sexta-feira, 13 de julho de 2012

AUSTERIDADE: PECADORES POUPADOS

Ilustração: Haja de Reijger.

O inútil altar de sacrifícios

Por Clóvis Rossi

As políticas de austeridade rígida fizeram aumentar o desemprego, mas a dívida não diminuiu


E a Espanha também aceitou ser açoitada pelos seus pares europeus, nesse altar de sacrifícios em que se transformou a política de ajustes imposta pela crise.

Mariano Rajoy, o presidente do governo, anunciou (...) um pacote de € 65 bilhões até 2015, entre cortes de gastos e aumento de impostos, condição exigida pela União Europeia para resgatar os bancos espanhóis encalacrados.

Resolve alguma coisa? Do ponto de vista social, está evidente que os ajustes até agora implementados só causaram dor.

O desemprego já atingiu um recorde obsceno e, pior, vai aumentar, segundo os cálculos da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico. Em 2013, subirá para 25,3%, algo mais que os 24,5% previstos para este ano.

Não obstante, o pacote ontem anunciado reduz o valor do seguro-desemprego a partir do sétimo mês, o que acrescenta sadismo ao massacre social em curso desde o governo do socialista José Luis Rodríguez Zapatero.

Resolve do ponto de vista político? Os socialistas foram triturados nas urnas, mas seu sucessor, conservador, já o está sendo nas pesquisas: 65% desaprovam sua gestão e 78% dizem ter pouca ou nenhuma confiança no seu taco, conforme levantamento que "El País" publicou domingo. E olhe que Rajoy foi eleito faz apenas oito meses. Já está desmoralizado.

Resolve pelo menos do ponto de vista da saúde das contas públicas, preocupação obsessiva e única dos governantes europeus, só recentemente temperada pela eleição de François Hollande e sua defesa do crescimento, além da austeridade?

Tampouco, como se lia ontem em artigo de Jamil Baz, estrategista-chefe de um desses fundos de investimento de risco, para o "Financial Times".

Começa com um toque religioso, ao dizer que "às vezes é possível acreditar que o sofrimento vale a pena" e que "a era de austeridade em que supostamente vivemos tem um tipo de qualidade redentora".

Pois não tem, não, acrescenta: "Depois de cinco anos [desde o início da crise], estamos pior do que quando começamos".

Mas, atenção, ele não está falando do desemprego na Espanha (ou na Grécia ou no resto do mundo desenvolvido). Esse tipo de detalhe sórdido interessa pouco ou nada a agentes de mercado.

Está falando da dívida, cuja redução é o Santo Graal da austeridade: a dívida subiu de uma média ponderada de 381% do Produto Interno Bruto em 2007 para 417% nas 11 economias que mais estão no microscópio do mercado (Alemanha, Canadá, Espanha, Estados Unidos, França, Grécia, Irlanda, Itália, Japão, Portugal e Reino Unido).

Não é preciso ser PhD em Harvard ou outra grife acadêmica para desconfiar que alguma coisa está profundamente errada com essas políticas. Um erro de origem, aliás: a crise não foi provocada pelo mau comportamento dos governos que gastaram ou se endividaram demais, mas pelo sistema financeiro, suas aventuras e seus trambiques (vide o caso recentíssimo da fraude com a Libor). Logo, açoitar governos e sociedades, deixando solta a banca, é poupar os pecadores.

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Operações com os tais derivativos (espécie de 'jogatina do mercado futuro'), hipotecas fajutas, as mais diversas aventuras e trambiques: o sistema financeiro se locupletou, e suas cúpulas, até mesmo depois do desastre e das sucessivas operações de socorro postas em prática pelos governos, continuaram a receber polpudos bônus. Quanto ao sufoco das empresas e trabalhadores em geral, trata-se de situação irrelevante para os bancos, pois os governos jamais permitirão a quebra das instituições que não podem quebrar (o famoso risco sistêmico), independentemente da origem dos rombos (operações sadias e/ou transações especulativas).

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