quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONFLITO UCRÂNIA


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Em 2016 foi lançado no Brasil o documentário de uma hora e meia Ucrânia em chamas, que procurava, com seriedade, apresentar a revolução colorida que ocorrera na Praça Maidan, em Kiev, dois anos antes. O evento deixou um rastro de violência e de sombrias reminiscências históricas na região que ressurgiram com força. A desinformação midiática promovida pela aliança Otan/CIA/Estados Unidos tinha sido competente, e o Ocidente ia seguindo os acontecimentos dessa guerra híbrida com pasmo e ansiedade. Os eventos se atropelavam na Ucrânia e constituíam o foco de um momento de transição que se iniciava, o qual, como acontece em todas as épocas em processo de mudança, é nebulosa e até sombria.

Agora, diante de um novo clímax na crise que vem se desdobrando desde então, Ukraine on Fire volta a ser um filme novo em folha. Importante para ser (re)visto porque relembra, de modo atraente e com montagem ágil, as raízes históricas dos eventos atuais, na região, e as bases sobre as quais a tal revolução colorida de 2014 foi planejada e posta em prática.

Produzido pelo diretor americano Oliver Stone e dirigido por um amigo do cineasta, o americano-ucraniano Ígor Lopateniuk, radicado na Califórnia, o doc desvenda a implicação dos EUA e da CIA no processo revolucionário em Kiev - com direito à célebre distribuição de sanduíches americanos para supostamente mitigar a fome da população, em plena Maidan, pelas mãos da vice-secretária de Estado americana para a Europa, Victoria Nuland. Uma imagem histórica, ridícula.

O documentário mostra a guerra sangrenta na região separatista pró-Rússia de Donbass, ao leste do país, e a re-ocupação da Península da Criméia, único porto russo aberto durante todo o ano a despeito dos rigorosos invernos locais, e onde se situam estaleiros estratégicos para a Rússia.

Ígor Lopateniuk e Stone repudiam a versão grosseira de “rebelião popular” vendida por organizações públicas financiadas pela ONG norte-americana NED (National Endowment for Democracy) e pelos jornalistas financiados pelos EUA, e discutem o que determinou as ações do presidente russo e do ex-presidente da Ucrânia Viktor Yanukovitch, derrubado no processo do euromaidan e hoje refugiado na Rússia.

Ambos estão no filme (transmitido na época pela TV russa), entrevistados em Moscou por Oliver Stone, assim como o célebre jornalista investigativo americano Robert Parry, falecido dois anos depois dessa sua participação no documentário.

Oliver Stone apresenta as revoluções ucranianas de 2004, a ''laranja'', e a de 2014 como revoltas instigadas e planejadas fora do país e com a participação dos EUA.

Para quem não lembra: Oliver Stone é o autor do clássico Platoon, sobre a guerra do Vietnã, do polêmico JFK, a pergunta que não quer calar, onde ele esmiúça os eventos que levaram ao assassinato do Presidente John Kennedy, de Snowden, heroi ou traidor, de Wall Street e do doc As entrevistas de Putin, o seu longo encontro com Vladimir Putin, em Moscou e nos arredores da cidade, resultado de dois anos de viagens ao Kremlin.**

Num rápido prólogo, o seu filme sobre a Ucrânia adverte: ''Quando se trata de política, qualquer que seja o assunto, o tema é sempre o dinheiro''. No caso, o crucial abastecimento de gás natural russo diretamente para a Alemanha através de um novo gasoduto, o Nordstream 2, já concluído (que não atravessa a Ucrânia), o qual contribui para enfraquecer a exportação do gás liquefeito americano para os europeus.

 Ucrânia em chamas ressalta a profunda divisão ideológica, histórica, existente no país. Partidários da extinta União Soviética, hoje, da Rússia (população de origem e idioma russos) de um lado, e do outro, nacionalistas neonazistas, inimigos ferozes de Moscou, como as cruéis milícias Galitizien, de extrema direita, manipuladas e usadas pela inteligência norte-americana desde o fim da Segunda Guerra Mundial, e o radical grupo Setor Direito.

No filme, outro lembrete importante: em 1946, os nacionalistas nazis ucranianos que lutaram junto com as tropas de Hitler, nunca foram levados para serem julgados em Nuremberg por pressão e obra da CIA.

Em uma entrevista a Stone, Putin comenta: ''Logo após a Ucrânia se tornar independente, começaram a privatização selvagem e o roubo escancarado da propriedade pública. O padrão de vida do povo ucraniano caiu imediatamente''.

Quando Stone pergunta se Yanukovitch “percebeu o dedo dos EUA” no levante de 2014, o ex-presidente responde: "Diversas delegações de países aliados aos americanos chegaram ao país e tomaram o partido dos manifestantes de Maidan, o que exacerbou o conflito''.

''Quando os manifestantes tomam prédios do governo, isso é aceitável? Seria aceitável se o embaixador ucraniano tivesse se aproximado dos manifestantes na cidade de Ferguson durante os tumultos de ruas nos Estados Unidos para distribuir biscoitos''? provoca Yanukovitch.

Em outra importante entrevista, o jornalista Robert Parry, célebre por ter coberto o caso Irã-Contras, fala sobre ''as ONGS que prepararam a revolução colorida de Kiev; algumas são entidades que, mais do que servir as pessoas necessitadas atendiam aos interesses de governos''.

''ONGs políticas e empresas de mídia financiadas pelos EUA surgiram a partir dos anos 80 e substituíram a CIA na promoção da agenda geopolítica dos EUA no exterior'', diz Parry.

Há oito anos, a ''revolução popular ucraniana'', assim vendida pela mídia ocidental, na verdade terá sido um golpe de Estado roteirizado e encenado por grupos nacionalistas radicais e pelo Departamento de Estado dos EUA.

Hoje, a crise, que nunca se resolveu, recrudesce com o governo desorientado de Biden necessitando criar novo conflito para neutralizar o fiasco da sua saída desonrosa do Afeganistão. Mas Putin parece que perdeu a paciência com as tropas da Otan cercando, cada vez mais, as suas fronteiras. E também porque a Rússia precisa dar um impulso à sua economia com o Nord Stream 2 funcionando rapidamente."


(De Léa Maria Aarão Reis, texto intitulado "Ucrânia, a encenação colorida de Maidan", publicado no site Carta Maior).

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