terça-feira, 14 de setembro de 2021

OS ESTADOS NACIONAIS: IGUALDADE SOBERANA, EXTRAORDINÁRIAS DISPARIDADES


"
"L’État c’est Moi”
Luix XIV (1638-1715)

“O Estado é o comitê executivo da burguesia”
Karl Marx (1818-1883)

“America First”
Donald Trump

1. Os nacionalismos e a formação dos Estados nacionais são temas centrais da política internacional e da formação e ação do Império Americano. O Brasil, como Província deste Império,tem sua economia e sua política interna e externa afetadas de forma profunda por esses processos.

2. A política externa e interna brasileira se realizam no âmbito e sob a influência da política internacional onde os principais atores, ainda que não sejam os únicos, são o Império e suas Províncias (os Estados Nacionais) e seus Adversários: a República Popular da China e a Federação Russa.

3. Os Estados menos poderosos, e entre eles o Brasil, são objeto de constante pressão exercida pelo Império Americano, pelas grandes Potências e seus ideólogos para que evitem qualquer política nacionalista como ação de Estado. O nacionalismo seria um fenômeno “arcaico e violento” e prejudicial à paz e à segurança internacionais.

4. Confundem, sabendo que o fazem, o nacionalismo de direita, fenômeno dos países desenvolvidos, com o nacionalismo na periferia ex-colonial, de afirmação de independência e de desenvolvimento,

5. Na periferia subdesenvolvida do sistema econômico e político mundial do Império Americano, onde se encontram as Províncias, Estados que são ex-colônias, entre eles o Brasil, as disparidades de renda e de poder são extraordinárias dentro de seus territórios assim como entre essas ex-colônias e as Províncias que integram o centro desenvolvido e poderoso do sistema internacional.

6. Assim, os governos de Estados (Províncias) subdesenvolvidos são obrigados, para manter um mínimo de convivência pacífica entre os setores da população prejudicados pelas políticas neo-liberaise os setores privilegiados onde se concentra a renda, a procurar executar políticas de desenvolvimento e de combate à pobreza que, muitas vezes, podem significar restrições à formação de mercados globais, ao livre jogo das forças de mercado e à liberdade de ação das megaempresas multinacionais.

7. Tais políticas são denunciadas pelo Império e suas Províncias desenvolvidas como “nacionalistas” e “populistas” e seus defensores são acusados, criticados e ridicularizados pela grande imprensa. Esta grande imprensa internacional(e nacional) é constituída por megaempresas de entretenimento e informação que se encontram intimamente vinculadas às megaempresas financeiras, produtivas e tecnológicas multinacionais e delas dependentes, em consequência não só de interesses ideológicos comuns, na qualidade de empresas privadas que são, como pelo sistema de publicidade que as envolve.

8. Essa ação do Império pode levar a operações de pressão, de propaganda adversa, de estímulo e financiamento a grupos de oposição,de guerra híbrida, de lawfaree a eventuais ações de regime change, em suas várias modalidades.

9. A ação permanente dos Estados altamente desenvolvidos, sob a liderança dos Estados Unidos como Império e no centro do sistema, para impor suas políticas econômicas e sociais, as crescentes assimetrias de riqueza e de poder entre as sociedades do centro e as da periferia, e a tentativa do Império Americano de impor à periferia, pela violência ou pela pressão econômica, mudanças de regime político e econômico fazem ressurgir com mais força movimentos políticos nacionalistas anti-imperialistas.

10. Os atentados de 11 de setembro de 2001 que atingiram o território americano assim como os movimentos migratórios, decorrentes de diferença de oportunidades econômicas para os indivíduos entre a periferia e o centro, a que se somam ondas migratórias decorrentes de conflitos e de catástrofes naturais, fizeram ressurgir nos países altamente desenvolvidos os nacionalismos xenófobos.

11. A Academia, os organismos internacionais, a imprensa e os governos dos países altamente desenvolvidos permanecem “convictos”(até por interesse próprio) de que, para as Províncias da periferia, o nacionalismo, que é o oposto do cosmopolitismo globalizador, e o populismo, que é o oposto do liberalismo radical, são dois males gêmeos a serem atacados e erradicados a qualquer preço. Para o Império e para os Estados desenvolvidos seria melhor para essas Províncias subdesenvolvidas, para “seu próprio bem”, se entregarem à globalização neoliberal (onde são produtores primários periféricos), cujos méritos são louvados noite e dia.

12. Essa “louvação” permanece apesar das crises econômicas decorrentes da desregulamentação, da especulação dos mercados financeiros, do crescente hiato econômico e social entre o centro e a periferia do sistema e do renascer, nos países centrais, do nacionalismo econômico e do nacionalismo xenófobo de direita (mas não só) contra os imigrantes da periferia. Periferia sempre vista como inferior por ser negra, índia ou amarela, bárbara, infiel e turbulenta.

13. As lideranças populares das Províncias subdesenvolvidas, e cada vez mais, ainda que tardiamente, uma parcela de suas classes hegemônicas, percebem que, em um sistema mundial que se caracteriza pela estagnação e instabilidade econômica, pela violência dos poderosos, pelo desespero dos fracos, pela pobreza e riqueza extremas e pela ameaça ambiental à sobrevivência da humanidade, somente uma política de desenvolvimento e de independência política poderá levar à vitória contra a onda neo-conservadorae de ultra direita que se espraia pelo mundo e em suas Províncias subdesenvolvidas, entre elas o Brasil.

