domingo, 28 de agosto de 2016

O JULGAMENTO DE DILMA ROUSSEFF, PARTE 7


O julgamento de Dilma: a conspiração do golpe

Por Raimundo Rodrigues Pereira

1. É domingo, 28 de agosto. Na quinta, sexta e ontem foram ouvidas sete testemunhas na fase final do processo de impeachment da presidente da República. Amanhã esta etapa termina com o testemunho da própria Dilma Rousseff, que irá ao plenário do Senado para apresentar sua defesa e responder às perguntas dos senadores. A previsão é de o julgamento terminar até quarta, dia 31, tendo cada um dos 81 senadores respondido sim ou não à seguinte questão, a ser formulada pelo condutor dos trabalhos, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski: “Cometeu a acusada, a senhora presidente da República, Dilma Vana Rousseff, os crimes de responsabilidade correspondentes à tomada de empréstimos junto a instituição financeira controlada pela União (art. 11, item 3, da Lei 1079/50) e à abertura de créditos sem autorização do Congresso Nacional (art. 10, item 2, da Lei 1079/50) que lhe são imputados e deve ser condenada à perda de seu cargo, ficando, em consequência, inabilitada para o exercício de qualquer função pública pelo prazo de oito anos?” Com 54 ou mais votos pelo sim, a presidente é afastada. Com 28 votos ou mais, somando o não, ausências e abstenções, Dilma Rousseff volta imediatamente ao cargo.

O julgamento, como se sabe, não é político, apenas; é também jurídico. Como se viu a acusação enquadra Dilma Vana Rousseff em dois itens específicos, de dois artigos – 10 e 11 – da Lei 1079, que estipula os “crimes de responsabilidade” da presidente da República. E, em princípio, foi o cometimento desses crimes que se tentou provar, ou negar, nas duas sessões de coleta de provas: a que se realizou no plenário do Senado no fim de semana que passou e praticamente terminou ontem, deixando de lado, por enquanto o testemunho da presidente; e a levada a cabo entre 8 e 29 de junho, na Comissão Especial de Impeachment (CEI), formada por 21 senadores e 21 suplentes. Que balanço se pode fazer dessa etapa dupla de coleta de provas?
Em primeiro lugar se deve dizer que ela foi, no mínimo, curiosa. Pela seguinte razão: no julgamento de crimes, que é o caso, quem acusa tem de provar a existência do crime e sua autoria; e, neste julgamento, coube à defesa a tarefa, original, de provar que o crime não existiu. Na primeira fase da oitiva de testemunhas, na CEI, a defesa apresentou 36 testemunhas; a acusação só duas. Todas as 36 da defesa mostraram, exaustivamente, que todos os procedimentos do governo tinham sido os mesmos de sempre, que nunca tinham sido contestados antes, na década e meia de existência da famosa Lei de Responsabilidade Fiscal – inúmeras vezes citada nos debates como uma das mais importantes do País – e das modificações introduzidas por ela na antiga lei dos crimes da presidência da República, a 1.079, de 1950.
Ainda nessa fase inicial, das quatro testemunhas do juízo, como se diz no linguajar das cortes, no caso escolhidas pelo então juiz, o presidente da CEI, Raimundo Lira (PMDB-PB), apenas uma – Leonardo Rodrigues Albernaz, auditor chefe da Semag, Secretaria de Macroavaliação Governamental do Tribunal de Contas da União, de certo modo seguiu o caminho de Júlio Marcelo de Oliveira, o promotor público junto ao TCU – e,  como já se viu nos capítulos anteriores, o grande defensor da argumentação pro-impeachment. Não por acaso, Júlio Marcelo e um auditor, Antônio D´Ávila, da Secex, Secretaria de Controle Externo do TCU, foram as duas únicas testemunhas da acusação naquela fase. Nessa última etapa das provas, do último fim de semana, Júlio Marcelo e D´Ávila foram, novamente, as duas únicas testemunhas dos acusadores. Eles confirmaram todas as acusações que tinham feito antes à presidente. Mas, dadas as circunstâncias que exporemos a seguir, tiveram de ir além: de certo modo, expuseram o que nos parece ser o fio do novelo de interesses que construiu a trama do impeachment.
