OBAMA X
MANCHA NEGRA, por
Ivan Lessa.
Nem a Copa da Mundo, com suas Jabulanis e vuvuzelas, conseguiu tirar das primeiras páginas o drama vivido pelo vazamento de petróleo no Golfo do México. Seguramente, o maior desastre ecológico de todos os tempos, nos Estados Unidos ou qualquer outra parte do mundo.
As fotos de pelicanos e outras aves de menor tamanho ilustram a primeira página das folhas há dois meses. São lembrados, embora nem tanto quanto deveriam, os 11 trabalhadores que morreram quando da tragédia. A coisa vem sendo, desde abril, esmiuçada em página após página de jornal.
O presidente Barack Obama, criticado por seus compatriotas de início, acabou pegando o pião na unha e acaba de realizar a sua quarta viagem à região atingida. Sempre duríssimo em relação ao papel desempenhado pela BP antes, durante e depois dos trágicos acontecimentos.
Agora mesmo, tendo visitado os Estados mais afetados pelo vazamento-monstro – Louisiana, Mississippi, Alabama e Flórida – referiu-se ao sucedido como o 11 de setembro do meio ambiente. Tudo bem. Ou antes, tudo mal.
Apenas uns probleminhas. Acontece que só uma ou outra publicação, mesmo as britânicas, se dão ao trabalho de, devidamente apoiada em fatos citados por autoridades supostamente isentas, publicar assim como quem não quer nada.
A começar pelo nome do vilão da história. Ou, no caso, a vilã. A conhecida, ou notória, conforme quiserem, BP.
Obama por diversas vezes insistiu em dar o nome completo do nefasto e irresponsável acrônimo. Chama-o de British Petroleum. Não por amor à precisão ou delicadeza de sentimentos, podem estar certos. Apenas a pura – eu disse pura? – e humana vontade de dar o devido nome aos bois, ou melhor, o devido nome ao massacrador de pescadores, peixes, crustáceos, banhistas e outros que se aventurem pelo outrora simpático e sereno Golfo do México.
Com o devido respeito, para Obama o vazamento é aquele vilão, o Mancha Negra, dos velhos dos gibis de Walt Disney. Não está errado.
Mas aos probleminhas que atrapalham o razoável entendimento dos fatos. Vamos dar uma repassada em alguns deles.
A BP mudou seu logotipo no ano 2000. Com ele, a sigla, ou acrônimo. Passou a ser um conglomerado energético multinacional e as duas letrinhas, após a devida fortuna gasta com estudos e pesquisas, viraram Beyond Petroleum, ou seja, “além do petróleo”.
São vivíssimos seus dirigentes. Sabem que a humanidade, ou aquela porção com reservas suficientes para investimentos em ações puras e simples (se isso existe) ou fundos de pensão, pensa muito pouco e sente muito mais. No caso, o “além do petróleo” sugeria, como sugere, um passo adiante para o Homem, uma jornada para as estrelas e, quem sabe, o infinito.
Parece que pouco adiantou a crise financeira que sacudiu e continuará sacudindo nosso planetinha chinfrim por algumas décadas no futuro – além de 2007, para ser específico. Queremos, porque queremos, botar nossas fichas no vermelho 27 e danem-se as almas tímidas que confiam mais no colchão Drago de suas casas.
Não bastasse, a BP teve a infeliz ideia de escolher o mais idiota de seus diretores como porta-voz oficial para tratar dos gravíssimos problemas de relações pública ligadas à hecatombe. Foi gafe em cima de rata.
Obama deu a ordem: é para a “British Petroleum” cuidar imediatamente, ontem se possível, de criar um fundo multibilionário compensatório. Só em indenizações a Goldman Sachs (epa! Logo quem, hem?) calcula que a conta sairá lá pela casa dos US$ 48 bilhões. Outras falam em mais, muito, muito mais.
E mais isso e aquilo outro. Iraque, Afeganistão, Guantánamo? Isso era coisa que “sim, eles podiam”, mas com validade apenas para campanha eleitoral. Esquece. Não lembrar de jeito nenhum, evitar até onde possível a divulgação de que a BP pode ser a maior corporação britânica, embora de operações transatlânticas, e situada em terceiro lugar na copa energética mundial.
Deixar para lá o fato de que 40% de suas ações estão em mãos britânicas, 39% com os americanos e os 21% restantes com o resto do mundo (estaremos lá?). De seus 12 diretores, 6 são americanos, 6 são britânicos (half and half, bonitinho).
A BP – repetindo, a Beyond Petroleum – emprega 22 mil cidadãos americanos e 10 mil britânicos. A plataforma pivô do abominável vazamento, cognominada Deepwater Horizon, é de propriedade da firma Transocean, com sede (ora, ora) na Suíça, claro, e foi construída pela Hyundai em estaleiros da Coreia do Sul.
A subempreiteira encarregada de encaixar o encanamento em cimento, antes de plugá-lo, devida ou indevidamente - mais para o indevidamente, pois não? -, chama-se Halliburton, e é de nacionalidade americaníssima, tendo, de certa inesquecível feita, no afamado rol de seus diretores-executivos, o ex-vice-presidente Dick Cheney, de que estamos todos lembrados de outros Carnavais regados a petróleo no Oriente Médio.
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Há um probleminha que escapou ao Ivan: na verdade, um não-probleminha: o fato de que a BP não é empresa estatal. Se o desastre tivesse sido praticado pela Petrobras, por exemplo (toc toc toc), a devassa seria completa, apocalíptica, devastadora. Mas a BP, atenta ao 'custo mínimo' e à taxa máxima de rentabilidade de seus investimentos (ações; fundos de pensão), burlou o quanto quis a frouxa legislação americana. Pô, contenhamos nossa indignação. Isso faz parte, understand?