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14. A expressão Estado nacional não significa que a cada Estado corresponda ou deva corresponder uma Nação, definido este conceito como comunidade razoavelmente homogênea no que diz respeito a etnia, idioma, religião, costumes, história e visão comum de seu futuro.

15. Em muitos casos a Nação foi criada pelo Estado. Quando da formação dos Estados nacionais, o próprio conceito de Nação teria sido criado pelas classes hegemônicas para fortalecer seu domínio sobre uma população através do Estado. A própria construção do Estado foi um instrumento de imposição de um idioma único sobre dialetos regionais; de criação de laços afetivos e de lealdade das populações, às vezes muito distintas, em relação ao soberano e ao território “nacional” que habitavam; da ideia de superioridade dessa “população nacional” em relação a povos de outros territórios; de imposição de tributos uniformes; de obrigação de uso de um idioma oficial na burocracia e no judiciário; de arregimentação militar da população para fins de defesa ou de ataque.

16. De forma geral, as agências do Estado procuram fortalecer a ideia de Nação única para reforçar o controle das classes hegemônicas, através de seus funcionários, sobre a organização da atividade econômica, social e política no território, sobre osmecanismos de apropriação de maior parcela do PIB, sobre os instrumentos de controle dopoder político e de fruição de privilégios.

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17. A introdução do capitalismo mercantil e sua expansão,com a transformação violenta dos sistemas econômicos pré-existentes,nas Américas, na Ásia e na África decorreu da ação militar de Estados, da ação de mercadores e da ação de missionários de alguns países da Europa que iriam, com a incorporação política e econômica de territórios, construir os Impérios ultramarinos de Portugal, Espanha, Países Baixos, França e Inglaterra.

18. Do Século XIV ao Século XVIII, período em que ocorreu a transição do feudalismo e da Idade Média para o capitalismo e a Idade Moderna,ocorreram descobertas, eventos e inovações de grande importância que se influenciaram mutuamente.

19. As monarquias nacionais da Idade Média na Europa Ocidental foram as ancestrais dos modernos Estados.

20. Essas monarquias, em especial Portugal, Espanha, França e Inglaterra, foram responsáveis em diferentes momentos, medida e intensidade:

- pela organização do sistema político internacional sob a forma imperial, cuja versão atual, desde 1945, é o Império Americano;

- pela organização jurídica do mundo em Estados Nacionais, iguais e soberanos em seus territórios, ainda que profundamente desiguais, em todos os demais aspectos;

- pela expansão e pela organização predominante do sistema econômico sob a forma capitalista, em distintas variações, em quase todos os países;

- pela organização do sistema científico/tecnológico/industrial com base no princípio de considerar os bens da natureza como bens livres, sem custo econômico para as empresas (e para as sociedades).

21. Alguns dos eventos políticos, econômicos, tecnológicos, militares, religiosos e culturais desse extraordinário período de transição, quando se organizaram gradualmente os Estados Nacionais que viriam a ser sede de grandes Impérios ultramarinos, estão relacionados a seguir.

1321. Dante escreve a Divina Comédia, marco do Renascimento.

1337. Início da Guerra dos Cem Anos (intermitente), entre França e Inglaterra.

1346. Uso do canhão na batalha de Crecy, na Guerra dos Cem Anos.

1346. A Peste Negra dizima um terço da humanidade, a qual na época era cerca de 360 milhões de indivíduos.

1383. Revolução de Avis, em Portugal. “Eleição” de João I, pelas Cortes e apoio da burguesia mercantil que financia a expansão marítima.

1418.Início da Era das Navegações em que o uso da bússola foi essencial. Portugal descobre a Madeira em 1418 e os Açores em 1427.

1440. Invençãoda tipografia de tipos móveis, que permite ampla divulgação das obras literárias, técnicas e religiosas.

1444. Realiza-se,em Portugal,o primeiro leilão de africanos escravizados.

1453. Constantinopla é tomada pelos turcos e ocorre fuga de sábios para Florença, que dá grande impulso ao Renascimento.

1453. Fim da Guerra dos Cem Anos, com a vitória da França, e a retirada definitiva da Inglaterra do Continente.

1492. Os Reis Católicos conquistam Granada, expulsam definitivamente os mouros e unificam a Espanha.

1492. Cristóvão Colombo descobre o Novo Mundo.

1494. O Tratado de Tordesilhas fixa limites entre os impérios português e espanhol.

1498. Vasco da Gamacircunavega a África e descobre o Caminho Marítimo para as Índias.

1500. Pedro Alvares Cabral descobre o Brasil.

1513. Maquiavel escreve o Príncipe.

1515. Francisco I é sagrado Rei de França.

1517. Lutero afixa as 95 Teses na igreja do castelo de Wittenberg, iniciando a Reforma Protestante em que a imprensa teve papel fundamental.

1520. Conquista do México, por Cortez, e a do Peru em 1533, por Pizarro.

1526. São transportados 12 a 25 milhões de ducados por ano das Américas para a Espanha.

1530. A Casa Fugger financia a escolha de Carlos,rei da Espanha, para Imperador do Sacro Império, em que adota o título de Carlos V.

