terça-feira, 17 de março de 2020

DESCULPEM-NOS, MÉDICOS CUBANOS!

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Não prestavam, eram uns desqualificados, não passavam de agentes comunistas infiltrados, coisas assim. Os médicos cubanos foram escorraçados liminarmente. Eis que agora, apreensivo (o que é bom), o Brasil pede socorro e recorre aos médicos cubanos residentes no Brasil (Aqui), ou seja, aqueles que, por ter firmado laços com brasileiro(a), por ex., deixaram de retornar a Cuba no final de 2018. A iniciativa salutar do ministro da Saúde certamente será atendida: Cuba, autoridade mundial em solidariedade médica, certamente diria sim, se a manifestação a ela coubesse. Enquanto isso, a vergonha mundial participa de protestos públicos contra as instituições democráticas brasileiras, na maior naturalidade, mandando às favas o Covid 19, o povo brasileiro, o mundo.

          (Médico cubano em 2018, despedindo-se do Brasil carente) 

Desculpem-nos, Médicos cubanos, pelo meu Brasil colônia e corona 

Por Djefferson Ferreira 

O objetivo deste artigo é singelo: tentar demonstrar que a ingratidão e a exploração são alguns dos “princípios” que guiam a maioria da classe média brasileira. Além disso, trata-se de um pedido de desculpas aos médicos cubanos pela atitude dos nossos governantes que perderam a capacidade ruborizar, isto é, um pedido de desculpa por conta dessas pessoas que, elevando o cinismo e o individualismo à categoria do espetacular, perderam a capacidade de ficar vermelhas de vergonha.
Pois muito bem. 
Sábado, no metrô, um casal de classe média queria puxar assunto comigo sobre o coronavírus. Num dado momento da conversa, o marido disse à esposa – que parecia não concordar com ele, mas ouvia tudo sem falar nada, talvez (ou com certeza) por medo –, o seguinte: 
– Agora é trabalho em casa, tudo home Office. As crianças também ficam em casa. Ninguém sai! A nossa parte nós estamos fazendo. Mas de que adianta se os moradores de favela não fazem a parte deles?
Como ele queria assunto, perguntei o seguinte: – as crianças de escolas públicas, maioria moradoras de favelas, estão com as aulas suspensas para ficarem em casa e, assim, serem protegidas, certo?
 – Certo. Elas são as que mais precisam ser protegidas. Nossos filhos também vão estudar em casa, online, respondeu ele.
Então emendei: – se as crianças são as que mais devem ser protegidas, como você acha que elas estarão protegidas em casa, sozinhas, se a mãe delas, sua empregada, tem que vir no ônibus lotado, em pé, pra trabalhar pra você?
No país que você mora, a escola não é só um local de ensino; é também de alimentação. Se você não sabe, há crianças que só almoçam na escola. Ficar em casa, para algumas crianças, portanto, significaria morrer de fome, seja porque somente comem na escola, seja porque muitas mães, que poderiam cuidar delas, estão na sua casa, fazendo comida pra você, sua mulher e seus filhos.
Então, por favor, quando você disser que as faveladas e os favelados não fazem a parte deles, pense se há alguma responsabilidade da sua parte nisso, afinal, diante de uma pandemia que ameaça a população idosa e pobre desse país, será que você não poderia, ao menos neste momento, fazer a sua parte para que a empregada doméstica pudesse fazer a parte dela?
A conversa parou por ali. E isso me fez pensar que o coronavírus traz à tona também (ou, sobretudo) a desigualdade e os privilégios, além de escancarar a herança escravocrata que ainda subsiste neste país, como tentei explicitar na coluna que escrevi sobre o casal de classe média, contaminado com o coronavírus, que mantém a empregada doméstica trabalhando para eles.
Quanto a este ponto, aliás, impossível deixar de fazer menção à ingratidão e exploração, o que se observa, também, com o pedido de socorro aos médicos cubanos, de novo, sem nenhum pedido de desculpas. Ou seja: sem baixar a cabeça por vergonha, sem nenhum constrangimento, sem nenhum pedido de desculpas, sem nada, os médicos cubanos serão chamados novamente. Alguém precisa pedir desculpas aos médicos cubanos. 
Pois faço: – O nosso pedido de desculpas a vocês, médicos cubanos, pelo cinismo de nossos governantes!
O nosso pedido de desculpas se impõe pelas atitudes daqueles que perderam a capacidade ruborizar, isto é, desculpa por conta dessas pessoas que não ficam mais vermelhas de vergonha. 
Desculpe-nos pela atitude dos nossos governantes que elevaram o individualismo e o cinismo à categoria do espetacular, tal como Bucaram, que, como um precedente de menosprezo aos mandatos que as sociedades outorgam a seus representantes, fez do cinismo sua forma de fazer política, quando, por exemplo, nomeou um de seus filhos diretor da Alfândega e organizou uma festa para celebrar a conquista de seu primeiro milhão de dólares.
Desculpa pelos nossos governantes exibirem aquilo que deveria deixar qualquer um envergonhado, ruborizado. Desculpem-nos pela forma “Boris Casoy” com que lidamos com as informações: na frente das câmeras, séria; com ela desligada, aos risos, externando aquilo que a maioria da classe média pensa sobre os garis: “Que merda! Dois lixeiros desejando felicidades do alto de suas vassouras… Dois lixeiros… O mais baixo da escala de trabalho!”. 
Numa palavra final: desculpem-nos!  -  (Aqui).

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