Por Carlos Alberto Mattos
O livro de Richard McGuire monta em 303 páginas a história de um único lugar, do ano 3 bilhões e 500 mil AC ao futuríssimo 22.175. Conceitualmente, seria ilustração de um princípio da física quântica, segundo o qual o tempo é um mero construto, já que tudo está acontecendo simultaneamente. Ou, pensando mais ordinariamente, uma materialização da utopia de viajar no tempo sem sair do lugar.
A sala de uma casa na Nova Inglaterra, construída em 1907, é povoada por gente que viveu naquele pedaço de terra em várias épocas, incluindo seres pré-históricos, indígenas, pessoas escravizadas, William Franklin e famílias comuns dos séculos XX a XXIII. No livro, tudo é bastante aleatório, até porque nenhuma narrativa sólida se constrói pela simples acumulação de temporalidades num mesmo espaço.
No seu filme (já nos cinemas), Zemeckis procura dar mais concretude a essa mega-não-história. Usa os mesmos princípios de incrustação de quadros dentro do quadro, mas descarta as anotações temporais em troca das simples sugestões visuais e sonoras. Enquanto os quadrinhos de McGuire se alternam entre dois ângulos da sala, Zemeckis fixa um ponto de vista único, ousadia razoável para um filme de 104 minutos. Mais que tudo, concentra o argumento principalmente numa única família: um veterano da II Guerra de mente atormentada (Paul Bettany), sua mulher (Kelly Reilly), o filho (Tom Hanks) e a mulher deste (Robin Wright). Outros personagens marcam presença pontual em períodos diferentes da casa, incluindo uma família afrodescendente que tem uma empregada doméstica branca.
O filme “americaniza” ainda mais o livro com essa ênfase na vida de casais, na estrutura familiar, seus ritos de passagem, ambições e frustrações. De resto, guarda o mesmo espírito de encontrar paralelos possíveis entre situações vividas em épocas distintas, o que soa bastante arbitrário e mesmo kitsch.
A façanha técnica da vez – como é de praxe em filmes desse diretor – é o uso de uma tecnologia de inteligência artificial chamada Metaphysic Live, que permite alterar as imagens no próprio ato da gravação, em vez de fazê-lo na pós-produção. Tom Hanks e Robin Wright aparecem “de-aged” (rejuvenescidos) em diferentes idades até o epílogo com as feições atuais. Nesse momento, em que a câmera pela única vez abandona sua imobilidade, o tema da memória se coloca mais claramente. Algo que não se fazia presente no livro.
Com sua estética de almanaque antigo, Aqui pode não agradar a quem não conhece a proposta do livro de McGuire ou, ao contrário, o coloca nas alturas. Afinal, o traço dos quadrinhos é mais sintético e as travessias temporais são mais ambiciosas. Para mim, chegou como a cálida transposição de uma ideia menos brilhante do que se tem em conta. - (Aqui).
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