Em segundo lugar devemos dizer que a presença do presidente do Supremo na condução do processo, nesta segunda etapa de apresentação de testemunhas, tornou a qualidade do espetáculo do plenário um pouco melhor do que a das sessões comandadas por Lira, o presidente da CEI. De fato e de direito, os poderes de Lewandowski são maiores que os de Lira. O senador paraibano, pode-se dizer, fez o máximo para se mostrar imparcial. De fato, porém, não tinha essa condição: poucas coisas ele podia decidir por sua própria consciência. Eleito pela bancada pro-impeachment, estava inarredavelmente amarrado a ela: mesmo a coisas elementares, como a de aceitar a realização de uma perícia nos documentos das ações presidenciais questionadas, ele não decidiu sozinho. Pediu o voto da maioria, que obviamente era contra. E se opôs à perícia, apoiado no bloco antidilma. Apenas a intervenção de Lewandowski, após recurso dos dilmistas, garantiu a perícia. E mais ainda, no mesmo caso, quando surgiram evidências clamorosas de que um dos peritos escolhidos era militante do movimento anti-Dilma, Lira não o destituiu, apenas o rebaixou da condição de chefe e o manteve na trinca de escolhidos para a tarefa.
A posição de Lewandowski é outra. Ele não é, por dever de ofício, alinhado com nenhuma das partes. Como disse bem, ao falar na abertura do julgamento, teria a tarefa até mesmo de impugnar, não apenas as considerações, mas as próprias perguntas feitas pelos senadores que fugissem ao objeto do processo em discussão. E foi com essa autoridade que ele rebaixou a qualificação do depoimento de Júlio Marcelo e, dada a gravidade dos fatos confessados por D´Ávila, deixou aberta para a defesa a possibilidade, inclusive, de anular o seu testemunho. Como isso aconteceu? É o que se verá em seguida.
2. No seu depoimento na tarde de quinta-feira, Júlio Marcelo confirmou todas as acusações que fez antes, na CEI, contra a presidente Dilma Rousseff, considerando-a culpada dos dois tipos de crime de responsabilidade que lhe são atribuídos, o da tomada de empréstimos de bancos públicos pelo governo federal e o de assinar decretos de suplementação de créditos orçamentários sem autorização do Congresso Nacional. Mas não depôs na condição de testemunha, mas na de informante. Qual a diferença? A testemunha é obrigada ao juramento de dizer a verdade e então pode ser punida em caso de desrespeito a esse compromisso. Seu depoimento é mais valorizado. O informante não tem a obrigação do juramento e suas informações têm outro estatuto.
Antes que Júlio Marcelo começasse a depor, o advogado da presidente, José Eduardo Cardozo, interveio para pedir duas coisas. Citou o Código de Processo Penal para pedir o “impedimento objetivo” do depoimento. E citou o Código do Processo Civil para alegar a “suspeição” de Júlio Marcelo e, com isso, requalificar a qualidade de seu depoimento. Lewandowski só aceitou o segundo pedido. O que parece ter influenciado mais para a aceitação da suspeição, foi o seguinte argumento de Cardoso. Ele disse que Júlio Marcelo não atuou somente como membro do Ministério Público. “Ele atuou verdadeiramente como militante político de uma causa. Não tenho dúvida nenhuma em relação a isso, a partir do momento em que ele especificamente divulgou convocatórias de um ato para pressionar os Ministros do Tribunal de Contas da União a rejeitarem as contas da Senhora Presidente da República em 2014”. Cardozo pediu a Lewandowsli que ouvisse Júlio Marcelo sobre suas alegações, mais destacadamente, se ele convocou e participou da manifestação "Vem pra Rampa", para pressionar pela rejeição das contas de Dilma Rousseff de 2014 que estariam sendo analisadas no TCU durante o ato.
