domingo, 3 de abril de 2011

MENSALÃO, O RETORNO


Para entender a matéria da Época

Luis Nassif

Um dos princípios jornalísticos mais sagrados à velha mídia é o do gancho – ou seja, uma matéria sai quando tem algum fato novo que justifique sua publicação.

Com poucas novidades, trata-se de um "cozidão". O lide da matéria está no pé.

"As provas reunidas pela PF constituem a última esperança do ministro Joaquim Barbosa e da Procuradoria-Geral para que o Supremo condene os réus do mensalão. Nos últimos anos, as opiniões dos ministros do STF sobre o processo modularam-se ao ambiente político – que, sob a liderança simbólica e moral do ex-presidente Lula, fizeram o caso entrar num período de hibernação. Alguns ministros, que em 2007 votaram por acatar a denúncia do Ministério Público, agora comentam reservadamente que as condenações dependem de "mais provas". Hoje, portanto, o Supremo se dividiu. Não se sabe o desfecho do processo. Sabe-se apenas que, quanto mais tempo transcorrer, maior a chance de absolvição dos mensaleiros. Se isso acontecer, a previsão feita por Delúbio Soares, num passado não tão remoto, num país não tão distante, vai se materializar: o mensalão virará piada de salão. Será o retorno da ficção: era uma vez um país sério".

É aí que a matéria se entrega. O que a matéria tem de novo, não é relevante; o que tem de relevante, não é novo. E isto faz toda a diferença.

Segundo a revista, as informações constam do relatório adicional solicitado pelo Ministro Joaquim Barbosa à Polícia Federal.

Há que se conferir melhor, mas as informações novas são as seguintes:

1. O aparecimento de um filho de Marco Maciel na história.

2. A inclusão da filha de Joaquim Roriz.

3. A inclusão de Aécio Neves, em algo que não tem nenhum desdobramento maior: uma cota de patrocínio de um evento que existiu, aconteceu e foi pago. Um factóide.

Todos os demais fatos, anunciados bombasticamente pela Época, são antigos e provavelmente já constam do inquérito inicial, que serviu de base para instruir o relatório de Joaquim Barbosa. A saber:

1. O caso do segurança de Lula. Matéria de 2006, do Estadão.

2. Os assessores de Pimentel, demitidos por ele na época.

3. O financiamento da festa de posse de Lula e outras despesas de campanhas, admitidas publicamente por Delúbio Soares.

Ou seja, os fatos retumbantes são velhos; e os fatos novos são irrelevantes. Se todos os fatos relevantes já estavam no relatório de Joaquim Barbosa, qual a razão para o "cozidão"? O fato de, segundo o Estadão, a denúncia de Barbosa provavelmente ser rejeitada pelo STF, por inepta.

Dias atrás o Estadão publicou matéria dizendo que o julgamento do "mensalão" não daria em nada. A matéria é do repórter Felipe Recondo, do dia 27 de março passado.

Sob o título "Pressões no STF criaram ilusão de condenação", a matéria diz que na época a denúncia de Joaquim Barbosa foi aceita na íntegra, passando a impressão de que não tinha furo, devido à matéria do Globo, sobre a troca de mensagens entre os Ministros Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia. Ocorre que tinha muitos furos.

Diz a matéria do Estadão:

"Quando essa suspeita foi divulgada, houve um clima de constrangimento. O julgamento ficou pasteurizado. De acordo com integrantes da Corte, nenhum ministro sentiu-se à vontade para discutir à exaustão cada ponto da denúncia. O melhor a fazer, disse ao Estado outro integrante do STF, era acelerar a conclusão do julgamento em favor da abertura da ação.

Nesse cenário, o relator do processo, ministro Joaquim Barbosa, teve o trabalho facilitado. A denúncia foi recebida praticamente na íntegra e criou a impressão de que a investigação não tinha furos. Hoje, ministros dizem que vários pontos do inquérito seriam derrubados facilmente se o julgamento tivesse transcorrido em clima de normalidade".

Na outra retranca – "Ônus de absolvição será maior para Barbosa" a matéria diz:

"É unanimidade entre os ministros do Supremo que, dos 38 réus que serão julgados, poucos serão os condenados. Como responsável pela ação penal, o ônus de absolver figuras-chave do esquema do mensalão poderá recair, em última instância, sobre Joaquim Barbosa.

Quando o processo chegar ao fim, será preciso lembrar, por exemplo, que o Ministério Público, responsável por produzir as provas necessárias para a condenação, pode ter falhado. Ou que o Supremo Tribunal Federal tem como fundamento a abnegada proteção do indivíduo ante os Poderes - o que no jargão jurídico é definido como garantismo. Assim exige provas cabais para condenar alguém e não aceita uma condenação mesmo que as evidências sejam claras. Ou ainda que a denúncia recebida em 2007 já podia esconder furos, mas que o STF preferiu não atacá-los naquele momento".

O que provavelmente aconteceu? Para requentar o tema, passaram-se algumas informações adicionais para Época que – seguindo o velho modelo de Veja – requentou o cozidão, procurando criar um fato novo. A intenção é criar novo constrangimento entre os ministros.

Ilustração: antiga charge de Glauco.

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