1534. A Companhia de Jesus é criada por Inácio de Loyola.

1534. Henrique VIII se proclama chefe da Igreja da Inglaterra e rompe com Roma.

1543. Copérnico refuta a concepção geocêntrica do Universo, defendida pela Igreja.

1545. Início do Concílio de Trento e da Contrarreforma Católica.

1568. Início da Guerra de Independência dos Países Baixos (1568/1648).

1580. União Ibérica (1580-1640), com hegemonia da Espanha, sob Felipe II, “dissolve” as fronteiras entre Espanha e Portugal, na América do Sul.

1580. Montaigne publica os Ensaios.

1606. Apogeu da obra de Shakespeare.

1615. Cervantes publica D. Quixote de la Mancha.

1618. Início da Guerra dos 30 Anos, em que morrem oito milhões de pessoas.

1620. Os Pais Peregrinos fundam a Colônia de Plymouth (Massachusetts).

1628. Harvey faz a primeira descrição da circulação do sangue no corpo.

1632. Galileu estabelece a lei da queda dos corpos no vácuo.

1640. Fim da União Ibérica, entre Espanha e Portugal.

1648. Assinatura dos Tratados de Westfalia e fim da Guerra dos 30 Anos.

1651. Ato de Navegação, de Oliver Cromwell.

1652. Guerras Anglo-Holandesas (1652/54) (1665/67) (1672/74).

1687. Newton formula a lei da gravitação universal.

1688. A Revolução Gloriosa, na Inglaterra. Guilherme III (de Orange) e Maria Stuart são reconhecidos como monarcas pelo Parlamento e aceitam a Declaração de Direitos.

1723. J. S. Bach começa a desenvolver sua obra.

1748. Montesquieu apresenta a teoria da separação dos Poderes do Estado.

1760. Início da Revolução Industrial na Inglaterra (1760-1840).

1765. Watt aperfeiçoa a máquina a vapor.

1769. Hargreaves desenvolve o primeiro tear mecânico.

1774. Goethe é o precursor do romantismo alemão.

1776. Declaração de Independência das Treze Colônias americanas.

1776. Adam Smith publica a Riqueza das Nações.

1783. Independência americana é reconhecida internacionalmente.

1789. Queda da Bastilha dá início à Revolução Francesa.

1793. Eli Whitney inventa a Cotton Gin, a máquina descascadora de algodão.

1804. Napoleão é coroado Imperador pelo Papa Pio VII.

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22. A primeira e principal característica dos Estados são suas extraordinárias diferenças em termos de localização geográfica; de território; de recursos naturais; de topografia; de clima; de população; de cultura; de evolução histórica e de coesão nacional.

23. A localização geográfica é importante pelo acesso ou não ao mar e pelo número e importância dos vizinhos de fronteira; a extensão do território determina o grau de variedade de recursos do solo e subsolo; a topografia e o clima afetam o sistema de transportes e a agricultura; a população indica limites para a dimensão do mercado interno e para o grau de diversificação da produção e a vulnerabilidade da economia; a cultura, a evolução histórica e a coesão nacional afetam o modo de se ver, a autoestima de seu povo e das classes hegemônicas e a visão que tem dos outros Estados e sociedades.

24. Dos 193 Membros das Nações Unidas 29 Estados têm território superior a 1 milhão de km² e 86 Estados têm território inferior a 100 mil km². A maior extensão do território não é suficiente para indicar grande variedade de recursos mas indica maior probabilidade de sua existência. Após a Rússia (17.098.000); o Canadá (9.984.000); os Estados Unidos (9.525.000) e a China (9.596.000) o Brasil é o quinto maior país com 8.510.000 km². A Europa, excluída a Rússia europeia, tem 6.220.000 km², extensão inferior à do Brasil.

25. Há países cujo território é contínuo, como o Brasil, a Rússia e a China. Outros países têm território descontínuo, como o Japão, com seis mil ilhas e a Indonésia, com 14 mil ilhas. Há países sem vizinhos, como a Austrália; e outros com grande número de vizinhos como a China (14), a Rússia (16) e o Brasil (10). A descontinuidade do território desintegra o mercado e exige obras mais complexas de interligação enquanto o número de vizinhos e suas características são de grande importância para a política externa de um país.

26. Há países com grande e diversificada gama de recursos minerais, que são a base da indústria, como os Estados Unidos e o Brasil, enquanto outros têm poucos recursos em seu subsolo, como o Japão. Há países de solo fértil e de grande potencial agrícola, como a Argentina e o Brasil, e outros de solo árido e de baixa fertilidade, como são muitos países do Oriente Próximo. A escassez de recursos minerais e a produção agrícola insuficiente são fatores de vulnerabilidade política e econômica para um Estado, pois o torna mais dependente de importações.

27. Apenas quinze países têm população superior a 90 milhões de habitantes: entre eles a China, com 18% da população mundial; a Índia, com 18%, os Estados Unidos, com 4% e o Brasil com 2.7%. Mais de cem países têm população inferior a dez milhões de habitantes, e micro-Estados do Caribe e do Pacífico tem população diminuta. A menor dimensão da população restringe a dimensão potencial do mercado interno, impede a instalação de unidades de produção industrial de escala ótima e torna necessária uma maior especialização produtiva e maior dependência do comércio exterior.

