Por Carlos Alberto Mattos
Marcos Yoshi e suas duas irmãs eram adolescentes do interior de São Paulo quando seus pais decidiram ir trabalhar no Japão como dekasseguis (trabalhadores imigrantes). Pretendiam ficar lá por dois anos. Ficaram 13. Retornaram em 2013 para fazer sociedade num restaurante japonês no Mato Grosso do Sul. São empreendedores natos, o que nem sempre assegura o sucesso. Já com idade avançada e saúde debilitada, ainda uma vez se lançariam na aventura da emigração.
Essa saga familiar, pontuada por idas e vindas, êxitos e fracassos, comunicações à distância, constrangimentos e dissimulações, é narrada com um misto exemplar de franqueza e recato em Bem-vindos de Novo. Marcos Yoshi fez o filme com o intuito de se reaproximar dos pais depois de se considerar, por muitos anos, um “órfão de pais vivos”.
As memórias da infância, guardadas em gravações das viagens de férias em VHS, falam de um tempo em que a família era um núcleo sólido, muito embora a vida dos pais fosse sempre dedicada inteiramente ao trabalho. Aí entra um aspecto profundamente japonês de compromisso com o sucesso profissional à custa de qualquer sacrifício. O casal Yoshi personifica o destino de muitos dekasseguis que se iludiram com a perspectiva de enriquecimento rápido no Japão e se depararam com um regime de trabalho escorchante e uma qualidade de vida muito aquém do que imaginavam.
O filme descortina a intimidade desse fenômeno. Os vídeos enviados aos filhos no Brasil eram falsas mensagens de bem-estar, tal como as gravações feitas pelas empresas agenciadoras para exibir, em festas anuais, aos familiares que ficaram por aqui. A verdade vem à tona em conversas reveladoras que o filme habilmente soube propiciar.
Os Yoshi exemplificam à perfeição a inversão do fluxo de imigração que trouxe cerca de 200 mil japoneses para o Brasil no século passado – entre eles os avós de Marcos – e fez número semelhante de brasileiros se deslocarem para o Japão a partir de fins dos anos 1980. Marcos e suas irmãs também viveram essa experiência por um tempo mais curto, com lembranças nada agradáveis.
Bem-vindos de Novo consegue a proeza de ser penetrante sem ser invasivo – e eficaz no registro sem recorrer a artifícios de provocação muito comuns no documentário de observação. Uma câmera discreta, mas muito presente e próxima, capta tanto a rotina que define a vida do casal no Brasil quanto momentos delicados na relação dos filhos com pais que não hesitam em trocar a convivência familiar pela busca de oportunidades.
Não é sempre que vemos um filme de família com tal equilíbrio entre afeto e alguma mágoa. Sem julgar nem acusar os pais, Marcos Yoshi fez um raro trabalho de ourivesaria humana. A trilha musical de Julia Teles ajuda a tocar uma tecla de emoção em qualquer um de nós. - (Fonte: Blog Carmattos - Aqui).
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