A sabedoria britânica na dissolução do Império Otomano, redesenhando o Oriente Médio, acabou em 1947, com a fundação do Estado de Israel, gatilho detonador dos elos de uma explosão incontrolável de todos os conflitos atuais do Oriente Médio. Xiitas e sunitas existem há mais de 1.000 anos, tribos e clãs conviviam pacificamente dentro do mundo árabe. O Islã sempre foi tolerante com outras religiões: acolheram os judeus expulsos da Espanha e Portugal no Século XV, no mundo islâmico viviam milhões de católicos, ortodoxos, coptas, a tolerância era absoluta, com grandes colônias judaicas em Bagdá e Aleppo, colônias gregas em Smirna, Éfeso, Alexandria, cristãos em Beirute e Aleppo.
Israel, cuja primeira ideia de criação veio da Declaração Balfour de 1917, (foi) criatura do Primeiro Ministro britânico Arthur Balfour, da qual os ingleses se arrependeram ainda em 1948, quando fecharam a emigração de judeus pelo porto de Haifa e receberam em troca a implosão do Hotel King David em Jerusalém, matando 270 oficiais ingleses, Israel na sequência foi subproduto da política doméstica americana forçada pela sua grande diáspora judaica.
Os EUA desde então nunca souberam lidar com RAZÕES DE ESTADO no Oriente Médio: um erro após outro, impotência perante a alucinada política de colonização de Israel, que na sua lógica sinistra significa o aniquilamento do povo palestino, provocando por ondas reativas um terrorismo que antes JAMAIS EXISTIU no Oriente Médio. O terrorismo islâmico é criação da política externa americana, mas conversando com amigos, parentes e parceiros de décadas nos EUA nunca encontrei um sequer que admita que essa política externa no Oriente Médio é orientada por Israel e agride os interesses dos EUA. Eles têm um bloqueio mental para aceitar essa crua realidade.
Nos anos 20 e 30 o prestígio dos EUA no Oriente Médio era imenso. A Universidade Americana de Beirute, fundada em 1870, era o farol irradiador da cultura ocidental no mundo árabe. Toda a elite da região, herdeiros de dinastias, estudavam na Universidade, que ocidentalizou as jovens lideranças dentro do referencial árabe, a partir de um conceito laico. A Universidade era uma derivação da Sociedade Síria de Literatura e Ciência, de quem também derivou o Partido Baath. Não se esqueça que, sendo o Iraque, a Jordânia e a Palestina criações do Império Britânico, a Síria e o Líbano sob mandato francês, a Arábia Saudita é uma criação americana desde o primeiro dia, quando a Chevron descobriu lá petróleo em 1927. Os americanos vetaram a entrada de britânicos e franceses na Arábia Saudita, área de influência só deles, onde construíram as duas maiores bases aéreas fora dos EUA e uma cidade inteiramente americana, Dharhan. (A Chevron naquela época era a Standard Oil Co. of Califórnia)
A derrapagem americana se deu por causa da desastrosa dominância de Israel sobre o Bureau de Assuntos do Oriente Próximo no Departamento de Estado. Não há limites para os desejos de Israel, que já colocou 500 mil "colonos" em terras legalmente palestinas, provocação deliberada para impedir qualquer viabilidade de um Estado palestino.
A partir dessa desarrumação geral que nasce com Israel derivaram as outras leituras erradas de Washington.
Por que tirar Khadafi da Líbia? Um déspota cruel. mas a Líbia é uma ficção; nem no tempo da colonização italiana a Líbia era um território único, eram dois territórios sem ligação, a Tripolitania e a Cirenaica; já era assim no tempo do Império Romano; só virou um Estado ao fim da Segunda Guerra, de forma tosca, com o Rei Idris e depois Khadafi, que o derrubou e o sucedeu. Era óbvio que sem Khadafi a Líbia implodiria: lá não existe uma nação, só tribos.
No Iraque o monstruoso Saddam e seus dois filhos bárbaros eram intoleráveis, mas os americanos nunca poderiam ter dissolvido o Exército e a Polícia. Todos queriam se ver livres de Saddam mas estavam dispostos a fazer acordo com os EUA. Tivessem feito isso e o Iraque se manteria coeso: o Baath sem Saddam era um projeto viável, o Exército e a Guarda tinham controle do território e trabalhariam com os americanos sem problema.
No Egito, jamais um governo poderia se instalar contra o Exército, que controla 45% do PIB. Dito e feito, a Irmandade nem esquentou o Palácio e volta o Exército - mas isso não estava na cara? Por que os EUA ficaram em cima do muro?
O pior de tudo foi a Síria. Assad deveria ter sido sustentado, é um ditador relativamente light no contexto da região.
Não apoiá-lo significou simplesmente a destruição completa da Síria e o nascimento do chamado "estado islâmico", que foi constituído por rebeldes que lutavam contra o Governo de Damasco.
Concluindo, apesar da experiente Embaixadora Anne Patterson dirigindo o Bureau de Assuntos do Oriente Próximo do Departamento de Estado, os EUA enquanto governo estão totalmente perdidos na região, essa é a verdade nua e crua, sem retoques e alisamentos; parecia que Obama iria sacudir Israel, mas não tem força política para tal tarefa.
O Oriente Médio é a mãe de todos os conflitos, como já era ao tempo dos bizantinos, a diplomacia americana não está à altura da História: (os EUA) não estão à altura do majestoso legado britânico de jogo político com as RAZÕES DE ESTADO."
(De Motta Araújo, post publicado no Jornal GGN, intitulado 'A razão de Estado sumiu do Oriente Médio' - aqui).
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