28. As populações dos Estados nacionais têm distintos graus de homogeneidade étnica, religiosa, de idioma, de costumes.

29. A Índia é um caso extremo de Estado heterogêneo, com 23 línguas oficiais e mais de 400 idiomas e dialetos, em que cada um, em geral, corresponde a uma cultura, e com diversidade religiosa importante, com seis religiões principais: o hinduísmo, o islamismo, o cristianismo, o sikhismo, o budismo e o jainismo que entretém relações por vezes antagônicas e às vezes violentas. A diversidade de idiomas torna mais difícil a administração dos organismos do Estado. A diversidade de culturas, com sua natural rivalidade, pode levar a conflitos sociais e raciais mais ou menos intensos. O sistema de castas na Índia apesar de ser ilegal sobrevive o que torna mais complexa a situação da sociedade hindu.

30. O Japão é exemplo de Estado nacional com grande homogeneidade de raça, de idioma, de cultura, que é preservada por rigorosa política de imigração e de aquisição de nacionalidade.

31. A população de certos Estados pode exibir grande uniformidade de idioma, de visão comum de futuro e sentimento nacional e não apresentar aspectos que são, em geral, incluídos no conceito de Nação, como é o caso dos Estados Unidos. O Brasil tem importantes elementos de constituição não somente de Estado como a uniformidade de idioma, de religião, mas de Grande Estado viável como a extensão do território, a dimensão da população e a diversidade de recursos naturais.

32. Há grupos nacionais numerosos que se encontram dispersos em regiões de distintos Estados, como é o caso dos 30 milhõesde curdos, dos quais 55% vive na Turquia, 20% no Irã e 20% no Iraque. Há grupos que podem ser considerados nações e que não se consideram representados, de forma aceitável, pelos Estados em que se encontram, como os bascos, os catalães e os escoceses.

33. Muitas vezes os Estados nacionais surgiram como resultado de conquista territorial e de submissão de populações a um terceiro Estado, como foi o caso dos Estados que foram conquistados e incorporados ao Império Russo no Século XVII.

34. Essas são situações históricas importantes para compreender a desintegração de Estados como ocorreu com a União Soviética em 1991. A divisão artificial de Estados, em razão principalmente de conflitos, como ocorreu na Alemanha, no Vietnã e na Coreia, impulsionou movimentos de reintegração.

35. Há países de milenar tradição cultural como a China, a França e a Grã-Bretanha.Empaíses cuja história como Estado é recente, como é o caso de países africanos que foram Colônias,a coesão nacional tende a ser frágil enquanto que, nos países que não foram Colônias é mais forte esta coesão. Há exceções principalmente no caso de países em que a independência resultou de luta armada, como a Argélia, e em que havia maior homogeneidade na sociedade em termos de etnia, de religião, de idioma. Há casos de países que não foram Colônias mas cuja coesão é frágil, como a Espanha e a Bélgica.

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36. A essas diferenças estruturais mencionadas, algumas de possível porém lenta variação no tempo, se deve acrescentar as enormes desigualdades entre os Estados em termos de PIB; de PIB per capita; de dinamismo tecnológico; de poder militar; de poder político; de influência cultural; e de poder ideológico, desigualdades que decorrem em grande medida da ação dos Governos dos Estados ao longo do tempo.

37. Ao lado de doze países de economia altamente desenvolvida e diversificada (entre eles a China) e quatro países subdesenvolvidos (Índia, Brasil, México e Indonésia), em que o PIB atinge cifras superiores a um trilhão de dólares, se encontram 109 pequenos, mini e micro Estados cujo Produto Interno Bruto não chega a 50 bilhões de dólares.

38. Em 2019, o PIB per capita norte-americano, em termos nominais (65 mil dólares), era inferior ao PIB de alguns pequenos, micro e mini-Estados peculiares, como Luxemburgo (113 mil), mas muito superior ao da China (9.700) e superior ao PIB per capita de países altamente industrializados, como a Alemanha (46 mil), França (42 mil) e Japão (40 mil).

39. Dos 193 Estados membros das Nações Unidas 63 tem PIB per capita inferior a três mil dólares.

40. A diferença de dinamismo e de influência tecnológica entre os Estados pode ser avaliada pela percentagem do PIB investida em pesquisa e desenvolvimento; pela dimensão absoluta dos investimentos em pesquisa científica e tecnológica; pelo número de patentes registradas a cada ano; pela publicação de artigos científicos; pela concessão de Prêmios Nobel e semelhantes em ciências exatas e pelos pagamentos que recebem de outros Estados pelo uso de sua tecnologia.

41. Alguns países que são significativos devido ao que investem em ciência e tecnologia como percentagem do PIB são: Israel (4,9); Coréia do Sul (4,53); Japão (3,26); Alemanha (3,09); EUA (2,84); França (2,20); China (2,19); Austrália (1,87); Reino Unido (1,72); Brasil (1,26); Rússia (0,99); Índia (0,65); Argentina (0,54).

42. O fator importante porém não é o percentual de investimento em pesquisa e desenvolvimento em relação ao PIB mas sim o investimento em termos absolutos, devido ao elevado custo de equipamentos complexos de pesquisa e do recrutamento e formação de mão-de-obra altamente qualificada e especializada. Alguns desses países em termos de investimento absoluto em bilhões de dólares (PPP): EUA (460.6); China (439.0); Japão (144.1); Alemanha (100.0); Coréia do Sul (86.6); Índia (54.0); França (48.9); Reino Unido (40.2); Brasil (33.3); Rússia (22.6); Austrália (17.3). A eficiência dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento pode ser aferida pelo número de patentes registradas pelo país.

