quinta-feira, 18 de agosto de 2016

DA SÉRIE CERTAS PALAVRAS


Data venia, ministra Cármen Lúcia...

Por Pasquale Cipro Neto

Na sessão de 10.ago, o atual presidente do STF disse o seguinte: "Então eu concedo a palavra à eminente ministra Cármen Lúcia, nossa presidenta eleita... Ou presidente?". A resposta da ministra foi esta: "Eu fui estudante e eu sou amante da língua portuguesa, eu acho que o cargo é de presidente, não é não?". 'Data venia', Excelência, o cargo é de presidente ou presidenta.

Essa questão atormenta o país desde que Dilma Rousseff venceu a primeira eleição e disse que queria ser chamada de "presidenta", porque, para ela, a forma feminina acentua a sua condição de mulher, a primeira mulher a presidir o país.
Esse argumento me parece frouxo e um tanto infantil. O que acentua o fato de Dilma ser mulher é justamente o fato de ela ser mulher, mas respeito a escolha dela e os que acham justo esse argumento.

O que não se pode, de jeito nenhum, é ditar "regras" linguísticas totalmente desprovidas de fundamento técnico, mas foi justamente isso o que mais se viu/ouviu/leu desde que Dilma manifestou a sua preferência por "presidenta", forma que não foi inventada por ela.

Na bobajada que se lê na internet, o argumento mais frequente é justamente o da inexistência de "serventa", "adolescenta" etc., como se a língua fosse regida unicamente por processos cartesianos.

Não é, caro leitor. Se assim fosse, não teríamos como fatos consagrados inúmeros casos que nem de longe seguem a lógica. Ou será que no padrão culto se registra algo como "Fulano suicidou"? Pela "lógica", seria essa a forma padrão, mas...

A língua não funciona assim. Um exemplo: às vezes, o falante não tem noção histórica da formação de um termo e acrescenta algo que "ressuscite" o seu sentido literal. É isso que explica, por exemplo, a pronominalização de "suicidar" ("Ele se suicidou", "Tu te suicidarias?"). O verbo não é "suicidar"; é "suicidar-se". Pode procurar no "Houaiss" etc.

A terminação "-nte", que vem do particípio presente latino, forma (em português e em outras línguas) adjetivos e substantivos que indicam a noção de "agente" ("pedinte", "caminhante", "assaltante").

99,9999% desses termos não têm variação; o que varia é o artigo ou outro determinante (o/a viajante, o/a estudante, nosso/nossa comandante), mas é claro que há exceções.

Uma delas é justamente "presidenta", registrada há mais de um século. Na sua edição de 1913, o dicionário de Cândido de Figueiredo registra "presidenta", como "neologismo". Um século depois, esse "neo-" perdeu a razão. A edição de 1939 do "Vocabulário Ortográfico" registra o termo. A última edição de cada um dos nossos mais importantes dicionários e a do "Vocabulário Ortográfico" também registram.

Deve-se tomar muito cuidado quando se usa como argumento o registro num dicionário. Nada de dizer que "a palavra existe porque está no dicionário"; é o contrário, ou seja, a palavra está no dicionário porque existe, porque tem uso em determinado registro linguístico.

Tenho profundo respeito pela ministra Cármen Lúcia, não só pela liturgia do cargo, mas também e sobretudo pela altivez com que o professa. Justamente por isso, ouso dizer que teria sido melhor ela ter dito simplesmente "Prefiro presidente".

Aproveito para lembrar que não tenho feicibúqui, tuíter, instagrã etc., portanto toda a bobajada internética a mim atribuída é falsa. É isso. (Fonte: AQUI).

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Fascinantes são as palavras. Garimpá-las, estar sempre atento a elas. Este blog, desde priscas eras, a elas dedica uma série específica. De quando em vez, pinta um post.

Há um bom tempo, o assunto abordado pelo professor Pasquale foi objeto de discussão, algumas das quais permeadas de desprezo à presidenta (prefiro presidente), mas o texto do articulista põe, esperamos que definitivamente, as coisas no lugar.

Fernando Brito, AQUI, não se limitou ao equívoco da ministra: foi além - e com muita propriedade.

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