sábado, 22 de abril de 2017

LIÇÕES DA INCONFIDÊNCIA

Pintura de Antônio Parreiras. 1914.

Lições da Inconfidência

Por Iurutaí Puertas

(Anteontem) completaram-se 225 anos da execução pública, por enforcamento – e posterior esquartejamento do corpo – do Alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes. Para a maioria dos brasileiros só mais um feriadão, com os engarrafamentos de praxe noticiados pelas Tvs, e a oportunidade de sair da rotina de trabalho/estudo alienados e alienantes. Cabe, contudo, lembrarmo-nos das razões que levaram esta data ao status de Feriado Nacional.
Proclamada a República em 1889, cedo perceberam seus ideólogos a necessidade de um herói nacional que, diferente de um Duque de Caxias, não fosse assim considerado pelos serviços prestados ao Império, mas que representasse a resistência dos brasileiros à monarquia e seus poderes absolutos; mais, que pudesse encarnar a luta pela liberdade e autonomia da nação brasileira. Iniciou-se, então, um longo trabalho de pesquisa histórico-documental que trouxe à luz os autos dos processos da chamada Conjuração Mineira, um movimento no qual juntaram-se a arraia-miúda e alguns representantes das classes dominantes da época para propor um projeto de país que nos livrasse da Coroa Portuguesa e seu processo de exploração colonial. Tal Conjuração teve entre seus membros, padres, pequenos e grandes proprietários de terras, poetas, comerciantes, bacharéis, alguns soldados e alferes,e foi descoberta graças à inconfidência de Joaquim Silvério dos Reis, a partir da qual realizaram-se as primeiras prisões.
A leitura dos referidos autos muito nos ensina sobre as práticas de um Sistema Judiciário que tinha por objetivo atender aos desígnios do Império Colonial. Senão, vejamos: uma vez denunciados, os conjurados eram encarcerados tendo em vista a admissão de sua culpa e a denúncia de outros partícipes. Provas materiais não eram necessárias, bastando como acusação o ser delatado,  ao réu cabia o ônus de provar sua inocência, aí sim com provas materiais e/ou testemunhos considerados, pelos acusadores, dignos de fé. Aos juízes e escrivães cabia tomar os depoimentos e decidir sobre a validade de suas declarações. Os que delatavam outros participantes, demonstrando assim, para a justiça da época, seu arrependimento tinham penas mais brandas: degredo, por maior ou menor prazo de tempo conforme a importância de sua participação ou de sua delação, confisco dos bens ou prisão. Aos que não delatassem, a pena de morte, que era a pena para os crimes de traição à sua Majestade. Quer dizer, os réus, uma vez que haviam sido delatados, já iniciavam o processo como condenados só sendo possível conquistar o abrandamento das penas.
Tal processo arrastou-se de 1789 a 1792, estando durante todo este período encarcerados os réus. A partir de 1790 o processo foi unificado sob a alçada de três desembargadores da Suplicação vindos especialmente da Metrópole com esta finalidade.
Das dezenas de pessoas envolvidas na Conjuração, onze foram condenadas à morte, uma – Cláudio Manoel da Costa - suicidou-se na prisão, sendo declarada infame a sua memória e infames seus filhos e netos, e seus bens confiscados para o Fisco e a Câmara Real, por haver se subtraído à execução da justiça de sua Majestade. Dos restantes condenados, nove obtiveram a clemência da Rainha, tendo sido a pena capital comutada em degredo por 10 anos nas colônias d’ África.
Um, que não delatou e não renegou sua participação na Conjuração, foi condenado à pena capital sendo sua sentença paradigmática :
"(...) Portanto condenam ao Réu Joaquim José da Silva Xavier, por alcunha o Tiradentes, Alferes que foi da tropa paga da Capitania de Minas, a que com baraço e pregão seja conduzido pelas ruas públicas ao lugar da forca e nela morra morte natural para sempre, e que depois de morto lhe seja cortada a cabeça e levada a Vila Rica, aonde em lugar mais público dela será pregada, em um poste alto até que o tempo a consuma, e o seu corpo será dividido em quatro quartos, e pregado em postes pelo caminho de Minas no sítio da Varginha e das Cebolas, aonde o Réu teve as suas infames práticas, e os mais nos sítios de maiores povoações até que o tempo também os consuma; declaram o Réu infame, e seus filhos e netos tendo-os, e os seus bens aplicam para o Fisco e a Câmara Real, e a casa em que vivia em Vila Rica será arrasada e salgada, para que nunca mais no chão se edifique e não sendo própria será avaliada e paga a seu dono pelos bens confiscados e no mesmo chão se levantará um padrão pelo qual se conserve em memória a infâmia deste abominável Réu (...)".
