Enquanto aguardamos o domingo 3 de outubro para tirar a limpo a questão eleitoral, constatando o grau de pertinência ou de manipulação de institutos de pesquisa e órgãos de imprensa, curtamos o texto abaixo, do notável Ivan Themudo Lessa, brasileiro há décadas radicado na Inglaterra, que evoca, entre outros, dupla marcante da Jovem Guarda:
Outono, umas coisas puxam outras
Ivan Lessa
Colunista da BBC Brasil
Outono e, além de seu longos violinos, como queria o poeta gaulês, outros lugares-comuns vão caindo docemente ao chão após se lançarem das árvores que, na primavera e no verão, lhes deram vida e vigor, as folhas.
Por falar em lugar-comum… Passou perto de mim, eu fuzilo. Fui ao pódio pegar medalha dos anos 65 a 73 na modalidade essa, a do lugar-comum. Depois veio o depois, sucedendo-se como as estações do ano – dos trens, do metrô -, e eu fui envelhecendo e perdendo a forma.
Hoje, sou uma sombra do que fui. Uma pálida sombra, como só ela sabe. Dou a quem me lê o conselho que dou aos poucos que ainda têm paciência para ouvir minha lenga-lenga no pub e nos cafés pseudo-italianos que proliferam nesta Londres cada vez mais… mais pseuda, ora!
Na verdade, eu ia escrever sobre a dupla Leno e Lilian, que tanto sucesso fez nos anos 60. A vida nos reserva certas surpresas. Nem todas desagradáveis. Leno e Lilian eram uma lembrança agradável. Fui ao YouTube, vi e ouvi os dois.
Aquela versão do Something Stupid, Coisinha Estúpida, que na gravação original do Sinatra com sua filha Nancy era um convite à exegese – vá lá que seja, não exageremos – um convite à in-ter-pre-ta-ção freudiana, deixava a quem a ouvia um travo amargo no ouvido, se tal coisa é possível. Era, e não meço palavras, incesto puro, sejamos francos. Ao passo que na interpretação de Leno e Lilian o simpático fox ganha uma tonalidade agradabilíssima ao paladar (com a mesma ressalva: se tonalidade puder ser agradável ao paladar…).
Depois consultei a Wikipédia, um hábito recente, para saber que fins levaram os dois. Ao que parece, Lilian, cujo sobrenome era e é Knapp, continua a atuar nos meios artísticos com o nome de Lil Knapp. Nada de seu no sítio vídeo-musical, mas creio que só pode ser coisa boa. Não me cairia no cocoruto esta outonal folha do passado se nela não também não eivasse uma boa parte daquilo que se foi, e se volta faz, é em sítio da internet, que, digam o que disserem, tem suas vantagens.
Uma coisa puxa outra e eu comecei a cantarolar mentalmente (não devo chatear os colegas que labutam na mesma sala onde bato no aparelho minhas sandices) Banho de Lua. Celly (née Célia) Campello, sim, senhor.
Seu grande sucesso virou, no Brasil, nome de cachaça. Sei-o e peiteio-o e mamo-o também, porque o juiz Ramayana de Chevalier, responsável pela geração já pouco espontânea, de um grande amigo meu, o lendário Ronald Chevalier, vulgo (embora nada de vulgar houvesse na figurinha dificílima) “Roniquito”, uma brilhante granada sem pino que rolou pela Zona Sul do Rio durante algumas décadas, o juiz Ramayana, dos anos 50 anos 80, deixou tudo, inclusive a casa com mulher e 3 ou 4 filhos e foi para o Pará tentar a sorte grande com a cachaça a que deu o nome – como eu ia dizendo antes de me estender como sempre – de Banho de Lua.
Quebrou a cara. Voltou, no entanto, com a cabeça e a inda mais o queixo erguido, o que sempre foi característica do clã Chevalier. “O Brasil e o mundo não estão preparados para a minha extraordinária poção. Por toda parte reina a aleivosia.” Cito de memória. Mas os Chevalier falavam assim. “Aleivosia” era o de menos. Saudades deles também. Ao menos, o bom Ramayana não deu o nome do outro grande sucesso de Celly, também uma versão, Estúpido Cupido, à sua iniciação nas artes da destilaria.
Uma coisa puxa outra. Puxa! Como puxa! Principalmente quando se chega aos – não, não direi o número de outonos que enfrentei e me enfrentaram ao longo da vida. Sobrou pouco. Um pouco, no entanto, que me satisfaz, eu que passo os dias a sentar.
E será pouco mesmo se, quando menos espero, surgem-me, principalmente nesta estação, no arquivo rotulado “Memórias”, do modesto computador que se esconde em minha mente, esplêndidas pessoas como Leno, Lilian, Celly Campello, Roniquito, Ramayana?
Tenho a absoluta certeza que não. Viver é divagar, é tergiversar. Divaguemos, pois. Tergiversemos, então. Vive-se apenas uma vez, para traduzir do inglês outro lugar-comum e encerrar os trabalhos de hoje com fecho, se não de ouro, ao menos de alumínio.
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