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Sobre dois dos documentários indicados ao Oscar: "Attica" e "Onde Eu Moro", pelo crítico Carlos Alberto Mattos:
Vinte e um anos antes do nosso, os Estados Unidos tiveram o seu Carandiru. Em setembro de 1971, cerca de 1300 prisioneiros se rebelaram e assumiram o controle do presídio de Attica, no estado de Nova York. Durante cinco dias, reinou um clima de tensão no lugar, agravado pelo assassinato de um guarda carcerário. Equipes de mediação tentavam evitar um banho de sangue, afinal sem sucesso. O episódio terminou com a intervenção violenta da polícia e um saldo de 39 mortos, entre os quais 10 guardas tomados como reféns.
A comparação com Carandiru é apenas superficial. Enquanto no presídio paulista tudo partiu de uma briga de grupos, em Attica aconteceu uma revolta contra as condições sub-humanas da vida carcerária e a falta de cuidados médicos e de liberdade religiosa. Os números finais também ficam distantes: no Carandiru foram 111 mortos, quase o triplo de Attica.
Lembro-me de Al Pacino gritando “Attica! Attica!” enquanto, encurralado pela polícia, mantinha reféns num assalto a banco em Um Dia de Cão, filme de 1975. A rebelião de quatro anos antes estava no imaginário recente da população estadunidense. Exatos 50 anos depois, voltou com o documentário Attica, dirigido pelo veterano Stanley Nelson em parceria com a documentarista Traci Curry.
Como de costume, Nelson constrói uma narrativa excepcional a partir de recursos clássicos, como entrevistas e materiais de arquivo. Alguns ex-presidiários que participaram do motim, familiares de reféns, membros do comitê de mediação e o jornalista John Johnson, da ABC News, que cobriu o evento de perto, recontam a história ainda com resquícios de emoção e indignação.
A tranquila cidade de Attica vivia em função do enorme presídio de segurança máxima. Quem visse as casas e famílias no entorno não podia imaginar que, lá dentro da “casa correcional”, o medo e o racismo eram usados como formas de controle do grande contingente de presidiários. Attica era tido como “o último lugar” para um ser humano.
Valendo-se de um precioso acervo de filmagens de dentro e de fora do presídio, Stanley Nelson e Traci Curry jogam luz sobre detalhes que dimensionam o tamanho do imbroglio político e social. O estado concordou com a maioria das reivindicações dos presos, mas não com a anistia para o próprio motim – o que colocava os líderes na mira das piores punições. O governador de NY, Nelson Rockefeller, recusou-se a intervir pessoalmente para tentar acalmar os ânimos, assim abrindo caminho para o massacre.
O papel dos muçulmanos na proteção à vida dos reféns é um aspecto notável, assim como a decepção com a inócua visita-relâmpago de Bobby Seale, líder dos Panteras Negras. Os pormenores da organização interna dos rebelados durante os cinco dias de impasse são exemplarmente ilustrados.
Um ex-presidiário branco (havia muitos, apesar de a grande maioria ser de negros e latinos) comenta os pequenos privilégios que tinha por sua cor. A questão racial era patente no simples confronto entre a massa de presidiários negros e as tropas de policiais brancos. Ao fim do massacre, quando os rendidos foram humilhados e torturados por vingança, pode-se ver um grupo de policiais comemorando e exaltando aos gritos de “white power”.
O ato final do filme, quando os revoltosos foram caçados a tiros nos pátios do presídio, é momento talvez um pouco espetaculoso, com a sonoplastia do tiroteio invadindo até mesmo o áudio dos depoimentos atuais. A impressão que passa é de uma carnificina muito maior do que a estatística resultante.
Nem tudo o que aconteceu em Attica foi completamente esclarecido. Os diretores não incluíram entrevista com nenhum policial, nem refém (embora o drama desses últimos ganhe evidência através de seus familiares). De qualquer forma, Attica é um dossiê de grande perícia narrativa, e não só do ponto de vista da montagem. Os entrevistados demonstram concisão, fluência e dramaticidade nos relatos, o que deve ter ajudado imensamente o trabalho dos montadores Aljernon Tunsil e Jaclyn Lee.
Attica também tem importância para a causa dos que ainda se preocupam com a dignidade dos presos.
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Um Grande Trailer
Estava coberto de razão o documentarista Eduardo Ades ao comentar no Facebook que o média Onde Eu Moro (Lead Me Home) era “o maior trailer a que já assisti”. O filme, dirigido pelo brasileiro Pedro Kos e o estadunidense Jon Shenk, concorre ao Oscar de curta documentário e está disponível na Netflix. Parece de fato um grande trailer de um filme que ainda iríamos ver.
As imagens são poderosas, com tomadas aéreas que revelam a presença maciça de homeless nas cidades de Los Angeles, San Francisco e Seattle, e muitos planos adquiridos em bancos de imagens. Há quatro personagens centrais fortes que enfrentam, cada um a sua maneira, a falta de moradia. Mas tudo é submetido a uma tal fragmentação e superficialidade que resulta quase sensacionalista.
A ênfase está no sofrimento e fragilidade de alguns e na fibra de outros. O que faltou foi um propósito além da simples exposição e de um paralelismo óbvio com uma classe média que tem casa, se alimenta decentemente e toma banho todo dia. - (Fonte: Carmattos - Aqui).
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