Passados esses 225 anos, lembramo-nos do alferes e do traidor. De um por sua grandeza, do outro por sua pusilanimidade. Dos desembargadores, juízes, procuradores, responsáveis pelo exercício discricionário da “justiça” da Metrópole, nem os historiadores, sem consulta às fontes, se recordam. É, a História ensina; difícil parece ser aprender com suas lições.  -  (Fonte: AQUI).
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Dois comentários - e uma réplica - selecionados:
1. Fábio de Oliveira Ribeiro
Era uma vez um vasto território que tinha milhares de povos indígenas que pertenciam a dezenas de troncos étnicos. Alguns deles eram aliados, outros adversários. As disputas também ocorriam entre tribos da mesma etnia.Chegaram uns portugueses e foram conquistando lentamente o território. Eles se aliavam com alguns índios para eliminar os inimigos deles. Alguns eram mortos, outros viravam escravos. Mas aqueles índios que eram amigos dos brancos perdiam sua identidade, sua língua, sua cultura e se tornavam subalternos num regime estritamente hierarquizado. Então os portugueses trouxeram milhares de negros. Eles exploraram as rivalidades entre negros de etnias rivais. Alguns eram bem tratados porque maltratavam os outros negros para que eles produzissem a riqueza colonial (açúcar produzido de cana). Marx fala em conflito de classes. É possível ver isto na história do Brasil. Mas é possível ver outra coisa: a colusão de classes, pois o sistema não teria sido bem sucedido sem o apoio voluntário daqueles que eram incluídos no sistema de exploração colonial e de ocupação do território (com exclusão política e econômica). A colusão social é um fenômeno importante no Brasil. Certamente é um fenômeno importante nos EUA. Como disse Castor (a esposa de Sartre) o poderoso não seria tão forte sem a ajuda do oprimido. Não por acaso o sistema colonial se valeu de um delator para destroçar a conjuração Mineira como sua reencarnação está utilizando delações para destroçar o PT depois de ter destroçado Dilma Rousseff.
2. J. Roberto Militão
Sou admirador de vossas msg e artigos quase sempre conforme minhas convicções. Por isso, ouso a observação crítica ao vosso comentário: a escravidão dos ´negros´ foi imposta e exercida com imensa e permanente violência física.
Essa historinha de que bastava a exploração das rivalidades étnicas não condiz com a realidade histórica. Serviram para aplacar a consciência de humanistas da época.
Basta verificar alguns dados que historiadores sérios, como o saudoso prof. Clóvis Moura, para não se crer nessa lógica perversa. Existiam os ´negros´ capitães-do-mato, mas o sistema apenas sobreviveu por 300 anos em razão da extrema violência e crimes de lesa-humanidade praticados pelos senhores de escravos.
Pela importância de vossa voz, considerei essencial alertá-lo sobre esse perigoso ´lugar comum´ do discurso de quem legitima e desculpa a escravidão africana, o maior crime e mais duradouro dentre os delitos de lesa-humanidade.
Fraterno e solidário abraço... (também tenho passado minhas perseguições policiais, de Promotores e de Magistrados).
3. Réplica de Fábio
 A violência foi sem dúvida imensa, contra índios e negros. Mas se não houvessem indígenas e escravos trabalhando voluntariamente para os portugueses o sistema rapidamente seria desmantelado (pois os colonos eram poucos e os "outros" eram muitos). Fenômeno semelhante ocorreu na Europa ocupada por nazistas. Estudando atentamente o holocausto, Hannah Arendt notou que os documentos demonstravam um fato importante: a mortandade dos judeus foi menor nos países em que eles estavam desorganizados; nos países onde eles eram bem organizados as organizações judaicas colaboraram com seus verdugos e a mortandade dos judeus foi maior. A colaboração foi forçada em alguns casos (como ocorreu no Brasil colonial), mas há também casos documentados de colaboração voluntária. Até mesmo no alto comando nazista existiam descendentes de judeus, como Herman Goering e Reinhand Heydrich (...).
Grato pelo comentário. Longe de mim tentar diminuir a importância da violência no processo de construção e expanção do Estado dentro deste vasto território que hoje chamamos de Brasil. (...).

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