quarta-feira, 11 de julho de 2012

OS MORTAIS COMUNS E OS SONEGADORES


Por que os ricos são diferentes de nós

Por Paulo Nogueira


Fitzgerald famosamente disse que os ricos são diferentes de nós.

É verdade.

A diferença é que rico não paga imposto.

Globalizada como tudo nos dias de hoje, a sonegação dos milionários é imoral, mas legal, preparada por especialistas em planejamento fiscal que sabem exatamente o que fazer. Quase sempre o expediente são os chamados paraísos fiscais.

Nos últimos trinta anos, os paraísos proliferaram – e há um vínculo entre isso e a falta de caixa de muitos países. Lembremos: na raiz da tragédia econômica da Grécia está exatamente a prática disseminada de não pagar impostos, uma coisa que vem conquistando adeptos ricos em todo o mundo.

Um episódio tragicômico ilustra exemplarmente o estado das coisas na Inglaterra de hoje.

O primeiro ministro David Cameron condenou publicamente o esquema – legal — utilizado por um comediante de sucesso, Jimmy Carr, para não pagar imposto. Detalhe: Carr fazia piadas ácidas sobre sonegadores.

Bem, Carr, depois de inicialmente dizer em tom desafiador que pagava o que tinha que pagar e nada mais, admitiu em seu twitter ter cometido um “terrível equívoco”. Não ficou claro se vai pagar o que deve, mas afirmou que jamais fará de novo o que fez.

Dias atrás, o jornal Guardian revelara que o mesmo Cameron tinha uma história familiar pouco edificante no capítulo dos impostos: seu pai, já morto, recorrera a paraísos fiscais para que a herança dos filhos fosse menos taxada. Mais uma vez, tudo dentro da lei. (O pai de Cameron se aproveitou de uma medida de Thatcher, esta sim, criadora de uma herança maldita, só comparável à legada por Reagan. Thatcher isentou de taxa transferência de dinheiro da Inglaterra para outras partes.)

Bem, à míngua, as autoridades querem que pensionistas, viúvas etc paguem a conta. Já que não conseguem conter a evasão legal, cortam nos benefícios sociais.

Chega um momento em que a paciência dos 99% explode – e aí começam os protestos que temos visto em tantos locais nos últimos meses.

Ao longo da história tem sido assim. Na Inglaterra do começo dos anos 1300, por exemplo. A monarquia de Ricardo II decretou que todas as pessoas que trabalhavam nas terras da aristocracia tinham que pagar um imposto adicional a partir dos 13 anos.

Um coletor foi à casa de um ladrilhador (tiler, em inglês) chamado Wat para fazer a cobrança. O funcionário exigiu que a filha de Wat pagasse o devido. Só que ela não tinha 13 anos ainda, avisou a mãe. As duas foram agredidas, e os gritos chegaram a Wat, que estava nas imediações da casa. Ele correu para ver o que estava acontecendo e, ao ver o que estava acontecendo com as duas, matou o cobrador. “Fez o que todo homem faria ao ver sua mulher e sua filha serem atacadas”, escreveu Dickens em sua História da Inglaterra.

Começaria aí uma revolta durante a qual Londres foi sitiada por miseráveis liderados por Wat Tiler (como ele passou para a história). Foi o primeiro grande levante inglês dos trabalhadores. Tiler foi morto traiçoeiramente num encontro marcado com Ricardo II durante o qual teoricamente seriam chanceladas formalmente as reivindicações – “todas perfeitamente razoáveis”, escreveu Dickens, como o fim do trabalho escravo. Dickens se refere com desprezo aos “bajuladores” que louvaram a morte de Tiler, e termina suas linhas sobre o episódio dizendo que entre o homem simples que era o ladrilhador e o monarca não tinha dúvidas sobre quem tinha mais estatura moral.

No capítulo dos impostos, não mudou muita coisa de lá para cá senão na sofisticação dos métodos de sonegar. Assalariados e pobres em geral pagam imposto. Ricos fazem planejamento fiscal.

Nos dias de hoje, quando um governo fala em cercar a evasão, logo aparecem ameaças de “emigração de capital”.

Ah, é assim? Então vamos embora.

No final dos anos 1990, um presidente da Fiesp dizia que 800 000 ricos brasileiros deixariam o Brasil caso Lula virasse presidente.

Gostei do que disse uma uma revista francesa. Ricos franceses disseram antes das eleições que iriam para a Inglaterra caso o socialista Hollande vencesse, por causa do aumento dos impostos. (Como se interessasse a qualquer país acolher milionários cuja causa é não pagar imposto.)

“Pois fazem muito bem”, escreveu a revista. “Vocês têm a cara do Cameron.”

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Chamava-se Mario Amato o presidente da Fiesp que no final dos anos 1990 afirmou que 800.000 empresários (ricos, claro) brasileiros deixariam o Brasil caso Lula virasse presidente.

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