O documentário "Casa" convoca a curiosidade elementar do espectador com relação às atribulações da vida alheia, razão ora de divertimento, ora de tensa identificação vicária.
Fui levado a considerar dois aspectos diante de Casa, o documentário familiar de Letícia Simões. O mais positivo é a disposição da jovem cineasta para abrir a intimidade de sua relação com a mãe, uma advogada bipolar, e a avó recolhida a uma casa de repouso.
São três gerações de mulheres marcadas por vicissitudes de seus respectivos tempos. A avó, descendente de escravos, demonstra uma serenidade própria da velhice. A mãe carrega lembranças de maus tratos na infância, de um casamento infeliz e da frustração por não ter encaminhado a filha segundo seus padrões burgueses. Letícia, por sua vez, é uma mulher contemporânea que saiu de casa na Bahia para viver no Rio, estudar em Cuba e construir uma carreira no cinema.
Colocando sua câmera diante das conversas com a mãe e a avó, de maneira inteiramente casual, Letícia capta os choques provindos dessas diferenças. Deixa entrever também um certo caráter ranzinza que está presente nas três, o que transforma os encontros em batalhas de queixas e irritações recíprocas, diálogos truncados por um desentendimento constante. Letícia visivelmente provoca ou acirra discussões em benefício do filme.
Há, portanto, um desprendimento em matéria de auto-imagem que chega às raias da crueza. Temas como aborto, maternidade, ressentimento e morte são tratados sem rodeios. Aí mesmo é onde identifico o aspecto menos positivo dessa abordagem supostamente corajosa. No fundo, Casa se apropria de um modelo dramatúrgico e de oferta audiovisual consagrado pelos reality shows do tipo Big Brother. O filme convoca a curiosidade elementar do espectador com relação às atribulações da vida alheia, razão ora de divertimento (o trio protagoniza diversos momentos muito engraçados), ora de tensa identificação vicária.
Não quero dizer que Letícia esteja a serviço desse modelo. Ela elabora sua narrativa – que se expande por três anos – de maneira a ser o menos espetacular possível. Há, sem dúvida, uma delicadeza subjacente a toda a dureza daquela convivência. As intervenções de fotos e cartas têm um cunho mais poético que informativo, tingidas pelas invenções sonoras da dupla O Grivo. Os tais "arquivos implacáveis" de Heliana, a mãe, são mencionados mas não compartilhados. Ou seja, guarda-se muito ao mesmo tempo que se mostra um tanto.
A densa e atribulada relação entre Letícia, Heliana e Carmelita flutua entre o assunto de interesse apenas privado e a possibilidade de cativar o público. Mas uma coisa é certa: a ideia de uma casa a que se pertence e à qual se volta é colocada em xeque por essas três mulheres que habitam lugares diferentes e mundos muito distintos. - (Fonte: Carta Maior - Aqui).
São três gerações de mulheres marcadas por vicissitudes de seus respectivos tempos. A avó, descendente de escravos, demonstra uma serenidade própria da velhice. A mãe carrega lembranças de maus tratos na infância, de um casamento infeliz e da frustração por não ter encaminhado a filha segundo seus padrões burgueses. Letícia, por sua vez, é uma mulher contemporânea que saiu de casa na Bahia para viver no Rio, estudar em Cuba e construir uma carreira no cinema.
Colocando sua câmera diante das conversas com a mãe e a avó, de maneira inteiramente casual, Letícia capta os choques provindos dessas diferenças. Deixa entrever também um certo caráter ranzinza que está presente nas três, o que transforma os encontros em batalhas de queixas e irritações recíprocas, diálogos truncados por um desentendimento constante. Letícia visivelmente provoca ou acirra discussões em benefício do filme.
Há, portanto, um desprendimento em matéria de auto-imagem que chega às raias da crueza. Temas como aborto, maternidade, ressentimento e morte são tratados sem rodeios. Aí mesmo é onde identifico o aspecto menos positivo dessa abordagem supostamente corajosa. No fundo, Casa se apropria de um modelo dramatúrgico e de oferta audiovisual consagrado pelos reality shows do tipo Big Brother. O filme convoca a curiosidade elementar do espectador com relação às atribulações da vida alheia, razão ora de divertimento (o trio protagoniza diversos momentos muito engraçados), ora de tensa identificação vicária.
Não quero dizer que Letícia esteja a serviço desse modelo. Ela elabora sua narrativa – que se expande por três anos – de maneira a ser o menos espetacular possível. Há, sem dúvida, uma delicadeza subjacente a toda a dureza daquela convivência. As intervenções de fotos e cartas têm um cunho mais poético que informativo, tingidas pelas invenções sonoras da dupla O Grivo. Os tais "arquivos implacáveis" de Heliana, a mãe, são mencionados mas não compartilhados. Ou seja, guarda-se muito ao mesmo tempo que se mostra um tanto.
A densa e atribulada relação entre Letícia, Heliana e Carmelita flutua entre o assunto de interesse apenas privado e a possibilidade de cativar o público. Mas uma coisa é certa: a ideia de uma casa a que se pertence e à qual se volta é colocada em xeque por essas três mulheres que habitam lugares diferentes e mundos muito distintos. - (Fonte: Carta Maior - Aqui).
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