43. O número de patentes registradas é o melhor indicador de dinamismo tecnológico e econômico e da capacidade de competir de uma economia. As novas patentes (que conferem monopólio de seu uso) correspondem a mais eficientes métodos de produção com menores custos e que tornam as empresas que as utilizam mais competitivas e lucrativas. Os Estados Unidos durante longo período lideraram a lista de países em número anual de patentes registradas, tendo sido ultrapassados pela China em anos recentes. Em 2017, nos Estados Unidos, o escritório de registro de patentes recebeu 607 mil pedidos de patentes; na China recebeu 1,380 milhões; no Japão 318 mil; na Coreia 204 mil e na União Européia 167 mil.

44. De outro lado, o número deartigos científicos publicados por pesquisadores norte americanos é superior ao número de artigos publicados por autores de qualquer outro país, sendo a China o segundo país nesta classificação. Outro indicador importante é o número de vezes que um artigo científico é citado em outros artigos, o que revela o grau de influência das ideias.

45. Cinquenta por cento dos cientistas agraciados com o Premio Nobel em ciências exatas são americanos. Muitas vezes esses cientistas são estrangeiros que residem e trabalham nos EUA, e que são por vezes naturalizados, e que “fertilizam” o sistema econômico e tecnológico dos EUA, e não os sistemas de seus países de origem. Em seus países de nascimento foram alimentados, cuidados e educados até o momento de sua idade adulta em que foram atraídos pelas facilidades técnicas e de convíviocientífico nas universidades e laboratórios americanos ou pelos programas de recrutamento organizados pelo Governo americano.

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46. As Colônias foram mantidas até a sua independência e sua transformação em Estados em situação de atraso industrial científico e tecnológico pelo sistema de monopólio colonial de suas Metrópoles, pela restrição à difusão do conhecimento, pelo conservadorismo religioso e anticientífico e pela teoria da divisão internacional do trabalho entre países produtores e exportadores de bens primários e países industriais, com base em vantagens comparativas relativas que seriam naturais, e portanto justas e mais proveitosas para todos.

47. Mesmo países subdesenvolvidos de renda média mais elevada, como o Brasil, a Argentina, a África do Sul, o México, a Tailândia e a Indonésia realizam investimentos em ciência e tecnologia menores em termos absolutos e relativos, e seus resultados, medidos pelo registro de patentes e de artigos científicos publicados, são modestos.

48. Quando as megaempresas multinacionais instalam laboratórios de pesquisa (com a finalidade principal de adaptação de produtos e de métodos de produção) nos Estados subdesenvolvidos, ocorre transmissão de conhecimento e treinamento de operários e técnicos locais. Todavia os resultados das pesquisas não pertencem ao país, mas sim às megaempresas e as patentes, que são o resultado econômico relevante, são registradas nos países de origem das empresas. Os resultados econômicos de seu uso beneficiam as empresas que as utilizam não os Estados em cujo território foi feita a pesquisa.

49. Um indicador da influência econômica (e também política) dos Estados Unidos que édesproporcional em relação à enorme maioria dos Estados inclusive aqueles desenvolvidos é o número de megaempresas financeiras e não financeiras de sua nacionalidade, que são cerca de 40% das que se encontram nas listas das maiores empresas do mundo publicadas por organizações e revistas como a Forbes. O número de megaempresas chinesas tem crescido de forma significativa nos últimos anos e outros países onde se encontram sedes de megaempresas listadas entre as maiores do mundo são a Alemanha, a França e o Japão. Há pouquíssimas megaempresas cuja sede e controle se encontram em países subdesenvolvidos.

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50. O hiato científico e tecnológico entre os Estados altamente desenvolvidos e os Estados periféricos tende a se aprofundar de forma cada vez mais acelerada assim como a diferença em termos de dinamismo econômico e de Poder. São os Estados periféricos vítimas da “armadilha” da prioridade midiática/ideológica/caritativa atribuída ao desenvolvimento social.

51. Os tradicionais objetivos dos países subdesenvolvidos (hoje chamados, de forma eufemística e simpática, de países em desenvolvimento, ou emergentes) eram:

a. o desenvolvimento industrial;

b. o acesso aos mercados dos países desenvolvidos;

c. a ajuda financeira dos países desenvolvidos ao desenvolvimento;

e foram substituídos por objetivos ambientais, de justiça social, identitários, enquanto o hiato econômico científico e tecnológico entre países desenvolvidos, ricos e poderosos, e países subdesenvolvidos, pobres e fracos, aumenta cada vez mais, em todas as dimensões.

52. Os países altamente desenvolvidos, ou em acelerado desenvolvimento, como a China, concentram esforços e recursos em programas de desenvolvimento cientifico, tecnológico, industrial e militar, apesar de quesua situação seja ainda precária em diversos aspectos e em setores importantes de suas sociedades.Na China há mais de 700 milhões de indivíduos fora da economia moderna e nos Estados Unidos, a sociedade mais desenvolvida do mundo, ocorre a maior concentração de renda entre países desenvolvidos e o salário médio real dos trabalhadores americanos não aumenta há 40 anos.

