.
...e eis que, à falta de coisa melhor, ficamos a especular sobre o estado de ânimo que assalta o médico (de)formado: perder a causa abaixo relatada e saber que o atual governo acaba de autorizar a reativação do programa Mais Médicos, não interessando (aos críticos, como o médico, o que julgamos lícito supor) se para oferecer auxílio às populações que habitam municípios carentes localizados em áreas inóspitas. Convenhamos, pensa ele, é o fim da picada!
O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), proferiu no dia 14 deste mês decisão dando vitória ao DCM contra o Tribunal de Justiça do Paraná e – por tabela – contra o médico paranaense Richam Faissal Ellakkis, que ficou famoso ao atacar Marisa Letícia em 2017, após sua internação no hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, com AVC.
“Esses fdp vão embolizar ainda por cima. Tem que romper no procedimento. Daí já abre pupila (a paciente morre). E o capeta abraça ela (sic)”, escreveu o neurocirurgião em um grupo de WhatsApp formado por médicos.
O caso se arrastava na Justiça desde quando o DCM – assim como dezenas de veículos de imprensa do país – publicou reportagem sobre o tema. O médico processou o veículo por alegados danos morais. Detalhe: ele só acionou a Justiça três anos após o acorrido, no limite da prescrição do feito.
Na ação, ele disse que estava recebendo ameaças em seu endereço profissional, por culpa da reportagem do DCM, que publicou o nome do local onde ele trabalhava. Por que teria passado a receber tais ameaças só três anos depois, ele não contou.
Em primeira instância, Ellakkis perdeu a causa, e ainda amargou ter que ler uma decisão, proferida pela juíza Emilin Marchesan Zanatta Rafagnin, do 1º Juizado Especial Cível de Foz do Iguaçu, que ensinava ao médico conceitos rudimentares de ética médica e expunha uma mentira que ele contou à Justiça, de que estaria recebendo ameaças no momento em que protocolava a ação judicial contra o veículo de imprensa.
Leia, abaixo, alguns trechos da sentença, cujos destaques foram inseridos pela reportagem:
Não se vê nas matérias publicadas no website da Ré (DCM) qualquer intento calunioso, injuriante ou desabonador à imagem do Autor, suficiente para justificar o pedido de remoção do conteúdo ou mesmo indenização moral pleiteada.
Não escapa aos olhos desta Auxiliar de Justiça que cabe ao médico zelar e trabalhar pelo prestigio e bom conceito da profissão; assim como o envolvimento de nome de uma pessoa notória (ex-primeira dama Marisa Letícia). Diante disso, não observo qualquer adjetivação ou mensagem injuriosa na reportagem; houve apenas a narração de fatos verdadeiros, confirmados pelo Reclamante em sala de audiência.
Mesmo se tratando de bate-papo privado, entendo que ao tomar conhecimento do vazamento da tomografia, ato esse por si só, inadmissível!, o Autor deveria respeitar e preservar os aspectos físicos, emocionais e morais do ser humano, guardando absoluto respeito sem tabus, crenças ou preconceitos.
Aliás, o próprio Reclamante atestou, em seu depoimento pessoal, que não houve comentários semelhantes neste grupo de WhatsApp, apenas o seu “até porque eu era neurocirurgião”.
O argumento de que “atualmente recebe ameaças no local de trabalho” é inverídico, já que restou comprovado nos autos que as ligações recebidas pela secretária Denise e sua colega ocorreram há mais de três anos dos fatos e das divulgações das reportagens.
Inconformado com a derrota, Ellakkis apelou da decisão, levando o caso ao crivo da Turma Recursal dos Juizados Especiais do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Esta, por sua vez, reformou a sentença de primeira instância, determinando que o veículo processado retirasse do ar trechos da reportagem considerados “desabonadores” ao médico que ensinava como matar.
E foi além: o acórdão do tribunal ordenou ainda que o jornalista Kiko Nogueira, diretor do DCM, se calasse sobre seu juízo crítico a respeito do tema e do médico, além de pagar uma indenização de R$ 6 mil ao médico.
Ocorre, porém, que tal decisão é evidente censura prévia e cerceamento da atividade de imprensa, medida que já teve sua legalidade absolutamente afastada por mais de uma decisão vinculante (que determina que os tribunais inferiores também passem a adotar o mesmo entendimento) do STF.
Tal fato não passou despercebido pelo advogado do DCM, Francisco Ramos, que interpôs um recurso diretamente ao STF, chamado de reclamação, que é quando uma das partes em um processo judicial informa a um tribunal superior que instâncias inferiores da Justiça estão desrespeitando suas determinações legais.
Assim, afirmou o advogado na corte de Brasília, “existe claro descumprimento da decisão desta Corte com efeito vinculante, em verdadeira censura e óbice ao exercício da liberdade de imprensa, em total violação da autoridade desta Corte Suprema.”
Por sorteio, o caso passou então a ser julgado pelo ministro Lewandowski, que, no último dia 14, restabeleceu a Justiça, anulando a decisão ilegal de segunda instância do TJ-PR e restabelecendo a validade da sentença original, da juíza Emilin Marchesan Zanatta Rafagnin.
Foi a vez, então, dos doutos magistrados do Paraná receberem uma lição pública sobre Direito Civil, na decisão que desautorizou seu mando ilegal contra o DCM. Leia, abaixo, alguns trechos do documento do STF, com destaques inseridos pela reportagem:
No caso sob análise, o acórdão recorrido, com supedâneo na violação à honra subjetiva do autor da ação na origem, determinou a edição de matéria jornalística, bem como a indenização por danos morais, mesmo reconhecendo que as informações veiculadas pelo site da reclamante (DCM) estão estampadas em diversas outras páginas na Internet de outros veículos de imprensa, sem que o autor tenha se insurgido judicialmente contra os demais propagadores dos fatos em questão.
Ou seja, condenar a reclamante por veicular o endereço profissional do autor, bem como todos os outros fatos reconhecidamente verídicos em ambas as decisões do Juízo de origem, é incompatível com a violação à honra do médico. Percebe-se que o lugar onde atua é informação pública e corrente, que possivelmente o próprio autor divulga de modo a captar pacientes.
Se a veiculação das duas matérias jornalísticas tivesse realmente lhe causado algum prejuízo material ou dificuldades no exercício de suas atividades profissionais – o que não está evidenciado em nenhuma parte dos autos – não ficou claro por que o ajuizamento da ação tenha demorado três anos desde a publicação das matérias no ano de 2017.
Assim, a condenação à indenização por dano moral, nesse caso específico, consideradas todas as peculiaridades, não é justificável do ponto de vista jurídico, visto que a reclamante apenas repetiu informações que foram e continuam sendo divulgadas por outros meios de comunicação. (...).
Nenhum comentário:
Postar um comentário