segunda-feira, 4 de abril de 2011
TWITTER, JORNALISMO E DEMISSÃO
Da ombudsman da Folha de S. Paulo, Suzana Singer:
A BLOGOSFERA dá a qualquer um a chance de divulgar o que passa pela sua cabeça a todo momento. No jornalismo, sem o filtro da edição, essa modernidade tem sido uma fonte de problemas. Na quarta-feira passada, após o anúncio da morte de José Alencar, havia no Twitter:
Repórter da Folha: "Nunca um obituário esteve tão pronto. É só apertar o botão."
Repórter do Agora: "Mas na Folha.com nada ainda... esqueceram de apertar o botão. rs" (risos)
Repórter da Folha: "Ah sim, a melhor orientação ever. O último a dar qualquer morte. É o preço por um erro gravíssimo."
Um diálogo ruim, de todos os pontos de vista. É insensível jogar na cara do leitor que há obituários prontos à espera do momento de publicação. Não faz sentido um jornalista criticar, publicamente, um site da mesma empresa. E não deixa de ser desagradável lembrar um problema recente -a divulgação errada, pela Folha.com, da morte do senador Romeu Tuma.
Em janeiro, um fotógrafo colaborador do "Agora", que cobria as eleições para presidente do Palmeiras, escreveu: "Enquanto os porcos não se decidem poderiam mandar mais lanchinhos e refrigerante para a imprensa que assiste ao jogo do Timão na sala de imprensa". A reação foi rápida e violenta: ele apanhou de seguranças do time.
É difícil convencer jornalistas de que suas contas no Twitter, Facebook ou Orkut não podem ser encaradas apenas como pessoais. O repórter é seguido, curtido, recomendado, também como um representante do lugar em que trabalha.
Em um comunicado de 2009, que merece ser atualizado, a chefia da Redação lembrava que todos devem seguir os princípios do projeto editorial quando estiverem on-line.
Seria bom esmiuçar isso. Jornalista não pode declarar voto político, xingar artistas, amaldiçoar o time de futebol rival, bater boca com leitores, expressar preconceito nem tentar obter vantagem pessoal (reclamar, por exemplo, do mau atendimento num restaurante para que saibam que ele é da imprensa).
É muito limitante, mas o repórter precisa considerar que amanhã poderá ser cobrado por uma opinião "inocente". Em um plantão, alguém de Esporte pode ser designado para entrevistar determinado político. E se ele tiver postado, dias antes, que o sujeito é um "corrupto contumaz"?
Quem mais luta pela liberdade de expressão precisa restringir a própria para não perder a razão.
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EMAIL ENVIADO PARA A OMBUDSMAN:
Oi, Suzana. Tudo bem?
Sou a repórter do Agora que você citou na crítica interna de ontem.
Escrevo porque gostaria de entender melhor qual foi a sua interpretação sobre a troca de mensagens no twitter. O que havia de tão nocivo ao jornal naquilo?
Até o Comunique-se fez matéria sobre o fato da Folha.com ter demorado tanto a dar a notícia da morte do Alencar.
Você não acha hipocrisia o jornal negar - ou censurar comentário sobre o tema - que depois da notícia errada sobre a morte do Tuma os cuidados foram redobrados? Nada mais natural.
Mais hipocrisia ainda é um jornal que zela tanto pela liberdade de expressão, que diz não admitir qualquer tipo de censura, praticar a mesma censura contra seus funcionários. Me lembro que o manual de redação diz alguma coisa como "somos abertos a críticas". Sério? Não conheço ninguém que tenha criticado a Folha e não tenha sofrido represália.
Estou sendo bem honesta quando digo que não entendi o que pode ter de tão grave naquelas três postagens, para culminar com a minha demissão e também do meu amigo, Alec. As mensagens não tiveram repercussão nenhuma, com exceção da sua crítica. Ninguém retuitou, nenhum leitor se sentiu ofendido. Nada. Diferente de outros casos de twitter que culminaram em demissão (diretor da Locaweb xingando o clube que a empresa patrocina, o fotógrafo do Agora sendo agredido no Palmeiras, a estagiária de direito que xingou nordestinos etc).
Preciso compreender isso até porque acho o trabalho de ombudsman muito importante, fundamental, aliás, nessa época de jornalismo com a credibilidade tão discutível. Minha mãe foi uma das primeiras ombudsmans do país, numa época em quase nenhuma empresa tinha a função. Ela não é jornalista - ela foi ombudsman por mais de 10 anos numa grande empresa de segurança privada. E eu tenho muita admiração pela função, independentemente do setor no qual ela é praticada.
Além disso, sou casada com um jornalista, com mais de 20 anos de profissão que, além de ainda ser atuante em redação, também é professor de faculdade de comunicação. Em casa sempre discutimos muito sobre todas as teorias do jornalismo, os meandros da profissão, o que se ensina em sala e o que se faz de verdade na redação. E nem ele conseguiu enxergar motivos para essas mensagens culminarem numa crítica tão dura e em demissão. Talvez valesse uma advertência, uma orientação do jornal. Afinal, em que parte da balança entram os serviços prestados, as horas de dedicação a essa redação? Será que um comentário daquele desqualifica totalmente o profissional?
E nessa história toda, me veio à mente um trecho de um livro muito bom do Eugênio Bucci, quando ele tinha um outro discurso diferente do que ele prega hoje, e que podia ser alvo da sua reflexão enquanto crítica do jornal. O livro chama-se Sobre Ética e Imprensa. No capítulo 2, intitulado "A síndrome da auto-suficiência ética", ele tenta explicar por que a imprensa gosta tanto de discutir a ética dos outros, mas não discute a sua. "É como se a imprensa proclamasse: minha função é informar o público, mas os meus valores não estão em discussão, os meus métodos não são da conta de mais ninguém - eles são bons, corretos e justos por definição." (Fonte: blog de Luis Nassif).
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