quinta-feira, 26 de novembro de 2015

UMA VISÃO SOBRE A ARGENTINA


A eleição argentina e sua repercussão geopolítica

Por André Araújo

O apogeu econômico e político da Argentina se deu em 1938, quando seu Chanceler, Carlos Saavedra Lamas, ganhou o Prêmio Nobel da Paz por ter conseguido a paz na Guerra do Chaco entre Paraguai e Bolívia.

A sua não entrada ao lado dos Aliados na Segunda Guerra, o início do peronismo em 1943 e o fato de tornar-se refúgio de nazistas a partir de 1945 carimbou a Argentina como Pais pouco confiável ao sistema ocidental de poder.

A Argentina só entrou como membro das Nações Unidas por pressão do Brasil, a vontade dos EUA era deixá-la fora, como fizeram com a Espanha, por ser considerada simpatizante do nazi-fascismo; a Argentina só declarou guerra à Alemanha em março de 1945 por violenta pressão dos EUA, em 1945 expulsou o Embaixador americano Spruille Braden.

O grande boom da Argentina foi a frigorificação da carne, inventada pelos ingleses, o que deu à Argentina por cinquenta anos o rótulo de maior exportador de carne bovina do mundo, fazendo o esplendor do campo argentino e o brilho de Buenos Aires, a Paris da América do Sul, cidade das luzes, da cultura, das artes.

A riqueza da Argentina de 1885 a 1935 fazia do Brasil da época uma tapera. Grandes transatlânticos vinham da Europa diretamente à Buenos Aires sem parar no Brasil. Os ricos criadores de gado tinham mansões em Paris e Londres e argentino virou sinônimo, na Europa, de milionário. Ao contrário do Brasil, as mansões nas estâncias imitavam chateaus franceses e castelos ingleses onde servia-se à francesa e mordomos à inglesa atendiam as portas.

O peronismo foi um processo de redistribuição da riqueza do campo nas cidades, especialmente Buenos Aires. Perón, que assumiu plenos poderes em 1946,  passou a controlar a exportação de carne através do IAPI-Instituto Argentino de Promocion del Intercambio e tabelou o preço internamente, de maneira que os operários de Buenos Aires comiam filet mignon todo dia, a riqueza se espalhou e a indústria floresceu especialmente em metalurgia e tecidos.

A comida era tão barata que famílias de funcionários de médio escalão almoçavam todo dia em restaurantes no centro de Buenos Aires. Essa festa durou até 1953, fim da primeira fase do peronismo, quando acabaram as reservas.

A Argentina acumulou imensas reservas durante a Segunda Guerra, era celeiro de carne e trigo da Europa com sua produção interna desorganizada; a Argentina só exportava e não importava, por causa da guerra; acumulou divisas que deram para gastar nos oito anos seguintes.

De crise em crise se arrasta da queda de Perón em 1953 até hoje: a Argentina perdeu o bonde da História mas tinha um capital humano admirável, povo altamente educado: o sistema educacional formado pelo Presidente Domingo Faustino Sarmiento é de excepcional qualidade e se manteve durante todas as crises.

Brasileiros que conheceram a Argentina na década de 50, como eu, levaram um choque ao ver o refinamento das confeitarias em grande quantidade, o povo ultra bem vestido, jornaleiros de terno e gravata, meninos saindo de escolas públicas de blazer estilo londrino; São Paulo era uma aldeia, comparada com Buenos Aires, a Avenida Corrientes com cinemas e teatros colados um ao outro, até as duas horas da manhã as ruas movimentadíssimas com restaurantes e bares funcionando, iluminação farta, uma quantidade enorme de livrarias, mostrando um povo culto e sofisticado.

A  população basicamente europeia, o equipamento urbano em abundância, o metrô de Buenos Aires é de 1914, parques imensos e super bem ajardinados, como Palermo, os edifícios de apartamentos elegantes com estilos Art Nouveau,  Art Deco ou clássico francês, os bairros residenciais no modelo inglês de Olivos e Martinez, palácios residenciais de imensos terrenos com coudelaria para os cavalos.

O ponto de desconexão dessa sociedade que parecia perfeita foi a riqueza excessiva do campo contra a modéstia de vida da classe proletária urbana de Buenos Aires, Córdoba, Santa Fé, Rosário. O peronismo foi uma tentativa de redistribuição dessa renda do campo, mas não soube parar no processo e acabou por descapitalizar o campo.

O grande inimigo do peronismo foi sempre o campo. Perón sabia manejar, Evita não, agrediu o que pode os "terratenientes", expressão da aristocracia rural, o kirchenismo, um puxadinho do peronismo, faltava aos dois Kirchner o carisma do casal Perón; continuaram nessa luta contra o campo, mas Cristina exagerou: em 2013 deixou de abrir a Feira Rural de Palermo, a maior da Argentina, uma exibição mundialmente conhecida, maior que qualquer feira rural brasileira, o que foi tomado como um insulto ao agro argentino. Não precisava ter sido insolente a esse ponto, o campo é que sempre garantiu a economia da Argentina, nenhum Presidente antes deixou de abrir  La Rural. Cristina brigou com todos, com o agro, com a indústria, com o comércio, com os sindicatos, com os EUA, com os bancos, não tinha a mínima capacidade gerencial ou política, o marido era muito mais equilibrado; sem o marido ela perdeu o eixo da sensatez. Os anos Kirchner viram o rebanho de gado de corte cair de 55 milhões de cabeças para 39 milhões, no ranking dos exportadores de carne o País caiu de 2º para 7º lugar, suplantado pelo pequeno Uruguai.

A tarefa de Macri é muito difícil, recuperar a economia argentina é  mais complicado do que relançar a economia brasileira, a Argentina está sem reservas internacionais: apenas 19 bilhões de dólares para um economia de 480 bilhões de dólares é nada, só os compromissos fixos de 2016 são de 27 bilhões.

Mas a eleição de Macri vai mudar vários eixos na América do Sul, Cristina Kirchner tinha conflito com todos os vizinhos e Macri obviamente vai tentar desfazer tantos nós de desentendimentos e já avisou que vai bater de frente com a proto-ditadura venezuelana, muito ligada a Cristina; Chávez comprou bilhões de dólares de bônus argentinos em momentos de crise.

Essa virada afetará toda a América do Sul, com reposicionamento de peças no tabuleiro do xadrez geopolítico. (Fonte: aqui).

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