terça-feira, 10 de março de 2020

CRISE GLOBAL PEGA O GOVERNO DE CALÇAS CURTAS

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Nota prévia:
Artigo escrito um pouco antes da guerra petrolífera Rússia x Arábia Saudita.
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Produção brasileira não se recupera. Reservas internacionais declinam. Investimento é próximo de zero. Antes do 'advento' do coronavírus o País já vinha mal das pernas; com coronavírus turbinado pela  questão petróleo tudo foi para o espaço. Agora virá a hora da dor.


Crise global pega o governo de calças curtas 

Por José Álvaro de Lima Cardoso

O IBGE divulgou, no dia 04/03, que a economia brasileira apresentou crescimento de 1,1% em 2019, chegando a R$ 7,3 trilhões de valor da produção de bens e serviços finais. Esse crescimento é inferior aos observados nos dois anos anteriores, quando a economia brasileira expandiu a taxas de 1,32% e 1,31%, respectivamente. Ou seja, no primeiro ano de Bolsonaro, o crescimento conseguiu ser ainda pior do que nos dois anos anteriores, do governo Temer, que já tinham sido muito baixos. Pelo lado da demanda, o consumo das famílias expandiu 1,8% ao longo do ano passado, o pior desempenho em três anos. Esse item, que tem o maior peso na composição do PIB (64,9%), havia apresentado uma elevação de 2% em 2017 e de 2,1% em 2018. Do lado da oferta, o crescimento foi liderado pelo setor de serviços (1,3%), com a indústria de transformação permanecendo estagnada, com “crescimento” de 0,1% no ano passado.
Nesse quadro o PIB per capita variou meros 0,3% em termos reais, alcançando R$ 34.533 em 2019. A taxa de investimentos em 2019 (a chamada Formação Bruta de Capital Fixo) foi de 15,4% do PIB, permanecendo praticamente estagnada em relação aos anos anteriores. As informações dos sofríveis resultados do PIB haviam sido antecipadas pelos dados do Índice de Atividade Econômica (IBC-Br), divulgados pelo Banco Central em 14/02/20, que apontou um crescimento do produto em 0,89% em 2019, em relação ao ano anterior. Já se sabia que a economia havia desacelerado em 2019, mesmo em relação ao mísero crescimento do último ano do governo Temer, de 1,3%.
Os resultados do PIB desmistificaram a teoria, de alguns “formadores de opinião” do mercado, que a economia estaria retomando, após a gravíssima recessão de 2015/2016. Segundo essa hipótese – que se trata de um desejo, mais do que uma análise calcada em indicadores – o capital externo estaria retornando, o emprego formal estaria se recuperando, o que tenderia a reanimar demais indicadores econômicos, especialmente os de crescimento do produto. Face aos números das contas nacionais, a expectativa inicial de crescimento de 2% do PIB para este ano, ficou mais uma vez otimista e está sob revisão – para baixo, claro.
O surto de coronavírus ampliou o risco de uma grave crise na economia global. Percebe-se que muito governos, no mundo todo, estão perdidos, sem entender a gravidade do problema. Ao contrário do que alguns imaginam, o surto da doença não se limita à China, em alguns países da Europa já se verifica vários casos, especialmente na Itália. O efeito do surto sobre a economia está sendo imediato. A previsão é de que no primeiro trimestre do ano o crescimento será afetado em muitos países do mundo, especialmente na China. Os economistas preveem que o PIB chinês pode reduzir 2% no primeiro trimestre em função do vírus, pelas restrições à circulação de produtos industriais e os serviços de uma forma geral. Em muitos aglomerados urbanos, por exemplo, as pessoas estão circulando o mínimo possível, o que afeta a economia de uma forma geral, como a movimentação em restaurantes, centros de compras, cinemas, teatros, etc.
Se o PIB chinês cair significativamente no primeiro trimestre, a taxa de crescimento prevista anteriormente, de 6%, ficará muito difícil de ser alcançada. Isto deverá afetar o crescimento mundial como um todo. Um crescimento da economia chinesa entre 3% e 4% em 2020, como têm alertado os especialistas em economia global, significaria na prática uma recessão para a China, em face do desempenho do seu PIB nas últimas décadas.
