Uma narração fabular é atribuída a uma das estátuas, a de número 26, que reflete sobre esse retorno da escuridão do exílio a um país que certamente não reconhecerá mais.
Por Carlos Alberto Mattos
A devolução de obras saqueadas pelos colonizadores europeus a suas origens na África e no Oriente Médio tem sido um dos grandes temas do processo ora chamado de decolonial. Museus têm sido desafiados a se desfazerem de peças raras como forma de se manterem atualizados com a decolonialidade. O Benim, antigo Daomé, reivindica cerca de 7.000 obras levadas para acervos da França. Em fins de 2021, o governo Macron resolveu restituir 26 delas. A diretora francesa de ascendência senegalesa Mati Diop (Atlantique) acompanhou essa jornada.
Dahomey ganhou o Urso de Ouro em Berlim, o que não deixa de ser também uma atitude afinada com o decolonial. Não que Dahomey não tenha méritos, mas me pareceu mais modesto do que eu esperava.
Com elegância narrativa, o filme documenta os trabalhos de encaixotamento, embarque, recepção e catalogação das 26 peças em Cotonou, a capital econômica e sede do governo do Benim.
Uma narração fabular é atribuída a uma das estátuas, a de número 26, que reflete sobre esse retorno da escuridão do exílio a um país que certamente não reconhecerá mais. Quanto do antigo Daomé, com seus reis e sua corte, ainda ecoarão no Benim moderno? Dahomey coloca essa questão pelas vozes de estudantes universitários que debatem a repatriação das obras pela perspectiva dos jovens de hoje. Terá sido um evento histórico, como prega a mídia, ou simplesmente um ato político, um agrado da França enquanto mantém consigo todo o resto do patrimônio saqueado?
Qual será a relação do povo beninense com essas obras de alguns séculos atrás? Serão vistos como arte ou como ícones sagrados? Devem estar nas aldeias de origem ou permanecer em museus? Serão bem conservadas no Benim como eram na França ou devem ser expostas ao tempo? Há imagens de encantamento dos visitantes à exposição no palácio presidencial. Mas há também a relativa indiferença de uma cidade que segue sua vida nas ruas, lutando contra a pobreza. Serão os empregados envolvidos com a recepção das peças, a conservação e segurança do palácio novas versões dos que eram escravizados pelos reinos conquistados no passado?
Dahomey deixa muitas perguntas no ar e parece se contentar com isso. Parte do charme visual do filme provém da estetização: muitas cenas populares em câmera lenta, muitas transparências com trilha sonora envolvente, um certo clima de sonho que não combina muito bem com a substância do documentário. De qualquer forma, acho que privilegiar as imagens do povo em detrimento do próprio tesouro museográfico é uma das melhores escolhas de Mati Diop.
Esse filme dialoga estreitamente com o brasileiro Tesouro Natterer, infelizmente ainda inédito no circuito. - (Fonte: Blog Carmattos - Aqui).
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