Depois de pedir a opinião da advogada da acusação, Janaína Paschoal, que basicamente argumentou contra o impedimento e protestou contra a pergunta, considerando-a ofensiva ao depoente, Lewandowski se pronunciou. Disse que iria transmitir a Julio Marcelo a pergunta de Cardozo mas, antes, negou o pedido de impedimento de seu testemunho. Disse: “Eu vou […] transmitir a pergunta feita por V. Sª à testemunha Júlio Marcelo de Oliveira apenas quanto à suspeição”. E explicou: “Nós sabemos que há dois tipos de vedações para participar de atos processuais: os impedimentos, que são de ordem objetiva, e as suspeições, que são de natureza subjetiva. Do ponto de vista do impedimento, parece-me que o fato de a testemunha ter atuado como membro do Ministério Público do Tribunal de Contas no exercício de suas atribuições legais não a impede de ser ouvida como testemunha, porque, senão, como disse a Drª Janaína, um auditor fiscal, num processo de natureza tributária, ou mesmo um delegado de polícia, num inquérito policial ou numa ação penal, também não poderia ser ouvido. Portanto, a questão dessa impossibilidade, [dessa] alegada impossibilidade de participar deste ato por uma razão de natureza objetiva, qual seja, por ter desempenhado certas funções inerentes ao cargo que exercia, fica afastada. Agora”, disse Lewandowski dirigindo-se então a Júlio Marcelo, “V. Sª responderá a esse impedimento de natureza pessoal, subjetiva, íntima de ter ou não participado desses atos que lhe são atribuídos pelo Dr. José Eduardo Martins Cardozo”.
Júlio Marcelo tentou negar o fato. Disse que não tinha convocado nem participado “de qualquer ato destinado a pressionar o Tribunal de Contas para tomar decisão X ou Y”; que apenas tinha divulgado em sua página no Facebook, um comentário sobre uma convocatória feita por movimentos sociais cujos líderes desconhecia, dizendo ser “muito apropriado que a sociedade brasileira amadureça no sentido de discutir as contas públicas”. Lewandowski passou a réplica para Cardoso. Ele perguntou de novo quase a mesma coisa. Júlio Marcelo respondeu, de novo, que não: “Esse ato, se bem me lembro [...] foi em algo como junho, julho, não lembro bem exatamente a data. Mas o que dizia lá é exatamente o que acabei de dizer: considero apropriado que a sociedade brasileira se aproprie da discussão sobre a sanidade das contas públicas”.
A seguir, com a autorização de Lewandowski, interveio a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR). Ela disse que Júlio Marcelo tinha dado a mesma explicação na CEI: de que sua manifestação pelo ato se dera para estimular a sociedade “a discutir, a debater as contas públicas”. “O problema”, disse a senadora, “é que a chamada para o ato não era para debater as contas públicas”. A chamada para o ato, disse ela, era: “Ato de reivindicação ao TCU pela rejeição das contas do Governo Dilma, em 17/06, na rampa do Tribunal de Contas da União”. “Não era para discussão, era para rejeição”, disse a senadora Gleisi. “Então, eu pergunto se o dr. Júlio Marcelo, alguma vez, também chamou algum ato para aprovação de contas presidenciais. Esse ato não foi para discutir, esse ato foi chamado para rejeitar. Ele tinha lado. Portanto, que fique registrado isso, Sr. Presidente”.
A seguir falou o senador Cassio Cunha Lima (PSDB-PB) para protestar, dizendo que os defensores de Dilma estavam falando para serem vistos na GloboNews, na TV Senado, que estavam transmitindo ao vivo os debates e porque o PT estava fazendo um filme sobre o processo de impeachment. Mas, logo Lewandowski decidiu. Primeiro, citou o art. 214 do Código de Processo Penal: “Antes de iniciado o depoimento, as partes poderão contraditar a testemunha ou arguir circunstâncias ou defeitos, que a tornem suspeita de parcialidade, ou indigna de fé. O juiz fará consignar a contradita ou arguição e a resposta da testemunha, mas só excluirá a testemunha ou não Ihe deferirá compromisso nos casos previstos nos arts. 207 e 208.” A seguir emendou: “Eu quero dizer o seguinte: entendo que os membros do Ministério Público e os integrantes da Magistratura têm os mesmos impedimentos, prerrogativas, vantagens e estão sujeitos às mesmas suspeições. No caso, vejo que a  testemunha, o Sr. Júlio Marcelo de Oliveira, confirma os fatos que foram irrogados pela Defesa, na medida em que S. Sª participou de um ato em que se pretendia, publicamente, agitar a opinião pública para rejeitar as contas da Senhora Presidenta da República. Penso que, como membro do Ministério Público do Tribunal de Contas, S. Sª não estava autorizado a fazê-lo; portanto, incide na hipótese de suspeição”.