53. Enquanto isto, os países subdesenvolvidos são instados pelos países desenvolvidos, pelos organismos internacionais e pela Academia a se dedicar a atingir metas de desenvolvimento humano e de desenvolvimento sustentável tais como a educação primária para todos e a se concentrar na produção agrícola e mineral (e evitar a indústria), o que consolidará seu subdesenvolvimento e sua vulnerabilidade econômica, política e militar.

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54. Há cinco Estados com status político/militar privilegiado, atribuído pela Carta das Nações Unidas e pelo Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP).

55. Segundo o TNP, subscrito por 189 Estados, cinco Estados – Estados Unidos, Rússia, China, França e Grã-Bretanha – podem produzir, desenvolver, exportar, importar armas nucleares. Os demais Estados signatários do TNP estão proibidos e sujeitos ao controlede suas atividades nucleares pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA).

56. Os cinco Estados nucleares assumiram, pelo artigo VI do TNP, o compromissode se desarmarporém não há um mecanismo de controle desse compromisso. Assim, e atécontrariando o disposto no Artigo VI, os Estados nucleares têm aperfeiçoadosuas armas nucleares, desenvolvido armas nucleares táticas e seus meios de entrega (delivery).

57. Dois deles, os Estados Unidos e a Rússia, têm, cada um, cerca de 7.000 ogivas nucleares. Os outros três países, que são “legalmente” nucleares, pelo TNP,detêm menos de 300 ogivas, cada um. Os demais Estados da ONU ou são membros do TNP, e não podem ter armas, ou não são membros e detêm armas, como a Índia, Paquistão e a Coreia do Norte (que denunciou legalmente o TNP), sempre em número irrisório para fins agressivos, em especial contra a Rússia e os EUA, porém suficientes para fins dissuasórios.

58. Além da posse de armas nucleares e de outras armas de destruição em massa, a capacidade e, portanto, o poder militar relativo dos Estados pode ser medido pelos orçamentos de defesa; pelos acordos militares; pelo número de bases militares; pelo número de belonaves, submarinos, tanques e aviões de combate.

59. O total mundial de despesas militares em 2017 foi de 1,7 trilhão de dólares, cerca de 2,2% do PIB mundial. Nos EUA o orçamento de defesa foi equivalente a 3.3% do PIB, na China a 1.9% e na Rússia a 5,3%. O orçamento de defesa dos Estados Unidos foi de 611 bilhões de dólares, seguido pelo da China com 215 bilhões e pelo da Rússia com 69 bilhões. O orçamento militar americano é maior do que a soma dos orçamentos militares dos dez países seguintes.

60. Há programas de formação de oficiais militares de terceiros países em instituições americanas de ensino militar, sendo uma das mais famosas a Escola das Américas, que hoje se chama Instituto do Hemisfério Ocidental para a Cooperação em Segurança. Essas instituições influenciam a visão do mundo, a doutrina militar e a decisão por compra de armamentos, sendo os Estados Unidos os maiores exportadores de armas, em geral de segunda geração.

61. O Conselho de Segurança das Nações Unidas detém o monopólio do uso da força na esfera internacional e suas decisões têm de ser cumpridas por todos os Estados membros da ONU. As decisões do Conselho que autorizam o uso de sanções de diversos tipos, inclusive o uso da força militar, têm de ser aprovadas pelos cinco Membros Permanentes, quais sejam os Estados Unidos, a Rússia, a China, a França e o Reino Unido.

62. Os Membros Permanentes do Conselho estão, de fato, acima do Direito Internacional já que, ainda que tenham agredido terceiros Estados, nenhum tema pode ser debatido no Conselho e, portanto, nenhuma decisão pode ser tomada contra sua vontade, devido ao seu poder de veto, vetoconferido pela Carta que pode ser exercido inclusive no debate sobre a inclusão de temasna agenda das reuniões do Conselho.

63. Os Membros Permanentes do Conselho,que são justamente os detentores legais de armas nucleares segundo o TNP, são Estados de Primeira Classe. Os demais Estados da ONU são Estados de Segunda Classe, permanentemente desarmados pelos acordos de não proliferação de armas nucleares, de mísseis e de armas químicas e biológicas e pelos acordos sobre armas convencionais que são “induzidos” a subscrever como sua contribuição à Paz Mundial enquanto estão obrigados a cumprir as decisões do Conselho sob pena de sofrerem sanções.

64. Os acordos de desarmamento nuclear e de armas convencionais não promovem a paz e tornam os Estados que os subscrevem mais vulneráveis a pressões e eventuais agressões dos Estados mais poderosos e mais armados.

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65. O grau de influência cultural/ideológica dos Estados, às vezes chamada de soft power, é extremamente díspar e pode ser aferida pela publicação de sua literatura, inclusive técnica, em idiomas estrangeiros e a divulgação em outras sociedades de sua música e de suas obras audiovisuais, como documentários, filmes de ficção e séries, através do rádio, do cinema, da televisão e da Internet.

66. A divulgação de obras literárias e técnicas e de produtos culturais contribui de forma significativa para a transmissão e difusão de valores sociais, tanto positivos como negativos tais como a solidariedade ou o individualismo; o culto da violência ou da paz, e para a formação de uma imagem favorável no imaginário das sociedades, em especial aquelas mais vulneráveis, quanto à Metrópole do Império e ao sistema mundial.

