segunda-feira, 21 de julho de 2014

PERFIL DE UM JORNAL GLOBAL


"Tendo passado mais de um terço de minha vida de jornalista sob ditadura, tenho razões pessoais, além de políticas, para considerar a liberdade de imprensa como um valor supremo. Há um momento, porém, onde uma nuvem de dúvida passa pela minha cabeça. É quando vejo o Jornal da Globo. Aí fica patente o fato de que a opinião pública está sendo empulhada e manipulada numa extensão além de qualquer possibilidade de autoproteção.

Vou citar alguns fatos da última semana. A inflação baixou mas o Jornal da Globo, nas bocas de William Waack e Carlos Alberto Sardenberg, não só não reconheceu isso como antecipou novas altas da taxa básica de juros por causa da inflação. Fizeram isso também quando o Governo Dilma empurrou a taxa de juros para baixo. E intensificaram as pressões por mais juros quando a inflação teve ligeira subida, passando ao grande público a falsa impressão de uma eficácia definitiva entre aumento de juros e queda de inflação.

O avião da Malaysian Air Lines é derrubado sobre a Ucrânia. Aparentemente foi uma ação dos rebelde separatistas do Leste do país, mas nenhuma autoridade internacional, fora da própria Ucrânia, ousou culpar diretamente a Rússia. Exceto o Jornal da Globo. Auxiliado por um mapa, Waack exibiu a fotografia de Putin como a de um bandido que tivesse puxado o gatilho. Na sequência do noticiário, o locutor-comentarista-propagandista apresenta hipocritamente como uma “guerra” entre iguais o massacre israelense na Faixa de Gaza.

O Jornal da Globo não reconheceu a anexação da Crimeia pela Rússia como expressão de uma vontade popular apurada nas urnas. Apresenta a Rússia como uma nação expansionista omitindo o fato inegável de que a instabilidade ucraniana foi produto direto de intervenções ocidentais por razões geopolíticas; ou seja, pelo desejo de apertar o cerco sobre Moscou acrescentando mais um peão nas mais de 700 bases militares mantidas pelos Estados Unidos fora de seu território, a maioria contra a Rússia.

Jornalismo requer um certo grau de neutralidade, não obstante o fato de a neutralidade absoluta não ser possível. Entretanto, a parcialidade extrema através de um bem público como as ondas de televisão é abjeta. Em terminologia militar, condena-se o uso desproporcional de violência (como na atual “guerra” de Gaza). Usar o noticiário de televisão como instrumento de propaganda ideológica, no caso claramente a serviço das posições políticas norte-americanas, é um esbulho da sociedade brasileira pois poucos entre os milhões de telespectadores têm capacidade discricionária alimentada por fontes fora da própria televisão.

Não, não quero censura de Governo. Fiquei farto dela no tempo em que só tinha direito de opinião no Brasil a própria Globo, na medida em que a opinião da ditadura era a opinião dela. Mas torço para que, com a ajuda da Internet, a sociedade imponha à Globo a suprema censura de mudar de canal quando a manipulação ideológica do Jornal da Globo ultrapassar certos limites. Isso é comum nas democracias. Chegará a vez da nossa.

Entretanto, há uma pequena probabilidade de que eu esteja sendo injusto com a instituição Jornal da Globo. O problema talvez seja o caráter de seus locutores-propagandistas. Durante quase um ano, no início dos anos 90, escrevi uma das principais colunas de economia política no Globo, na página 7. Tinha total liberdade de opinião. Jamais Roberto Marinho ou outro dirigente do jornal me disse ou me mandou algum recado para deixar de abordar, ou abordar qualquer assunto. É fácil ver nos arquivos que defendi minhas ideias sem qualquer problema mesmo quando divergia da opinião editorial do jornal.

Isso me leva a pensar: será que Sardenberg, William Waack, Miriam Leitão não estão exagerando nas suas posições de extrema direita para supostamente agradarem seus chefes, quando os chefes talvez se contentassem com menos? Por exemplo: que tal se eles tentassem simplesmente ser mídias em sua acepção semântica, isto é, meios entre os fatos e o telespectador ou leitor, tentando, com honestidade, a imparcialidade possível? Será que seriam repreendidos pelos donos?"




(De J. Carlos de Assis - Economista, doutor em Engenharia da Produção, professor de Economia Internacional na UEPB, autor de mais de duas dezenas de livros sobre a Economia Política brasileira. Post "Os arautos da manipulação ideológica pela televisão" - aqui).

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