A seguir, Lewandowski citou dois parágrafos do artigo 457 do Código de Processo Civil. O primeiro: “antes de depor, a testemunha será qualificada, declarará ou confirmará seus dados e informará se tem relações de parentesco com a parte ou interesse no objeto do processo.” O segundo: “sendo provados ou confessados os fatos a que se refere o § 1º, o juiz dispensará a testemunha ou lhe tomará o depoimento como informante”. Lewandowski, a seguir, concluiu, primeiro, voltando-se para Júlio Marcelo: “A meu ver, S. Sª confessou a participação nesse ato. Portanto, vou dispensar o Sr. Júlio Marcelo de Oliveira como testemunha”. E depois, falando para o plenário: “Portanto, retiro-lhe o compromisso, mas será ouvido na qualidade de informante. Está decidida essa questão.”

3. Quanto a Antônio D´Ávila, a decisão de Lewandowski foi de outro tipo. D´Ávila é o auditor do TCU que, como já explicamos em capítulo anterior, emocionou os defensores do impeachment na CEI por ter dito até que “sentiu um frio na barriga” ao descobrir o atraso do Tesouro nos pagamentos aos bancos públicos, na investigação das chamadas “pedaladas” que conduziu no final de 2014. A defesa pediu a anulação do seu depoimento. O presidente do STF negou o pedido. Disse que ele era intempestivo, ou seja, estava sendo feito fora de hora e no local errado. O advogado da presidente, José Eduardo Cardoso, já afirmou que vai pedir a anulação do depoimento de D´Ávila no devido lugar e numa devida hora. Por quê?
D´Ávila confessou, de público, ao depor, como testemunha, já no final da noite de quinta, que ajudou Júlio Marcelo a fazer a primeira denúncia das pedaladas em agosto de 2014, mesmo sendo ele a pessoa que iria apreciá-la e dar-lhe seguimento. No início de seu depoimento, horas antes, D´Ávila tinha respondido aos senadores pro impeachment reafirmando todas as teses da acusação. O senador Ronaldo Caiado (DEM – GO) o elogiou dizendo que em seu depoimento anterior na CEI, ele tinha emocionado os senadores. Leu, inclusive, trecho daquele depoimento. “Eu confesso isso a V. Exª [é D´Ávila falando a Caiado, na CEI]. Eu não acreditava que eu estava diante daquela situação. De tal sorte que, ao receber o contraditório, os argumentos da outra parte me davam um frio na barriga tão grande, porque eu falava: ´Não é possível. Eu devo estar errado. Eu devo ter cometido alguma falha no processo. Não é possível. Eu devo estar errado”. Na ocasião, nesta série, dissemos, de passagem, que D´Ávila parecia estar dizendo que o frio que sentia na barriga vinha do medo de ser contraditado. E ao que parece, a contradita veio. Quem a fez foi o senador Randolphe Rodrigues (Rede, AP).
Era noite avançada quando o senador perguntou a D´Ávila se ele, de fato, era o autor da representação apresentada por Júlio Marcelo ao TCU, em agosto de 2014, a famosa peça que deu início à movimentação da corte de contas contra as chamadas pedaladas. “Há informações, dr. D’Ávila, de que o senhor seria o verdadeiro autor dessa representação assinada pelo Sr. Júlio Marcelo. E de que teria havido uma articulação para que a referida representação fosse remetida para a sua Secretaria, contrariando, no meu sentir, o que é disposto nas regras internas do Tribunal de Contas da União. Portanto, complementarmente, eu lhe pergunto: o senhor chegou a conversar com o Procurador Júlio Marcelo sobre o tema das ditas pedaladas? O senhor teve essa conversa antes de ser apresentada a representação? O senhor, de alguma forma, contribuiu com a redação da representação ou conheceu seu conteúdo, preliminarmente?
D´Ávila, como todas as testemunhas, estava isolado num quarto de hotel até a hora de depor. Não conhecia os termos do depoimento de Júlio Marcelo. Randolphe, antes da pergunta, tinha feito uma referência ao depoimento do, já então, informante Júlio Marcelo. De qualquer modo, D´Ávila assumiu sua participação no trabalho do promotor. Disse: “Sim”. E passou a justificar-se: “Eu auxiliei o ministério Público, o Procurador Júlio Marcelo, a redigir essa representação, porque se trata de um tema muito específico; é um tema que gosto muito, é um tema que tem influência, sim, nas finanças públicas. Ele solicitou a minha ajuda, o meu auxílio, e eu jamais poderia me negar, como jamais me negarei a escrever qualquer texto. Além do mais, sou professor que atua na área. E, como professor que atua na área, eu sempre estou tratando desses temas com qualquer pessoa que seja meu aluno, [como] com qualquer pessoa que queira conversar comigo sobre essa temática.”