67. A influência ideológica da Metrópole e das “Províncias” (Estados) mais poderosas ocorre através não somente de sua influência cultural, mas também de sua influência sobre os meios de comunicação no que diz respeito à elaboração e à difusão de “interpretações” de eventos e das informações geradas por agências de noticias, instituições acadêmicas, organismos internacionais; através da presença de estudantes estrangeiros em suas instituições de ensino; através da rede de entidades de divulgação de seu idioma e de sua cultura em terceiros países.

68. E, finalmente, a influência ideológica da Metrópole sobre a política econômica das Províncias se exerce pelas análises das agências “internacionais” de avaliação de risco-soberano ou risco-país. As principais dessas agências, que tem 95% do mercado mundial de classificação de crédito, a Standard&Poor’s, a Fitch e a Moody’s, surgiram nos Estados Unidos, onde têm sua sede. Foram acusadas, pelo Congresso americano, na crise de 2007 de atribuir classificações falsas a entidades insolventes, como o Lehman Brothers, e a títulos “podres” como as hipotecas subprime. Suas avaliações são, todavia, importantes para autorizar a aplicação de recursos de megafundos financeiros americanos em empresas em terceiros países. Alguns países tem procurado criar agências próprias de classificação de risco sem ter alcançado maior sucesso.

69. Os Estados Unidos atribuem importância estratégica aos instrumentos que permitem influir sobre a formação do imaginário em especial das classes hegemônicas e dos dirigentes de terceiros países e por essa razão fazem a defesa intransigente da liberdade de acesso, de ação e de opinião para suas agências de notícias, suas empresas e ONGs, na televisão, no cinema, no rádio, na imprensa, na Internet.

70. A maior parte das Províncias (Estados) do Império Americano, e mesmo a Rússia e a China, não tem nem remotamente a capacidade de exercício de soft power que tem os EUA.

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71. Ao lado da primeira característica dos Estados, que é a sua extraordinária disparidade, se encontra a sua segunda característicacomum a todos.

72. A segunda característica dos Estados é sua igualdade jurídica soberana, a soberania exclusiva que exercem sobre seu território, reconhecida pelos demais Estados, e o monopólio do uso da força para fazer cumprir suas normas pelos indivíduos e organizações que se encontram de forma permanente, temporária ou de passagem em seu território.

73. Os Estados nacionais surgiram aos poucos como resultado dos conflitos de delimitação de Poder entre grupos sociais, dentro de um mesmo território, que procuraram afirmar sua hegemonia para organizar os sistemas produtivos de exploração econômica e de controle social das populações a eles submetidas, inicialmente pela força e depois pela ameaça de uso da força, com o auxílio de mecanismos ideológicos, relacionados em seus primórdios com cultos religiosos.

74. Do ponto de vista político-jurídico, o Estado é o conjunto de agências públicas, criadas pelas classes hegemônicas ao longo da História de um país, com três objetivos principais.

75. O primeiro objetivo é elaborar normas de conduta que disciplinem as relações entre indivíduos, grupos e organizações da sociedade e destes com as agências do Estado, aceitas e obedecidas de forma geralpelas pessoas físicas e jurídicas que se encontram em seu território. O segundo objetivo é implementar estas normas e arrecadar recursos para executar os programas públicos delas derivados. O terceiro objetivo é dirimir os conflitos entre indivíduos, organizações, empresas e agências do Estado que possam surgir nos procedimentos de elaboração e de implementação dessas normas e programas. E, no exercício desses objetivos e atribuições, usar quando necessário o monopólio legal da força que as classes hegemônicas conferem a certas agências do Estado, como a Polícia e as Forças Armadas.

76. Entidades como megaempresas , organizações não governamentais, de sindicatos a igrejas, procuram influir sobre os procedimentos das agências do Estado que elaboram normas, arrecadam impostos, implementam normas e programas e dirimem divergências entre cidadãos, empresas e agências do Estado.

77. Nenhuma dessas entidades tem o poder de elaborar normas de conduta social e de fazer cumprí-las, penalizando os infratores, nem de fazer cumprir, em cada território nacional, normas acordadas com terceiros Estados decorrentes da negociação internacional de tratados.

78. Para o exercício eficiente da hegemonia da Metrópole do Império, em termos econômicos, políticos e militares, é de grande importância a uniformização de normas, em especial econômicas, do ordenamento jurídico das “Províncias” e assim permitir, em nível mundial, a ação mais lucrativa das megaempresas multinacionais, em especial norte-americanas.

79. Por esta razão, as principais entidades que participam da política internacional, e de quem se pode dizer, com propriedade, serem atores desta política, são os Estados nacionais, pois são as únicas entidades com poder para negociar tais normas e eventualmente incorporá-las a seus ordenamentos jurídicos nacionais respectivos.

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80. A política internacional constitui o conjunto de iniciativas e de reações dos Estados nacionais, sejam elas de natureza econômica, política, militar, midiática, de inteligência e subversão, pacíficas ou armadas, na disputa por uma parcela maior do Produto Mundial e em decorrência do exercício da hegemonia pelo Império.

81. Na política internacional um Estado tem como objetivo (ainda que este objetivo não seja explícito e que seja até dissimulado) aumentar sua participação no Produto Mundial e assim lograr nível mais elevado de bem estar para sua população (ou melhor dizendo para suas classes hegemônicas); alcançar maior capacidade de influir nas negociações internacionais e nelas proteger seus interesses, seja em organismos internacionais e regionais, ou em relações bilaterais; garantir capacidade de defesa diante de adversários; garantir o acesso a recursos e a mercados. Quanto menor o poder político, econômico e militar de um Estado maiores serão suas vulnerabilidades e mais difíceis de alcançar serão esses objetivos.

