O futebol não é uma questão de vida ou de morte, é muito mais do que isso
Por Juca Kfouri (Na Folha)
O futebol não é uma questão de vida ou de morte, é muito mais do que isso
A vida e o futebol vão continuar. Tão certo como nossa incapacidade de controlar os acontecimentos numa e noutro.
A tragédia que ceifou 71 vidas é o verdadeiro drama da nossa existência. O 7 a 1 é um acidente do futebol.
O derradeiro voo da Chapecoense choca o mundo, e não apenas o país berço dos que morreram, exatamente porque entre os mortos estava uma delegação do esporte mais popular do planeta.
O Brasil perdeu um punhado de jogadores de uma agremiação simpática a todos por não ter rivalidade com seus grandes clubes e acabou por ganhar dois times: a própria Chapecoense e o Atlético Nacional, que foi além da solidariedade. Deu exemplo que permite ainda acreditar na sensibilidade humana em tempos de absoluta intolerância.
Nada que deva vendar nossos olhos para o crime cometido na escolha de uma viagem, agora se sabe, plena de riscos.
Quis o destino que fossem vítimas 69 inocentes e os dois responsáveis pelo voo, o comandante do avião, sócio da companhia aérea, e o dirigente que a contratou.
Vivemos permanentemente no fio da navalha.
E não é verdade que o futebol fica em plano secundário diante da catástrofe que causa tanta dor.
O tamanho da comoção mundial se dá porque se trata de futebol, o esporte que mexe tanto com o imaginário coletivo e que nos aproxima de pessoas que sequer conhecemos, embora mantenhamos vínculos tão estreitos com elas como os que temos com nossos parentes.
Bill Shankly, técnico do Liverpool que dominou a Europa nos anos 1970, tinha razão. O futebol é mais que uma questão de vida ou de morte.
E por ser é que o futebol não pode parar como a vida também não.
A dor paralisa tudo até que, para cicatrizá-la, e ainda com ela, é preciso seguir em frente.
A dor paralisa tudo até que, para cicatrizá-la, e ainda com ela, é preciso seguir em frente.
Hoje amaldiçoamos o milagre do goleiro Danilo no minuto final que levou a Chapecoense à decisão da Copa Sul-Americana.
Tivesse acontecido o gol do time do Papa, o San Lorenzo que entra no drama como Pôncio Pilatos, e estaríamos tratando da última rodada do Campeonato Brasileiro, em meio à festa verde do Palmeiras e não vivendo o luto verde do jogo que não aconteceu.
A festa acabou abruptamente, para incredulidade planetária.
O que era um sonho alimenta o mistério da existência.
O nosso Leicester virou Manchester United, virou Torino.
Se não fosse aquela defesa de Danilo, se não fosse o crime da falta de combustível, se...
Voar é preciso. Viver não é preciso.
Jogar também é. E não é.
"Mãe, a Chape morreu?", perguntou o menino Leonardo, de 4 anos, no aeroporto de Chapecó, a cidade catarinense que virou a capital do velório mundial.
Como não se esquece das tragédias com o Torino e com o Manchester United, em 1949 e em 1958, 2016 ficará para sempre marcado, o ano da Chapecoense.
A acolhedora Arena Condá, centro de nossas atenções, ainda haverá de viver grandes emoções, iluminada pelo espírito heroico do cacique cujo nome carrega e que liderou os índios do Oeste catarinense.
Para tanto será preciso que a bola role e devolva a alegria do gol.
Para que a mãe de Leonardo possa responder: "Não, filho, a Chapecoense não morreu". (Aqui).
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