quarta-feira, 23 de junho de 2021

GOLPES E GOLPISTAS NA TELA

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O brasileiro "Um Domingo De 53 Horas" e o turco "O Anúncio" retratam o triste e o patético das democracias fragilizadas.

Por Carlos Alberto Mattos


Um Domingo de 53 Horas
: Resumo de uma ópera triste

Estreou semana passada (e teve ontem, 22, sua última reprise  na CineBrasil TV) mais um título para o escaninho do que eu chamo de "cinema do golpe". Cristiano Vieira pilota um painel amplo de análise do segundo mandato de Dilma Rousseff e das torcidas opostas à época do dito impeachment. Um Domingo de 53 Horas se inicia com uma narração em estilo futebolístico que compara a situação com um Fla-Flu. O domingo referido é o 17 de abril de 2016, quando a Câmara dos Deputados votou a admissibilidade do pedido de impedimento.

Até certo ponto, o documentário se assemelha a O Muro, de Lula Buarque de Holanda, em sua tentativa de abarcar as razões dos dois lados. Mas aqui fica mais ressaltada a crônica da estupidez que assaltou boa parte dos brasileiros e perdura até hoje, com consequências imprevisíveis para o futuro do país. Entre urros de antipetistas nas ruas e palavras de resistência dos que defendiam a continuidade do mandato de Dilma, está um casal humilde se preparando para vender água mineral nas manifestações. Fliston e Deise votaram em Lula; ela votou em Dilma; mas ambos estavam convencidos pelo Jornal Nacional de que a "roubalheira" era grande e o PT tinha que "sair". Palavra da chamada opinião pública, que os oposicionistas tanto empunhavam para justificar o golpe. Uma jornalista de O Globo defende-se da pecha de golpista alegando que fazia apenas o que tinha aprendido no seu ofício, como se fosse uma simples trabalhadora burocrática.

O filme se compõe de intervenções de manifestantes, congressistas, líderes de movimentos de direita, jornalistas e manchetes da mídia, culminando com a vergonhosa sessão dominical da Câmara. O que mais caracteriza esse trabalho em relação a seus similares temáticos é o exame dos equívocos políticos do segundo mandato de Dilma e da articulação das forças de direita que se aproveitaram de sua fragilidade para deflagrar a derrubada. O papel de Eduardo Cunha, dos movimentos de rua e da traição de Michel Temer e de deputados antes fiéis ao governo, com referências secundárias a Sérgio Moro e à mídia, compõem o painel de circunstâncias que deram margem ao país que temos hoje.

Afora alguns insights novos para iluminar o que bem conhecemos, Um Domingo de 53 Horas se presta sobretudo como resumo de uma ópera triste e motivo para renovar nossa indignação.

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O Anúncio: Golpistas deslocados

Entre o golpe de 1960 e a tentativa frustrada de 2016, a Turquia teve pelo menos seis ensaios de golpe ou de intervenção militar. O assunto já entrou para o folclore do país e inspira o filme O Anúncio (Anons), que relata pelas bordas um episódio de 1963. Naquela ocasião, um coronel do Exército comandou seus cadetes numa tentativa de golpe na capital, mas não conseguiram mais do que tomar a estação da Rádio Ankara. O filme de Mahmut Fazil Coskun imagina os reflexos daquilo em Istambul, onde quatro oficiais tentam tomar a Rádio Istambul, mas se veem paralisados por um motivo prosaico: o técnico que saberia operar a transmissão do anúncio não estava por perto.

O início enigmático, com o exame médico de um homem na imigração alemã (que vai se esclarecer mais adiante), e as primeiras cenas de certo suspense e violência não deixam supor que estamos diante de uma comédia. A partir da chegada dos golpistas à rádio, o humor patético se instala mediante a postura impassível do quarteto fardado e os quadros fixos que se estendem até revelar toda a comicidade das situações.


Desde as primeiras sequências, quando os protagonistas ainda trajam roupas civis a bordo de um táxi, a direção pauta o que vem a ser o dispositivo do filme: o deslocamento em relação ao centro. Assim como o golpe frustrado está acontecendo em Ankara e nós estamos acompanhando um equívoco em Istambul, também boa parte do que acontece no filme se dá fora do nosso campo de visão. Diálogos, interlocutores e certas ações se passam no extra-campo, enquanto a câmera permanece rigidamente estacionada num determinado ponto.


O efeito de deslocamento se dá ainda na forma como aqueles brucutus militares se ocupam de conversas banais e piadas infames nos intervalos de suas trapalhadas. Em seu aspecto soturno e estilo imperturbável, O Anúncio faz a sátira da vontade de poder das armas e da incompetência de seus esbirros para perceber a realidade além das ordens recebidas.  -  (Fonte: Boletim Carta Maior - Aqui).

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