quinta-feira, 5 de março de 2015

O HOMEM QUE FAZIA LISTAS


O homem que fazia listas

Por Érika Basílio

Sua mania era criar uma interminável sequência de filmes, livros, lugares para conhecer. Até ele viver o roteiro do seu filme preferido.

Era a primeira vez que a via. Saía da sessão das 22 horas do Roxy onde fora ver pela terceira vez Casablanca. Isso só a versão restaurada. O original ele já tinha perdido a conta de quantas vezes assistira. Sem contar uma versão colorizada do filme que odiava com todas as forças. Mas por um momento se esqueceu de Bogart, Bergman e dos refugiados que tentavam escapar dos nazistas por uma rota que passava por uma pequena cidade africana.
Ela era mais bonita que Grace Kelly, Hedy Lammar e Ava Gardner juntas, as três atrizes que ele mais admirava. Saía sozinha do cinema. Provavelmente uma fã de Casablanca como ele. Será que esse era o filme preferido dela? Será que fazia parte do seu Top 5? Ou será que ela saía da sessão de “Jogos Mortais”, que acabara no mesmo instante? Não, não era possível. Ela parecia ser tão interessante, tinha um olhar tão especial, e estava agora cada vez mais próxima dele.

- Oi! Você também viu o filme?, ela perguntou.
- Casablanca?
- Sim. Deve ser a quinta vez que assisto e sempre me emociono.
Pronto! Conhecia naquele instante a mulher da sua vida. Ficaram conversando na saída do cinema. Ele lhe contou curiosidades sobre o filme. Que o papel de Bogart seria interpretado originalmente por Ronald Reagan. E que durante a sequência em que o major Strasser desembarca no aeroporto, os oficiais vistos de cima foram interpretados por anões, para que a pista parecesse maior. Ela morria de rir. Ele se sentia feliz. Tão feliz que temia estar com cara de bobo. De repente ela corta a conversa e diz que precisa sair porque tem um compromisso. Mas antes de ir embora, deixa o telefone.
- Me manda um whatsapp. Podemos marcar um cinema.
Marcaram vários cinemas. O Festival de Kubrick, de Alain Resnais, o Cine Daros no Pátio, e a edição de David Lynch no Oi Futuro. Ele a levou em todos os barzinhos legais que conhecia. Havia feito uma lista dos lugares mais interessantes para se ir no verão, que tinha encontrado em uma dessas revistas descoladas.
 
Estavam naquele dia em um bar bem longe de ser um Rick’s Cafe, de Casablanca. Mas que tinha o seu charme, com mesinhas do lado de fora e uma vista tão bonita quanto a do Marrocos.
- Você é a primeira pessoa com quem eu gosto de conversar de verdade. Diferente daqueles caras com o mesmo papo de sempre, ela disse.
Mal sabia ela que ele adoraria ter o mesmo papo daqueles caras. Afinal, sobre o que tanto falavam? Ele nunca tinha ideia do que conversar. Vivia fazendo na memória uma lista dos assuntos que poderiam interessá-la. Mas na hora se enrolava, esquecia, e qualquer silêncio entres os dois o incomodava profundamente. Ficava com medo de que ela o considerasse chato, entediante. Mas ela não parecia se importar.

Além do mais o que acabara de ouvir, o deixou emocionado. Nunca tinha sido o primeiro cara em nada para ninguém. Nem para sua mãe. Era o quinto filho de um total de sete, e quando nasceu ela já estava cansada demais da maternidade para tratá-lo de maneira especial.
Mas naquele momento se sentiu mais felizardo que um Humphrey Bogart. Não tinham guerra, não precisavam fugir de ninguém e viviam um amor de cinema. Quase que dava para ouvir o piano de Sam tocando ao fundo. A kiss is just a kiss. No Rio de Janeiro ou em Casablanca. (Fonte: JenipapoNews - aqui).

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