quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

CINEMA, A VIDA E A MORTE

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Esta semana estreou (...) o esplêndido poema cinematográfico 'Babenco, alguém tem que ouvir o coração e dizer: parou', que representará o Brasil no Oscar de 2021.


Por Léa Maria Aarão Reis

Acabamos de assistir, com emoção, ao documentário de Barbara Paz, Babenco - alguém tem que ouvir o coração e dizer: parou, pouco após a notícia da morte de Diego Maradona. Dois argentinos, ambos com um espírito anárquico e imenso talento - apesar de Babenco ter se naturalizado brasileiro desde cedo -, que proporcionaram grandes alegrias aos seus admiradores. Um deles, às multidões dos amantes da arte do futebol. Quanto ao cineasta, aos milhares de cinéfilos que aplaudiram seus filmes, hoje clássicos do cinema nacional, desde o primeiro que dirigiu, O rei da noite.

Pixote, a lei do mais fraco, O beijo da mulher aranha – primeira indicação do Brasil ao Oscar de Melhor Direção, em 1986 -, Carandiru, Brincando nos campos do senhor, Lucio Flavio, o passageiro da agonia, Ironweed, e o seu último trabalho, Meu amigo hindu, estão na relação de filmes indispensáveis. Para o prazer do espectador, algumas cenas e sequências emblemáticas desses trabalhos se encontram no doc de Bárbara Paz.


Depois de premiado no Festival de Veneza do ano passado* e indicado há uma semana para o Oscar de 2021 representando o cinema brasileiro, com ele os espectadores voltam a ter contato com a filmografia de Babenco, que desta vez vem como personagem do filme realizado por sua mulher, a atriz gaúcha Barbara Paz, com quem viveu nos seus últimos dez anos.

O filme é inusitado. Acompanha a vida do cineasta depois dos médicos diagnosticarem-no com apenas alguns meses de vida. É um poema comovente, especialmente bonito, e reúne filmes caseiros e cenas, making offs, entrevistas, e sequências memoráveis de alguns dos seus clássicos.

Por exemplo: a cena inesquecível da grande atriz Marília Pêra amamentando Pixote, o saudoso ator Fernando Ramos da Silva. Ou uma sequência de Carandiru, filme inspirado na temporada em que o diretor, então muito jovem e ''flertando'', como ele diz, com a marginalidade, esteve preso numa penitenciária. Babenco se refere ao episódio em uma das entrevistas que concedeu ao longo dos anos e reproduzidas no doc de agora.

Uma sequência linda de ''singing in the raining'' é outro momento plástico admirável.

Numa das suas inúmeras observações Babenco diz: ''Às vezes, eu sonhava acordado em adoecer para ficar lendo, na cama''. E durante uma entrevista, explicando por que se radicou no Brasil e deixou a Argentina: ''Aqui, a realidade supera a ficção numa proporção muito mais rápida que lá. Gosto mais da realidade daqui. É mais atraente, mais caótica, mais expressiva, mais contraditória. Quis ficar no Brasil para aqui fazer o meu trabalho.''

Não se pode deixar de registrar a brilhante montagem do artista plástico, poeta e cineasta mineiro Cao Guimarães que trabalhou estreitamente com Barbara. Nas mãos e no olhar de Cao e do seu grupo de excelentes montadores e editores o filme, orgânico, murmura, respira, suspira, resmunga, vive e dá o seu recado.

O admirável em Babenco - alguém tem que vir... é o roteiro de Barbara e de Maria Camargo, não pretender ser elegia nem uma composição sobre o luto e a tristeza. A narrativa não é nem deprimida nem glamurizada. Trata simplesmente da força do humano e da intensidade da paixão de um homem pela arte cinematográfica o que lhe proporcionou quase quarenta anos mágicos de existência extra para produzir belos filmes.


O documentário mostra a trajetória do Babenco que se perguntava: ''O que vem primeiro: filmar ou estar vivo"? enquanto lutava contra a doença. E que registrava: ''A minha sensação é a de que o tempo está ficando curto e a grande obra não foi feita.''


Essa história que viaja entre seus belos filmes, com William Hurt, Jack Nicholson, Gael Garcia Bernal, Meryl Streep, Sonia Braga, Reginaldo Faria, William Dafoe e Raul Julia presentes na tela, todos eles e elas dirigidos um dia por Babenco, e a luta contra a doença do diretor, é o mote do doc agora escolhido para representar o Brasil na premiação de Hollywood. Primeira vez um documentário é escolhido para representar o país no Oscar.

No fim das contas, Babenco vive e sobrevive. O que ele diz, no filme de Barbara, faz todo sentido: ''Sempre tive uma confiança ilimitada na minha capacidade de sobrevivência''.  -  (Fonte: Boletim Carta MaiorAqui).

*Melhor documentário na Mostra Venice Classics, de documentários sobre cinema e sobre cineastas, e prêmio Bisato D’Oro, da crítica independente, paralelo ao festival italiano. Premiado no Festival Internacional de Cinema de Mumbai, na Índia, e selecionado para o festival do Cairo, de Havana, para a mais recente Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, para o Festival do Rio, Mostra de Tiradentes, Festival de Aruanda, Festival Internacional de Cinema Documental, na Argentina, para o Baltic Sea Docs, na Letônia, e para o MillValley Film Festival, nos Estados Unidos.

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