Numa hora como essa, políticas públicas adequadas, encaminhadas rapidamente, especialmente nos campos fiscal e monetário, seriam fundamentais. Porém a margem de manobra para tais políticas, na maioria dos países, é pequena. Além do mais o tempo de tomadas das decisões políticas em cada país, é muito mais lento que o tempo de disseminação do vírus. Como alerta o economista Nouriel Roubini, boa parte das economias europeias já precisavam de políticas fiscais vigorosas, antes mesmo da crise da coronavírus. A Itália, por exemplo, o país mais atingido pelo surto na Europa, já estava quase em recessão antes do coronavírus. É o caso também da Alemanha, considerado o motor da economia europeia, que cresceu meros 0,6% em 2019, uma notável desaceleração em relação a 2017 (2,5%) e 2018 (1,5%).
O pior é que a maioria dos países não poderá utilizar os juros para reativar suas economias, já que em boa parte dos países aqueles já são muito baixos, frequentemente negativos. É o caso dos juros europeus e do Japão, que já estão em território negativo. O economista Roubini tem alertado que a crise atual é um choque de oferta que, diferentemente da crise de 2008, não pode ser combatida com políticas monetárias ou fiscais. É como diz o economista: se você não tem alimentos e água garantidos, não tem políticas monetárias e fiscais que resolvam.
Como desgraça pouca é bobagem, há o risco de uma grande recessão global, dentre outras razões porque o mercado imobiliário dos EUA está atravessando uma bolha, como aconteceu em 2007. O capitalismo não consegue escapar da sua atual vocação financeiro/especulativa. Há previsões que os preços das ações de empresas globais tenham perdas entre 30 e 40% neste ano. O mercado acionário brasileiro já teve um aperitivo do que pode suceder ao longo do ano: em fevereiro o Ibovespa apresentou perdas de 8,43% — maior queda desde maio de 2018 (-10,87%).
Também como sintoma da incerteza que predomina nos mercados especulativos o dólar vem batendo sucessivos recordes de valorização em relação ao real (hoje, 09.03, a cotação está em R$ 4,85). Outro sintoma de pânico nos mercados é o verdadeiro dilúvio de capitais internacionais que escapam do Brasil. A saída líquida de dólares da economia brasileira no ano passado (entradas menos saídas) foi de US$ 44,77 bilhões, maior evasão de divisas do Brasil em toda a série histórica, iniciada em 1982. Os grandes “investidores” (que foram os que fugiram do Brasil no ano passado) têm grande sede de lucros e pernas longas. Têm também informações privilegiadas, as quais nós, meros vendedores da força de trabalho, não temos acesso. O recorde anterior de fuga de capitais tinha sido registrado em 1999, quando o saldo cambial (diferença entre as entradas e saídas de dólares) ficou negativo em US$ 16,18 bilhões.
Se vier uma crise financeira agora, de grandes proporções como se está desenhando, pegaria o Brasil no contrapé, já que, a partir do golpe em 2016, o pais aumentou muito sua fragilidade externa. Por exemplo, o governo está queimando as reservas internacionais deixada pelo governo Dilma Rousseff, na tentativa de deter o aumento do câmbio. Outro risco não desprezível é a possibilidade da elevação da inflação, em função da pressão do câmbio. A desvalorização do real ameaça contaminar os preços internos, via importações de insumos e outros, e provocar uma elevação significativa da inflação. Um aumento da inflação em meio a uma estagnação econômica monstruosa como a atual, poderia significar o fim do governo Bolsonaro.
O fato concreto é que os próprios eixos de política econômica do governo, por si, são fontes de enorme insegurança para investidores. Entrega de riquezas e mercados e grandes ataques aos direitos dos trabalhadores, só interessam aos países ricos e às multinacionais. Mas os super ricos que vivem no Brasil não têm o que reclamar do governo Bolsonaro. Por exemplo, o lucro líquido dos quatro maiores bancos do país, com ações na Bolsa cresceu 18% em 2019, na comparação com o ano anterior. Os ganhos acumulados desses 4 bancos, no ano passado, somaram R$ 81,5 bilhões ante R$ 69,1 bilhões em 2018. Isto num ano em que a economia como um todo cresceu meros 1,1%, a indústria permaneceu estagnada, e os indicadores de desigualdade explodiram.  -  (Fonte: Outras Palavras - Aqui).
(José Álvaro de Lima Cardoso é economista, doutor em Ciências Humanas pela Universidade Federal de Santa Catarina, supervisor técnico do escritório regional do DIEESE em Santa Catarina).

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