82. Na medida em que consideram possível e necessário procuram algum grau de prosperidade para as demais classes e setores dessas sociedades, inclusive para lograr “manter a paz social” e preservar os sistemas legais que garantem os privilégios gozados pelas classes hegemônicas.

83. Na perseguição do objetivo de alcançar níveis cada vez mais elevados de prosperidade e de Poder é essencial, para cada Estado (Província), e para seu governo, o pleno e eficiente desenvolvimento dos fatores de produção que se encontram em seu território, isto é, dos recursos naturais; do capital físico, sob a forma de unidades produtivas e de capital financeiro; e de sua força de trabalho.

84. Assegurar as melhores condições externas para o desenvolvimento de seus fatores de produção deve ser assim um dos objetivos principais da política externa de um Estado (Província), em especial daqueles de grandes dimensões e potencial como é o caso do Brasil.

85. Na medida que contatos de toda ordem, desde os comerciais aos militares, se desenvolveram entre as comunidades e mais tarde Estados nacionais, esses contatos passaram a afetar cada vez mais o desenvolvimento dos fatores de produção de cada Estado e, portanto, a consecução do objetivo principal dos Governos dos Estados nacionais. A consecução deste objetivo fica afetada pela existência de um sistema imperial, cuja Metrópole são os Estados Unidos da América, cujo objetivo central é manter sua hegemonia em todos os setores, em todas as regiões.

86. Na disputa permanente por uma parcela maior do Produto Mundial, isto é, na disputa nos mercados de bens, de serviços, de capitais; pelo acesso e exploração de recursos naturais; pelo controle das vias de acesso a esses mercados e recursos; e pelo acesso aos sistemas políticos e ideológicos dos terceiros países, as relações entre os Estados podem ser de cooperação, de cooptação, de aliança, de tensão, de provocação, de pressão, de retaliação, de subversão e de conflito até armado em relação a temas e situações da política internacional e em diferentes momentos, podendo mesmo haver cooperação em certos temas e confronto até violento em outros temas, em um mesmo momento.

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87. Devido ao atributo de soberania dos Estados é de grande importância para o Império e suas Províncias desenvolvidas a política internacional e a negociação de acordos.Estes “acordos”, que tem diferentes graus de validade jurídica vinculante, entre Estados soberanos, tem como objetivo definir as relações entre as pessoas jurídicas e físicas dos Estados signatários e as condições de acesso dessas pessoas jurídicas e físicas aos territórios e à atividade econômica nesses Estados.

88. Da negociação desses acordosa Metrópole “procura fazer” com que participemtodos os Estados, por menos poderosos que sejam, para validar as normas desses acordos como normas que teriam resultado de negociações “livres” da “comunidade internacional”, e, portanto, legítimas, justas, corretas e benéficas para todos os Estados, sem que tenha havido imposição, pela força, de parte dos Estados mais poderosos, e assim poder incorporá-los aos seus ordenamentos jurídicos nacionais.

89. Há sutis, mas firmes, movimentos da Metrópole do Império e de suas Províncias desenvolvidas, de pressão sobre governos ainda que de Estados menores para que participem das negociações e de formação de “maiorias” de Estados, o que torna os Estados, que não vêm a aderir a estes acordos, Estados párias, rogue states.

90. O acesso à atividade política interna nunca foi negociado e aceito claramente devido aos princípios fundamentais de não-intervenção e de autodeterminação, inscritos na Carta da ONU. Todavia, os acordos de cooperação judiciária, que são impostos pelo Império a suas Províncias, desenvolvidas e periféricas, são um instrumento recente de acesso à política interna, a pretexto da luta contra a corrupção, aspecto central da política americana, em especial aquela corrupção que seria praticada por empresas que competem com as megaempresas do Império no mercado mundial.

91. Os acordos de promoção e proteção de investimentos são outro instrumento de acesso à política interna, pois permitem contestar a legislação e as políticas de um Estado em painéis de arbitragem privados fora de seu sistema jurídico, através da chamada cláusula investidor-Estado.

92. De outro lado, o Império Americano se avoca o direito de intervir seletivamente em certas Províncias e em certos momentos e situações (mas não em todas) a pretexto de defesa dos direitos humanos que, a seu juízo e interesse, seriam superiores aos princípios de autodeterminação e não intervenção.

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93. É nesse universo em profunda transformação política, econômica e tecnológica, de enormes disparidades entre Estados juridicamente iguais e soberanos, em que existe um mundo ideal cujos objetivos são a Paz e a Segurança internacionais e a cooperação entre os Estados, entremeado a um mundo real de violência e arbítrio, é que o Brasil tem de desenvolver sua política interna e externa cujo objetivo tem de ser acelerar o seu desenvolvimento econômico e social e construir seu fortalecimento político."




(De Samuel Pinheiro Guimarães, artigo intitulado "Os Estados Nacionais: Igualdade Soberana, Extraordinárias disparidades" - Aqui -, publicado no Boletim Carta Maior.

Samuel Pinheiro Guimarães foi Secretário Geral do Itamaraty - 2003 a 2009 - e Ministro de Assuntos Estratégicos - 2009/10). 

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