaça de criança no lago. Tinha sido um pesadelo.
O deputado lembrou então de Aécio Neves, que seguira carreira parecida com a sua. Mimado, de família rica, nunca fizera nada. Trepado nas costas do avô aprendeu todas as malandragens e subiu como foguete: virou deputado, conseguiu dezenas de parceiros para suas tramoias e se viu famoso, paparicado e governador.
Realmente é fácil, pensou. Quando a família é poderosa e dá uma mão, quando se tem padrinhos de peso, é fácil subir e impossível descer. Aconteceu com Aécio, está acontecendo comigo.
Num canto da parede ressurgiu a avó. Sorrindo.
Não vale a pena continuar, pensou ele. Posso até chegar a presidente, mas que tipo de presidente? Um Temer? Um canalha vendido?
Olhou para a avó, que continuava sorrindo.
– Obrigado, vó – disse ele em voz alta. – Acho que entendi.
Saiu do quarto, trancou a porta, e foi para casa. Daquele dia em diante mudou. Abandonou todas as comissões, minadas pela corrupção. Seus discursos despertavam ódio. Seus apartes, ferocidade.
Politicamente parecia um leproso. Até que não aguentou mais e largou até a família, como se fosse um eremita, como se fosse um Buda.
Virou mendigo. A aparência ainda era de rato, pois a aparência é a última que desaparece, mas tinha esperança de se tornar em breve um mendigo humano.
– Hoje tenho a consciência limpa, meu caro Marlowe – disse ele a nosso detetive encerrando sua história de rato mendigo. – Num país de canalhas, isso não tem preço.
No congresso, os outros ratos continuavam ditando as regras.
(Continua.  - Fonte: Aqui).