D´Ávila foi além disso. Sugeriu que a representação era apenas “formalmente” de Júlio Marcelo. Disse textualmente: “Formalmente a representação foi apresentada pelo Dr. Júlio e cabia a ele decidir se faria ou não. Mas, sim, conversei com ele antes da representação, passei a ele alguns conceitos, porque envolvia questões de apuração de resultado fiscal e, em função do que estava colocado nos jornais, ele queria obter maiores informações em relação a isso. Auxiliei, sim, na redação de alguns trechos da representação”.
Randolphe voltou à carga. Na primeira resposta D´Ávila tinha dito também que a Secex, a secretaria de controle externo do TCU, na qual trabalhava, era o setor certo para receber a representação de Júlio Marcelo e não havia nada errado no fato de ela lhe ter sido encaminhada. Randolphe o contradisse. Dirigindo-se a Lewandowski, falou: “Há outra questão, Presidente, que me parece curiosa […] a representação de 2014 naturalmente deveria ir para a Semag [secretaria de Macroavaliação Governamental] que tem competência normativa para avaliar violações à Lei de Responsabilidade Fiscal, [mas] foi distribuída – vejam só – para a secretaria […] onde trabalhava, circunstancialmente, quem? Dr. D'Avila. [...] Assim, a distribuição, ao que me parece, claramente foi feita para assegurar que a representação caísse justamente para a testemunha, e não para a secretaria de origem. E veja, Sr. Presidente, eu chamo a atenção para o art. 46 da resolução sobre as competências da Semag, no Tribunal de Contas da União, que diz, ipsis litteris, o seguinte: ´Realizar a fiscalização e controle de cumprimento das normas estabelecidas pela Lei Complementar nº 101 [...]´ justamente a Lei de Responsabilidade Fiscal”.
D´Ávila se defendeu dizendo que quem direcionou a representação para seu setor, a Secex, foi o ministro do TCU José Múcio Monteiro. A sessão continuou. D'Ávila respondeu a senadores interessados em outros aspectos de seu depoimento. A seguir, a advogada da acusação, Janaína Paschoal, a seu estilo, falando de temas muito amplos, tentou defendê-lo. Mas a hipótese de um conluio entre o principal defensor da tese do impeachment, Júlio Marcelo, e D´Ávila voltou ao debate. E foi o próprio D´Ávila que voltou ao assunto, preocupado em defender-se. “Em relação à interferência, jamais houve – de qualquer pessoa que seja – qualquer interferência, porque eu não aceitaria. Jamais aceitei e jamais vou aceitar, porque não considero isso correto. E repito, como já disse na Comissão Especial do impeachment, os Ministros do Tribunal jamais – jamais interferiram em qualquer trabalho que realizei desde 2004 até a semana passada, em que eu trabalhava no Tribunal de Contas da União" (D´Ávila informou que tinha saído do TCU e se tornara assessor parlamentar.
O último a falar sobre o assunto foi José Eduardo Cardoso. Ele disse que a defesa da presidente estava “absolutamente estarrecida” com o depoimento de D´Ávila. “Nós sabíamos que havia divergências dentro do Tribunal de Contas. Afirmamos, nas nossas peças [de defesa da presidente] que, curiosamente, uma das unidades que havia firmado esses pareceres não tinha sido lembrada no acórdão, por alguma razão. É estranho que um órgão que sustente a transparência, que cobre a transparência, que acuse o Governo de maquiar coisas simplesmente não aponte as suas divergências internas. Por que será? Eis que, a partir da arguição do Senador Randolphe Rodrigues, se revelou algo assustador: o Ministério Público, que é o órgão que tem independência funcional, pede o auxílio de um auditor, que tem o dever da imparcialidade funcional, para preparar uma representação onde o Ministério Público é parte, e essa representação é dirigida ao próprio auditor, fora da unidade que deveria recebê-la. É isso que nós ouvimos hoje. É o mesmo, Sr. Presidente, que um juiz auxiliasse um advogado a elaborar a petição que seria dirigida a ele, para que ele pudesse acolhê-la. É gravíssimo! […] É inacreditável o que nós estamos vendo aqui, Sr. Presidente – inacreditável!”
