Raul.
Cadê o plebiscito para taxar fortunas?
Por Leonardo Sakamoto
Daí eu ligo a TV e vejo uma propaganda partidária propondo um plebiscito para a
redução da maioridade penal – como se até um marisco com problemas cognitivos
não soubesse que, posta em votação, a medida teria amplo apoio por aqui.
Pesquisas já apontaram que mais de 90% dos consultados toparia encarcerar a
molecada com 16 anos ou mais no intuito de viver em uma sociedade mais “justa''
e “segura'' (sic).
A propaganda é transmitida no momento
em que estão rolando acalorados debates sobre as propostas de novas (e
insuficientes, a meu ver) ferramentas de participação social por parte do
governo federal. Como já disse aqui, é um debate entre incluir mais atores na
política ou ficar com o cheiro de naftalina dos mesmos de sempre.
Mas é
interessante como muitos políticos que só toleram suor de povo a cada quatro
anos gostam de encher a boca para falar de plebiscito, exortando a possibilidade
de trazer o povo para decidir uma questão.
O que é uma falácia que até a
ostra supracitada não teria problemas em entender.
Porque não são todos
os temas que esses arautos da democracia propõem que sejam levados a escrutínio
público, mas apenas aqueles que mais interessariam a determinados grupos no
poder. Percebendo o apoio popular a determinada medida, empolgam-se para colocar
em votação porque isso legitimaria a sua posição.
Mas, aí, temos um
problema. Uma democracia verdadeira passa pelo respeito à vontade da maioria,
sim, desde que garantindo a dignidade das minorias.
Até porque, como
sabemos, a maioria pode ser avassaladoramente violenta. Se não forem garantidos
os direitos fundamentais das minorias (e quando digo “minoria”, não estou
falando de uma questão numérica mas, sim, do nível de direitos efetivados, o que
faz das mulheres uma minoria no país), estaremos apenas criando mais uma
ditadura.
A população pede um misto de Justiça e de vingança com as
histórias de violência. Olho por olho, dente por dente. Afinal de contas, aquele
bando de assassinos da Fundação Casa (que não reintegra, apenas destrói) deveria
é ser transferido para a prisão e apodrecer por lá, não é mesmo? Não importa que
apenas 0,9% dos jovens internados na antiga Febem estão envolvidos com
latrocínios. Se a gente diz que a culpa é deles, é porque alguma coisa fizeram
de errado.
O problema é que não há debate público decente sobre a
questão, em que haja tempo e calma para colocar todos os pontos relacionados e
tirar uma decisão. O que temos é gente gritando simplismos na TV e na internet,
que não colaboram para evoluirmos no tema, mas sim para cristalizar
preconceitos.
E é impossível tomar uma decisão racional sobre um assunto
sem informação suficiente sobre ele. Por que ao comprar uma TV você pesquisa a
fundo sobre as possibilidades e ao opinar sobre um assunto de vital importância
para a sua vida você simplesmente compra a posição corrente ou confia em um
analista qualquer (inclusive este que vos escreve)?
É por isso que as
ferramentas de participação popular devem incluir instâncias de debates e
construção coletiva. A ideia é trazer a sociedade para a discussão e não
transformá-la em ferramenta descartável para benefício de alguns.
Nessas
horas me pergunto se estamos prontos para baterias de consultas públicas. Porque
ao jogar para a massa, a dignidade de um grupo pode ir para o
chinelo.
Pois o processo é contaminado uma vez que não são minorias as
responsáveis por fazerem as perguntas levadas à consulta, mas, pelo contrário,
quem está no poder.
A maioridade penal, o direito ao aborto e à
eutanásia, a descriminalização da maconha, se levadas a plebiscito, hoje,
perderiam.
Mas, olhe que interessante: a taxação de grandes fortunas, a
auditoria na dívida brasileira além de algumas medidas bastante severas para
distribuição de riqueza certamente ganhariam.
Agora me digam: qual grupo
de perguntas estaria mais perto de ir a uma consulta? Por quê? (Fonte: aqui).
quinta-feira, 17 de julho de 2014
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