Passava da meia noite, já era sábado, dia 27. Cardoso concluiu: “Eu não vou prejulgar, mas me parece claro que foi violentado o Código de Ética do Tribunal de Contas da União nos arts. 5º, 13 e 14, sem embargo de ofensas funcionais com base na Lei nº 8.112, sem embargo em situações que podem ser tipificadas na Lei Orgânica do Ministério Público. Portanto, eu requeiro, Sr. Presidente, a extração, em caráter de urgência, da ata e do depoimento, para que a Defesa da Senhora Presidente da República possa, imediatamente, tomar as medidas [...] que julgar cabíveis, do ponto de vista disciplinar e outras que porventura se configurem como tipificadas, diante de um comportamento que, a meu juízo, qualifica de nulidade plena o que aconteceu nesse caso do Tribunal de Contas da União. Duvido que os Srs. Ministros saibam disso, duvido. E deverão sabê-lo. E nos encarregaremos de informá-los formalmente e de pedir as providências cabíveis, nos termos da lei, em todos os seus aspectos [...]. Senhores, é estarrecedor o que nós estamos vendo aqui hoje, estarrecedor! E em jogo está o mandato de uma Senhora Presidente da República eleita por 54 milhões de brasileiros. É isso que nós estamos vendo”.
D´Avila ainda se defendeu. Disse que não havia divergência de opinião dentro do TCU quando ele colaborou no texto de Júlio Marcelo. Que essa divergência apareceu apenas no ano seguinte, quando o governo entrou com recurso na Serur, Secretaria de Recursos do tribunal de contas, depois que saiu o primeiro acórdão pela condenação do governo. “Eu fui consultado como professor da área. […] Várias pessoas me ligam todos os dias para saber: ´D’Ávila, o que é resultado primário?´ ´D’Ávila, esse tipo de operação tem efeito no resultado primário?´ ´D’Ávila, esse tipo de operação aumenta ou diminui a dívida líquida?´ Esse tipo de pergunta me é feito por várias pessoas, por ex-alunos, por alunos atuais, por pessoas que trabalham no Senado, na Câmara ou no TCU, que já foram meus alunos, e que têm interesse. Eu tenho livros na área. As pessoas me perguntam mais como professor e como fonte de informação do que propriamente para qualquer tipo de auxílio ou para tentar burlar qualquer processo. Isso jamais existiu e jamais existirá. Eu não permito que isso seja feito e jamais permitirei”.
Depois dessas considerações de D´Ávila, Lewandowski encerrou a sessão. No dia seguinte ele decidiria não anular o depoimento do auditor por considerar o pedido intempestivo, como dissemos. Cabe agora à defesa tomar as providências que anunciou, no devido tempo e no devido lugar. Ainda no sábado, no seu longo depoimento no plenário do Senado, o ex-ministro da Fazenda de Dilma Rousseff, Nelson Barbosa, contou mais um detalhe do processo do TCU, envolvendo Júlio Marcelo. O recurso apresentado pelo governo no TCU foi, primeiro, analisado por dois auditores da Serur. A argumentação do governo foi aceita por eles Eles diziam que bastava pagar os atrasos, não era questão de punir, porque aquilo não era operação de crédito. Esse parecer foi acatado por um diretor de sub divisão da Serur. Porém, foi rejeitado pelo chefe da secretaria. Este afirmou textualmente: “porque caso se enquadrem como 'operações de crédito', estaremos diante de atos políticos-administrativos com repercussão nos ilícitos penais, administrativos e civis, enquanto, caso sejam tidos como 'prestação de serviços', estaremos diante de mora na quitação de tais despesas." Ou seja, o chefe precisava de um “ilícito penal”, não de um simples atraso de pagamento pelo qual se cobram juros de mora.
Diante disso, o ministro do TCU, Vital do Rego, demandou parecer alternativo. Quem o fez? Exatamente o doutor Júlio Marcelo. Portanto, o parecer de Júlio Marcelo substituiu o parecer da própria Serur, ignorando os pareceres dos auditores que analisaram o recurso na própria divisão. Repetindo o dito que já usamos no início desta série, do velho e sempre bem lembrado Leonel Brizola: “No hay carne y hay pastel de carne. Algo hay”. (Fonte: aqui).
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